domingo, 30 de novembro de 2014

Um padre escreve ao Papa antes de morrer aos 31 anos.

Religião

Um padre escreve ao Papa antes de morrer aos 31 anos. Leia aqui a carta

Não peço a Deus a minha cura, mas a força e a alegria de continuar sendo um verdadeiro testemunho de Seu amor e um sacerdote segundo o Seu coração


 
Don Fabrizio De Michino_ © DR
Fabrizio nasceu em Nápoles (Itália), no dia 8 de setembro de 1982. Quase 3 mil pessoas se reuniram no bairro de Ponticelli para lhe dar adeus na igreja de Nossa Senhora das Neves, onde ele era vigário. Padre Fabrizio viveu um grande sofrimento nos últimos meses, mas com fé e força interior. Sempre sorrindo, com uma palavra de consolo para os amigos e familiares que estiveram com ele até o último momento. Oferecemos a seguir a carta que ele enviou ao Papa Francisco.

A Sua Santidade o Papa Francisco:

Santo Padre,

nas orações diárias que dirijo a Deus, não deixo de rezar pelo senhor e pelo ministério que Deus lhe confiou, para que Ele possa lhe dar forças e alegria para continuar anunciando a boa nova do Evangelho.

Eu me chamo Fabrizio De Michino e sou um jovem padre da diocese de Nápoles. Tenho 31 anos e há cinco sou sacerdote. Desempenho meu serviço no Seminário Arcebispal de Nápoles como professor de um grupo de diáconos, e em uma paróquia em Ponticelli, que se encontra na periferia de Nápoles. A paróquia, recordando o milagre registrado na colina Esquilino, recebe o nome de Nossa Senhora das Neves.

Ponticelli é um bairro degradado por sua pobreza e alta criminalidade, mas a cada dia descubro verdadeiramente a beleza de ver o que o Senhor realiza nestas pessoas que confiam em Deus e na Virgem.

Também eu, desde que estou nesta paróquia, pude ampliar cada vez mais meu amor pela Mãe Celeste, experimentando também nas dificuldades a sua proximidade e proteção. Infelizmente, há três anos eu luto contra uma doença rara: um tumor no interior do coração. Há um mês estou com metástase no fígado e no baço. Nesses anos difíceis, no entanto, nunca perdi a alegria de ser anunciador do Evangelho. Também no cansaço eu percebo, verdadeiramente, esta força que não vem de mim, mas de Deus, que me permite desempenhar com simplicidade o meu ministério. Há uma citação bíblica que tem me acompanhado e me enche de confiança na força do Senhor: “Dar-vos-ei um coração novo e em vós porei um espírito novo; tirar-vos-ei do peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne” (Ez 36, 26).

Neste tempo tem sido muito próxima a presença do meu bispo, o cardeal Crescenzio Sepe, que me apoia constantemente, ainda que às vezes me peça para descansar, para que eu não me sobrecarregue.

Agradeço a Deus também por meus familiares e meus amigos sacerdotes que me ajudam e apoiam, sobretudo quando faço as diferentes terapias, compartilhando comigo os momentos de inevitável sofrimento. Também os meus médicos me apoiam muito e fazem o impossível para encontrar os tratamentos adequados para mim.

Santo Padre,

estou me alongando muito, mas só quero dizer que ofereço a Deus tudo isso, pelo bem da Igreja e pelo senhor de um modo especial, para que Deus o abençoe sempre e o acompanhe neste ministério de serviço e amor.

Eu lhe rogo que reze por mim: o que peço todos os dias ao Senhor é que seja feita a Sua vontade, sempre e em todas as partes. Não peço a Deus a minha cura, mas a força e a alegria de continuar sendo um verdadeiro testemunho de Seu amor e um sacerdote segundo o Seu coração.

Seguro de suas orações paternas, o saúdo devotamente.

Padre Fabrizio De Michino
sources: Aleteia

sábado, 29 de novembro de 2014

BELEZA E ARTE NATALÍCIA




NATAL 2014

BELEZA E ARTE NATALÍCIA
  José Rodrigues Lima

No tempo natalício, o filme da vida aviva-nos os momentos de ternura e
afetos misturados com gestos simbólicos de dádivas e reciprocidade, de
estima e solidariedade…
E a festa acontece no mais íntimo do nosso coração, pois estamos com
os nossos e irmanados com todos porque ”ET INCARNATUS EST” – Jesus
encarnou, e mostrou-se a todos, oferecendo a salvação do nosso BOM
DEUS, presente na História.
 

É fundamental para a fé bíblica a referência a acontecimentos
históricos e reais. Ela não narra lendas como símbolos de verdade que
estão para além da História, mas fundamenta-se na história que
aconteceu sobre a superfície desta terra.
O “factum historicum” não é, para ela, uma chave simbólica que se pode
substituir, mas base constitutiva: “ET INCARNATUS EST” – Jesus
encarnou. (In “Jesus de Nazaré”, J. Ratzinger, 2001, 16).
Porque é Natal, há sinais de festa nas cidades, nas aldeias, nas
povoações isoladas, nos sítios ermos, nos lares,…
As iluminações natalícias já estão acesas e as lâmpadas multicores
brilham nos espaços públicos, nas habitações, nas árvores. Os
presépios ocupam um lugar de destaque nos templos, nas praças e nas
residências familiares.
Os sons natalícios invadem os ambientes de tudo e todos. As partituras
de compositores clássicos, contemporâneos e tradicionais são
divulgadas pelas estações radiofónicas e televisivas.
Os concertos de Natal congregam orquestras e cantores. Ouvem-se vozes
de crianças e adultos anunciando a grande mensagem – glória a Deus nas
alturas e paz na terra aos homens por Ele amados.
Alegre-se o Céu e rejubile a Terra.

IMAGENS NATALÍCIAS DE MALINES
 
 

O presépio mereceu atenção de Fra Angélico, Ghirlandajo, Jerónimo
Bosch, Van de Goês, Leonardo da Vinci, Durer e outros notáveis artistas.
Merecem referência os famosos presépios do nosso Machado de Castro,
> Alexandre Guisti, e António Ferreira, bem como todos os barristas,
> inclusivé os de Barcelos, abundantemente coloridos, onde não faltam os
> carros de bois e pastores, dando lugar ao imaginário dos artesãos.
> Todas as igrejas do Alto Minho armam o presépio na igreja paroquial,
> contribuindo para o encanto das crianças e dos adultos. As imagens do
> Menino Jesus para sair no andor, transportado pelas crianças, aquando
> as procissões festivas, são uma constante em todas as paróquias.
> Nas terras minhotas existem diversas manifestações artísticas
> referentes ao mistério do Verbo Encarnado.
> Assim, são de referir o fresco representando os três Reis Magos
> (Século XIII/XIV) na igreja paroquial de Chaviães, Melgaço, e a
> Sagrada Família em marfim, na aldeia de Luzio, concelho de Monção.
> No concelho de Viana do Viana do Castelo, os presépios de Machado de
> Castro em S. Lourenço da Montaria, a Senhora do Ó ou Senhora da
> Expectação no Mosteiro de Carvoeiro, a Senhora do Parto na freguesia
> de Nogueira e a Senhora do Leite em Vila do Punhe são outros
> testemunhos.

 

> Segundo Bernardo Távora, a cidade de Malines (Bélgica), a muitos
> títulos ilustre do Bravante medievo e renascentista, foi com Antuérpia
> e Bruxelas um importantíssimo centro de artesanato artístico de
> imaginária sacra, destinado ao Ducado da Borgonha, aos países
> limítrofes e à exportação.
> As oficinas de santeiros não só reproduziram os célebres retábulos
> esculpidos, como sobretudo séries inumeráveis de pequenas estatuetas
> de madeira policromada e dourada, destinadas ao culto doméstico e
> conventual da Flandres e estrangeiro.
> Os retábulos e as imagens diversas não eram comercializados sem a
> vistoria prévia dos representantes das corporações de escultores e
> pintores que, com as suas marcas e punções, abonavam a qualidade do
> material e a perfeição artística das obras.
> Foi, de modo especial, após o casamento de Isabel de Portugal com
> Filipe-o-Bom, em 1430, que comerciantes portugueses se estabeleceram
> em Antuérpia. Portugal vivia no século XVI dependente das importações
> da Flandres desde o produto mais comezinho e essencial, à mais rica ou
> requintada obra de arte, procurando copiar a arte da Borgonha.
> A Casa Real, os nobres, conventos e igrejas encomendavam lá as mais
> famosas obras de arte. Por cá, andaram também iluminadores, músicos,
> entalhadores, escultores e imaginários, deixando obras notáveis,
> Deve-se ao inventário realizado por Willy Godenne o conhecimento de
> vários exemplares denominados como “Imagens de Malines”.
> Entre as imagens sacras propriamente ditas, que Godenne refere,
> destaca-se a de Nossa Senhora com o Menino no regaço, seguindo-se a
> conhecida representação, dita de Sant’ Ana Tríplice, tendo ao colo
> Nossa Senhora e o Menino de Jesus.
> Alude-se, no referido Inventário, ao grande número de imagens do
> Menino Jesus colectados pelo brica-braque no Vale do Lima. Teriam
> provido de numerosas capelas e solares existentes, importadas através
> do porto de Viana do Castelo, de grande importância na época e que
> fazem parte de uma coleção do Museu de Arte Antiga, de Lisboa.
> “Nos Meninos Jesus, vincam-se as proporções cunhadas e rebaixadas: são
> iguais a altura da raiz do pescoço ao púbis e deste aos pés. As
> anatomias rechonchudas; o ventre proeminente; as coxas exageradamente
> roliças, femininas. As nádegas, pelo contrário, minúsculas e
> apertadas, parecem contraídas...” – assim descreve Willy Godenne.
> O cabelo, encaracolado, projecta-se em torno da cabeça, numa orla salientada.
> As referidas imagens de Malines são de uma beleza impressionante. No
> antigo Mosteiro Beneditino de Sant’ Ana, hoje Congregação da Caridade,
> na cidade de Viana do Castelo, podemos contemplar, com olhares
> artísticos e místicos, um Menino Jesus, uma Sant’ Ana Tríplice e uma
> imagem de Nossa Senhora com o Menino no regaço, esculpidas segundo os
> cânones de Malines.

> Por certo, recordaremos de Gil Vicente:

> Belém, vila de Amor,
> Da Rosa nasceu a Flor:
> Virgem Sagrada.
> Em Belém, vila de Amor,
> Nasceu a Rosa do Rosal:
> Da Rosa nasceu a Flor,
> Para Nosso Salvador:
> Virgem Sagrada.
> Nasceu a Rosa do Rosal,
> Deus e Homem Natural;
> Virgem Sagrada.

sexta-feira, 28 de novembro de 2014

Dar Vida à Alma XXIV


Dar Vida à Alma XXIV


 
Dar Alma à Vida é dar, por exemplar, a um cálice de madeira, de vidro, ou de metal pobre, a possibilidade de ter conteúdo mais rico e mais nobre que possa haver à face da Terra. É fazer com que o cálice pobre seja mais rico que o de ouro mais fino porque o que dá Vida é o conteúdo e não a superfície ou material do objectivo de que é constituído…

Dar Alma à Vida é fazer com que um Verde Bom, do Minho, servido num copo qualquer não deixe de ser bom, sem ser bebido por uma tigela vidrada.

Dar Alma à Vida é fazer com que aquele que está caído se levante e o esfomeado mate a fome.

Dar Alma à Vida não está na matéria, mas na Alma que se quer dar à matéria para que ela, também obra de Deus, continue a ter mais Vida porque lhe damos Alma.

Sou eu que tenho de dar Alma à Vida e Deus não me falta com nada, mas nem sempre sou a Alma que devo ser, nem a minha vida reluz a Alma que lhe quero dar.

É que, dar Alma à Vida, passa por um cálice cheio de licor suculento e de sabor divino de sangue derramado pela minha Vida e pelas dos outros que se cruzam comigo…

Dar Alma à Vida é seguir o Caminho, a Verdade e a Vida, atributos que Jesus atribuiu a si mesmo.

 
Quando eu for Caminho, Verdade e Vida, estou a dar Alma à Vida e a ser: sacerdote profeta e rei a partir do meu Baptismo que me fez filho de Deus e irmão de todos, de um modo particular dos que de qualquer forma sofrem.

Eu darei Alma à Vida, se fizer que o outro Viva, ainda que, para isso, eu tenha de renunciar a algo que me agrada.

 

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

8 conselhos do Papa Francisco para melhorar a vida em família

8 conselhos do Papa Francisco para melhorar a vida em família

Bergoglio, que cresceu em uma família de 5 filhos, tem também 16 sobrinhos e sabe muito bem do que está falando


 
 
   
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WEB-000_DV1897460 AFP PHOTO / GABRIEL BOUYS
No último dia 20 de agosto, o Papa Francisco destacou, em uma audiência, que ele também tem uma família, já que é o mais velho de cinco irmãos. “Éramos cinco irmãos, e tenho 16 sobrinhos. Um desses sobrinhos sofreu um acidente de carro”, recordou.

Estes fatos da vida em família, unida à sua grande experiência na pastoral familiar, lhe confere autoridade para opinar sobre este tema. E foi assim que ele fez em diversas ocasiões, ao referir-se às relações de casal ou ao dia a dia dentro do casamento.

Seus conselhos, simples, mas diretos, podem facilitar muito a vida em comum, e não há dúvida de que suas recomendações aos casais já deram a volta ao mundo.

Vejamos uma seleção de conselhos do Papa Francisco:

1. “Aos recém-casados, sempre dou este conselho: discutam o quanto quiserem; não se preocupem se voarem alguns pratos. Mas nunca terminem o dia sem fazer as pazes. Nunca!” (4 outubro 2013).

2. “Para fazer as pazes, não é preciso chamar a ONU para fazer o trabalho de reconciliação. Basta um pequeno gesto, um carinho: bom dia, até logo, até amanhã. E amanhã se começa algo novo” (2 abril 2014).

Para aprender sobre o perdão, nada melhor que ler a Bíblia – algo que o Papa recomenda para melhorar a vida familiar:

3. “Não é para colocá-la em uma estante, mas para tê-la sempre à mão. É para lê-la com frequência, todos os dias, seja individualmente ou em grupo, marido e mulher, pais e filhos; talvez à noite, sobretudo aos domingos. É assim que a família caminha, com a luz e o poder da Palavra de Deus!” (5 outubro 2014).

Aos casais que estão se casando, ele fala da beleza do casamento, mas também é sincero com eles: para levá-lo adiante, é preciso esforçar-se.

4. “É uma viagem cheia de desafios, difíceis às vezes, e também com seus conflitos, mas a vida é assim” (14 fevereiro 2014).
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Uma vida preenchida pelos filhos. O Papa convida os casais a lançar-se à aventura da paternidade; e não se cansa de denunciar a cultura que não favorece a família:

5. “Esta cultura do bem-estar dos últimos dez anos nos convenceu: é melhor não ter filhos! É melhor! Assim, você pode sair de férias, conhecer o mundo, pode ter uma casa de campo... Fica bem tranquilo” (6 junho 2014).

E quando os filhos já estão presentes, às vezes a família se complica. Francisco aconselha refletir sobre o ritmo de vida frenético ao qual as famílias se submetem.

6. “Quando confesso jovens casais e eles me falam dos seus filhos, sempre faço uma pergunta: ‘E você, tem tempo para brincar com seus filhos?’. Muitas vezes o pai me diz: ‘Mas, padre, quando vou trabalhar de manhã, eles ainda estão dormindo, e quando volto à noite, já foram deitar também’. Isso não é vida” (16 junho 2014).

O Papa também tem conselhos para os filhos. A tecnologia mal utilizada se tornou um dos elementos que mais distancia a família.

7. “Talvez muitos adolescentes e jovens percam horas demais em coisas fúteis, como chats na internet, ou no celular, na novela, os produtos do progresso tecnológico que deveriam simplificar e melhorar a qualidade de vida. No entanto, às vezes desviam a atenção daquilo que é realmente importante” (6 agosto 2014).

Para o Papa, um pilar fundamental da vida familiar são as pessoas idosas. Elas são o futuro dos povos, porque são sua memória. Por isso, Francisco sabe como os avós marcam a vida dos familiares.

8. “Uma das coisas mais bonitas da vida da família, da nossa ida, é acariciar uma criança e deixar-se acariciar por um avô ou uma avó” (28 setembro 2014).

Esforço, perdão, oração e dedicação são os ingredientes que o Papa oferece para uma boa receita de fortalecimento da vida em família.

(Artigo publicado originalmente pelo Forum Libertas)

quarta-feira, 26 de novembro de 2014

Discurso integral do Santo Padre no Parlamento Europeu, palavras fortes, brilhantes e interpelantes


Discurso integral do Santo Padre no Parlamento Europeu, palavras fortes, brilhantes e interpelantes

 

Senhor Presidente, Senhoras e Senhores Vice-Presidentes,

Ilustres Eurodeputados,

Pessoas que a vário título trabalhais neste hemiciclo,

 

Queridos amigos!

Agradeço-vos o convite para falar perante esta instituição fundamental da vida da União Europeia e a oportunidade que me proporcionais de me dirigir, por vosso intermédio, a mais de quinhentos milhões de cidadãos por vós representados nos vinte e oito Estados membros. Desejo exprimir a minha gratidão de modo particular a Vossa Excelência, Senhor Presidente do Parlamento, pelas cordiais palavras de boas-vindas que me dirigiu em nome de todos os componentes da Assembleia.

 

A minha visita tem lugar passado mais de um quarto de século da realizada pelo Papa João Paulo II. Desde aqueles dias, muita coisa mudou na Europa e no mundo inteiro. Já não existem os blocos contrapostos que, então, dividiam em dois o Continente e, lentamente, está a realizar-se o desejo de que «a Europa, ao dotar-se soberanamente de instituições livres, possa um dia desenvolver-se em dimensões que lhe foram dadas pela geografia e, mais ainda, pela história» .

A par duma União Europeia mais ampla, há também um mundo mais complexo e em intensa movimentação: um mundo cada vez mais interligado e global e, consequentemente, sempre menos «eurocêntrico». A uma União mais alargada, mais influente, parece contrapor-se a imagem duma Europa um pouco envelhecida e empachada, que tende a sentir-se menos protagonista num contexto que frequentemente a olha com indiferença, desconfiança e, por vezes, com suspeita.

 

Hoje, falando-vos a partir da minha vocação de pastor, desejo dirigir a todos os cidadãos europeus uma mensagem de esperança e encorajamento.

Uma mensagem de esperança assente na confiança de que as dificuldades podem revelar-se, fortemente, promotoras de unidade, para vencer todos os medos que a Europa – juntamente com o mundo inteiro – está a atravessar. Esperança no Senhor que transforma o mal em bem e a morte em vida.

 

 

Encorajamento a voltar à firme convicção dos Pais fundadores da União Europeia, que desejavam um futuro assente na capacidade de trabalhar juntos para superar as divisões e promover a paz e a comunhão entre todos os povos do Continente. No centro deste ambicioso projecto político, estava a confiança no homem, não tanto como cidadão ou como sujeito económico, mas no homem como pessoa dotada de uma dignidade transcendente.

 

Sinto obrigação, antes de mais nada, de sublinhar a ligação estreita que existe entre estas duas palavras: «dignidade» e «transcendente».

 

«Dignidade» é a palavra-chave que caracterizou a recuperação após a Segunda Guerra Mundial. A nossa história recente caracteriza-se pela inegável centralidade da promoção da dignidade humana contra as múltiplas violências e discriminações que não faltaram, ao longo dos séculos, nem mesmo na Europa. A percepção da importância dos direitos humanos nasce precisamente como resultado de um longo caminho, feito também de muitos sofrimentos e sacrifícios, que contribuiu para formar a consciência da preciosidade, unicidade e irrepetibilidade de cada pessoa humana. Esta tomada de consciência cultural tem o seu fundamento não só nos acontecimentos da história, mas sobretudo no pensamento europeu, caracterizado por um rico encontro cujas numerosas e distantes fontes provêm «da Grécia e de Roma, de substratos celtas, germânicos e eslavos, e do cristianismo que os plasmou profundamente» , dando origem precisamente ao conceito de «pessoa».

 

Hoje, a promoção dos direitos humanos ocupa um papel central no empenho da União Europeia que visa promover a dignidade da pessoa, tanto no âmbito interno como nas relações com os outros países. Trata-se de um compromisso importante e admirável, porque persistem ainda muitas situações onde os seres humanos são tratados como objectos, dos quais se pode programar a concepção, a configuração e a utilidade, podendo depois ser jogados fora quando já não servem porque se tornaram frágeis, doentes ou velhos.

 

Realmente que dignidade existe quando falta a possibilidade de exprimir livremente o pensamento próprio ou professar sem coerção a própria fé religiosa? Que dignidade é possível sem um quadro jurídico claro, que limite o domínio da força e faça prevalecer a lei sobre a tirania do poder? Que dignidade poderá ter um homem ou uma mulher tornados objecto de todo o género de discriminação? Que dignidade poderá encontrar uma pessoa que não tem o alimento ou o mínimo essencial para viver e, pior ainda, o trabalho que o unge de dignidade?

 

Promover a dignidade da pessoa significa reconhecer que ela possui direitos inalienáveis, de que não pode ser privada por arbítrio de ninguém e, muito menos, para benefício de interesses económicos.

 

É preciso, porém, ter cuidado para não cair em alguns equívocos que podem surgir de um errado conceito de direitos humanos e de um abuso paradoxal dos mesmos. De facto, há hoje a tendência para uma reivindicação crescente de direitos individuais, que esconde uma concepção de pessoa humana separada de todo o contexto social e antropológico, quase como uma «mónada» (μονάς) cada vez mais insensível às outras «mónadas» ao seu redor. Ao conceito de direito já não se associa o conceito igualmente essencial e complementar de dever, acabando por afirmar-se os direitos do indivíduo sem ter em conta que cada ser humano está unido a um contexto social, onde os seus direitos e deveres estão ligados aos dos outros e ao bem comum da própria sociedade.

Por isso, considero que seja mais vital hoje do que nunca aprofundar uma cultura dos direitos humanos que possa sapientemente ligar a dimensão individual, ou melhor pessoal, à do bem comum, àquele «nós-todos» formado por indivíduos, famílias e grupos intermédios que se unem em comunidade social . Na realidade, se o direito de cada um não está harmoniosamente ordenado para o bem maior, acaba por conceber-se sem limitações e, por conseguinte, tornar-se fonte de conflitos e violências.

 

Assim, falar da dignidade transcendente do homem significa apelar para a sua natureza, a sua capacidade inata de distinguir o bem do mal, para aquela «bússola» inscrita nos nossos corações e que Deus imprimiu no universo criado ; sobretudo significa olhar para o homem, não como um absoluto, mas como um ser relacional. Uma das doenças que, hoje, vejo mais difusa na Europa é a solidão, típica de quem está privado de vínculos. Vemo-la particularmente nos idosos, muitas vezes abandonados à sua sorte, bem como nos jovens privados de pontos de referência e de oportunidades para o futuro; vemo-la nos numerosos pobres que povoam as nossas cidades; vemo-la no olhar perdido dos imigrantes que vieram para cá à procura de um futuro melhor.

 

Uma tal solidão foi, depois, agravada pela crise económica, cujos efeitos persistem ainda com consequências dramáticas do ponto de vista social. Pode-se também constatar que, no decurso dos últimos anos, a par do processo de alargamento da União Europeia, tem vindo a crescer a desconfiança dos cidadãos relativamente às instituições consideradas distantes, ocupadas a estabelecer regras vistas como distantes da sensibilidade dos diversos povos, se não mesmo prejudiciais. De vários lados se colhe uma impressão geral de cansaço e envelhecimento, de uma Europa avó que já não é fecunda nem vivaz. Daí que os grandes ideais que inspiraram a Europa pareçam ter perdido a sua força de atracção, em favor do tecnicismo burocrático das suas instituições.

 

A isto vêm juntar-se alguns estilos de vida um pouco egoístas, caracterizados por uma opulência actualmente insustentável e muitas vezes indiferente ao mundo circundante, sobretudo dos mais pobres. No centro do debate político, constata-se lamentavelmente a preponderância das questões técnicas e económicas em detrimento de uma autêntica orientação antropológica . O ser humano corre o risco de ser reduzido a mera engrenagem dum mecanismo que o trata como se fosse um bem de consumo a ser utilizado, de modo que a vida – como vemos, infelizmente, com muita frequência –, quando deixa de ser funcional para esse mecanismo, é descartada sem muitas delongas, como no caso dos doentes terminais, dos idosos abandonados e sem cuidados, ou das crianças mortas antes de nascer.

 

É o grande equívoco que se verifica «quando prevalece a absolutização da técnica» , acabando por gerar «uma confusão entre fins e meios» , que é o resultado inevitável da «cultura do descarte» e do «consumismo exacerbado». Pelo contrário, afirmar a dignidade da pessoa significa reconhecer a preciosidade da vida humana, que nos é dada gratuitamente não podendo, por conseguinte, ser objecto de troca ou de comércio. Na vossa vocação de parlamentares, sois chamados também a uma grande missão, ainda que possa parecer não lucrativa: cuidar da fragilidade dos povos e das pessoas. Cuidar da fragilidade quer dizer força e ternura, luta e fecundidade no meio dum modelo funcionalista e individualista que conduz inexoravelmente à «cultura do descarte». Cuidar da fragilidade das pessoas e dos povos significa guardar a memória e a esperança; significa assumir o presente na sua situação mais marginal e angustiante e ser capaz de ungi-lo de dignidade .

 

Mas, então, como fazer para se devolver esperança ao futuro, de modo que, a partir das jovens gerações, se reencontre a confiança para perseguir o grande ideal de uma Europa unida e em paz, criativa e empreendedora, respeitadora dos direitos e consciente dos próprios deveres?

 

 

Para responder a esta pergunta, permiti-me lançar mão de uma imagem. Um dos mais famosos frescos de Rafael que se encontram no Vaticano representa a chamada Escola de Atenas. No centro, estão Platão e Aristóteles. O primeiro com o dedo apontando para o alto, para o mundo das ideias, poderíamos dizer para o céu; o segundo estende a mão para a frente, para o espectador, para a terra, a realidade concreta. Parece-me uma imagem que descreve bem a Europa e a sua história, feita de encontro permanente entre céu e terra, onde o céu indica a abertura ao transcendente, a Deus, que desde sempre caracterizou o homem europeu, e a terra representa a sua capacidade prática e concreta de enfrentar as situações e os problemas.

 

O futuro da Europa depende da redescoberta do nexo vital e inseparável entre estes dois elementos. Uma Europa que já não seja capaz de se abrir à dimensão transcendente da vida é uma Europa que lentamente corre o risco de perder a sua própria alma e também aquele «espírito humanista» que naturalmente ama e defende.

 

É precisamente a partir da necessidade de uma abertura ao transcendente que pretendo afirmar a centralidade da pessoa humana; caso contrário, fica à mercê das modas e dos poderes do momento. Neste sentido, considero fundamental não apenas o património que o cristianismo deixou no passado para a formação sociocultural do Continente, mas também e sobretudo a contribuição que pretende dar hoje e no futuro para o seu crescimento. Esta contribuição não constitui um perigo para a laicidade dos Estados e para a independência das instituições da União, mas um enriquecimento. Assim no-lo indicam os ideais que a formaram desde o início, tais como a paz, a subsidiariedade e a solidariedade mútua, um humanismo centrado no respeito pela dignidade da pessoa.

 

Por isso, desejo renovar a disponibilidade da Santa Sé e da Igreja Católica, através da Comissão das Conferências Episcopais da Europa (COMECE), a manter um diálogo profícuo, aberto e transparente com as instituições da União Europeia. De igual modo, estou convencido de que uma Europa que seja capaz de conservar as suas raízes religiosas, sabendo apreender a sua riqueza e potencialidades, pode mais facilmente também permanecer imune a tantos extremismos que campeiam no mundo actual – o que se fica a dever também ao grande vazio de ideais a que assistimos no chamado Ocidente –, pois «o que gera a violência não é a glorificação de Deus, mas o seu esquecimento» .

 

Não podemos deixar de recordar aqui as numerosas injustiças e perseguições que se abatem diariamente sobre as minorias religiosas, especialmente cristãs, em várias partes do mundo. Comunidades e pessoas estão a ser objecto de bárbaras violências: expulsas de suas casas e pátrias; vendidas como escravas; mortas, decapitadas, crucificadas e queimadas vivas, sob o silêncio vergonhoso e cúmplice de muitos.

 

 

O lema da União Europeia é Unidade na diversidade, mas a unidade não significa uniformidade política, económica, cultural ou de pensamento. Na realidade, toda a unidade autêntica vive da riqueza das diversidades que a compõem: como uma família, que é tanto mais unida quanto mais cada um dos seus componentes pode ser ele próprio profundamente e sem medo. Neste sentido, considero que a Europa seja uma família de povos, os quais poderão sentir próximas as instituições da União se estas souberem conjugar sapientemente o ideal da unidade, por que se anseia, com a diversidade própria de cada um, valorizando as tradições individuais; tomando consciência da sua história e das suas raízes; libertando-se de tantas manipulações e fobias. Colocar no centro a pessoa humana significa, antes de mais nada, deixar que a mesma exprima livremente o próprio rosto e a própria criatividade tanto de indivíduo como de povo.

 

Por outro lado, as peculiaridades de cada um constituem uma autêntica riqueza na medida em que são colocadas ao serviço de todos. É preciso ter sempre em mente a arquitectura própria da União Europeia, assente sobre os princípios de solidariedade e subsidiariedade, de tal modo que prevaleça a ajuda recíproca e seja possível caminhar animados por mútua confiança.

 

Nesta dinâmica de unidade-particularidade, coloca-se também diante de vós, Senhores e Senhoras Eurodeputados, a exigência de cuidardes de manter viva a democracia dos povos da Europa. Não escapa a ninguém que uma concepção homologante da globalidade afecta a vitalidade do sistema democrático, depauperando do que tem de fecundo e construtivo o rico contraste das organizações e dos partidos políticos entre si. Deste modo, corre-se o risco de viver no reino da ideia, da mera palavra, da imagem, do sofisma... acabando por confundir a realidade da democracia com um novo nominalismo político. Manter viva a democracia na Europa exige que se evitem muitas «maneiras globalizantes» de diluir a realidade: os purismos angélicos, os totalitarismos do relativo, os fundamentalismos a-históricos, os eticismos sem bondade, os intelectualismos sem sabedoria .

 

Manter viva a realidade das democracias é um desafio deste momento histórico, evitando que a sua força real – força política expressiva dos povos – seja removida face à pressão de interesses multinacionais não universais, que as enfraquecem e transformam em sistemas uniformizadores de poder financeiro ao serviço de impérios desconhecidos. Este é um desafio que hoje vos coloca a história.

 

Dar esperança à Europa não significa apenas reconhecer a centralidade da pessoa humana, mas implica também promover os seus dotes. Trata-se, portanto, de investir nela e nos âmbitos onde os seus talentos são formados e dão fruto. O primeiro âmbito é seguramente o da educação, a começar pela família, célula fundamental e elemento precioso de toda a sociedade. A família unida, fecunda e indissolúvel traz consigo os elementos fundamentais para dar esperança ao futuro. Sem uma tal solidez, acaba-se por construir sobre a areia, com graves consequências sociais. Aliás, sublinhar a importância da família não só ajuda a dar perspectivas e esperança às novas gerações, mas também a muitos idosos, frequentemente constrangidos a viver em condições de solidão e abandono, porque já não há o calor dum lar doméstico capaz de os acompanhar e apoiar.

 

 

Ao lado da família, temos as instituições educativas: escolas e universidades. A educação não se pode limitar a fornecer um conjunto de conhecimentos técnicos, mas deve favorecer o processo mais complexo do crescimento da pessoa humana na sua totalidade. Os jovens de hoje pedem para ter uma formação adequada e completa, a fim de olharem o futuro com esperança e não com desilusão. Aliás são numerosas as potencialidades criativas da Europa em vários campos da pesquisa científica, alguns dos quais ainda não totalmente explorados. Basta pensar, por exemplo, nas fontes alternativas de energia, cujo desenvolvimento muito beneficiaria a defesa do meio ambiente.

 

A Europa sempre esteve na vanguarda dum louvável empenho a favor da ecologia. De facto, esta nossa terra tem necessidade de cuidados e atenções contínuos e é responsabilidade de cada um preservar a criação, dom precioso que Deus colocou nas mãos dos homens. Isto significa, por um lado, que a natureza está à nossa disposição, podemos gozar e fazer bom uso dela; mas, por outro, significa que não somos os seus senhores. Guardiões, mas não senhores. Por isso, devemos amá-la e respeitá-la; mas, «ao contrário, somos frequentemente levados pela soberba do domínio, da posse, da manipulação, da exploração; não a “guardamos”, não a respeitamos, não a consideramos como um dom gratuito do qual cuidar» . Mas, respeitar o ambiente não significa apenas limitar-se a evitar deturpá-lo, mas também utilizá-lo para o bem. Penso sobretudo no sector agrícola, chamado a dar apoio e alimento ao homem. Não se pode tolerar que milhões de pessoas no mundo morram de fome, enquanto toneladas de produtos alimentares são descartadas diariamente das nossas mesas. Além disso, respeitar a natureza lembra-nos que o próprio homem é parte fundamental dela. Por isso, a par duma ecologia ambiental, é preciso a ecologia humana, feita daquele respeito pela pessoa que hoje vos pretendi recordar com as minhas palavras.

 

O segundo âmbito em que florescem os talentos da pessoa humana é o trabalho. É tempo de promover as políticas de emprego, mas acima de tudo é necessário devolver dignidade ao trabalho, garantindo também condições adequadas para a sua realização. Isto implica, por um lado, encontrar novas maneiras para combinar a flexibilidade do mercado com as necessidades de estabilidade e certeza das perspectivas de emprego, indispensáveis para o desenvolvimento humano dos trabalhadores; por outro, significa fomentar um contexto social adequado, que não vise explorar as pessoas, mas garantir, através do trabalho, a possibilidade de construir uma família e educar os filhos.

De igual forma, é necessário enfrentar juntos a questão migratória. Não se pode tolerar que o Mar Mediterrâneo se torne um grande cemitério! Nos barcos que chegam diariamente às costas europeias, há homens e mulheres que precisam de acolhimento e ajuda. A falta de um apoio mútuo no seio da União Europeia arrisca-se a incentivar soluções particularistas para o problema, que não têm em conta a dignidade humana dos migrantes, promovendo o trabalho servil e contínuas tensões sociais. A Europa será capaz de enfrentar as problemáticas relacionadas com a imigração, se souber propor com clareza a sua identidade cultural e implementar legislações adequadas capazes de tutelar os direitos dos cidadãos europeus e, ao mesmo tempo, garantir o acolhimento dos imigrantes; se souber adoptar políticas justas, corajosas e concretas que ajudem os seus países de origem no desenvolvimento sociopolítico e na superação dos conflitos internos – a principal causa deste fenómeno – em vez das políticas interesseiras que aumentam e nutrem tais conflitos. É necessário agir sobre as causas e não apenas sobre os efeitos.

 

Senhor Presidente, Excelências, Senhoras e Senhores Deputados!

 

A consciência da própria identidade é necessária também para dialogar de forma propositiva com os Estados que se candidataram à adesão à União Europeia no futuro. Penso sobretudo nos Estados da área balcânica, para os quais a entrada na União Europeia poderá dar resposta ao ideal da paz numa região que tem sofrido enormemente por causa dos conflitos do passado. Por fim, a consciência da própria identidade é indispensável nas relações com os outros países vizinhos, particularmente os que assomam ao Mediterrâneo, muitos dos quais sofrem por causa de conflitos internos e pela pressão do fundamentalismo religioso e do terrorismo internacional.

 

A vós, legisladores, compete a tarefa de preservar e fazer crescer a identidade europeia, para que os cidadãos reencontrem confiança nas instituições da União e no projecto de paz e amizade que é o seu fundamento. Sabendo que, «quanto mais aumenta o poder dos homens, tanto mais cresce a sua responsabilidade, pessoal e comunitária» , exorto-vos a trabalhar para que a Europa redescubra a sua alma boa.

 

Um autor anónimo do século II escreveu que «os cristãos são no mundo o que a alma é para o corpo» . A tarefa da alma é sustentar o corpo, ser a sua consciência e memória histórica. E uma história bimilenária liga a Europa e o cristianismo. Uma história não livre de conflitos e erros, mas sempre animada pelo desejo de construir o bem. Vemo-lo na beleza das nossas cidades e, mais ainda, na beleza das múltiplas obras de caridade e de construção comum que constelam o Continente. Esta história ainda está, em grande parte, por escrever. Ela é o nosso presente e também o nosso futuro. É a nossa identidade. E a Europa tem uma necessidade imensa de redescobrir o seu rosto para crescer, segundo o espírito dos seus Pais fundadores, na paz e na concórdia, já que ela mesma não está ainda isenta dos conflitos.

 

 

Queridos Eurodeputados, chegou a hora de construir juntos a Europa que gira, não em torno da economia, mas da sacralidade da pessoa humana, dos valores inalienáveis; a Europa que abraça com coragem o seu passado e olha com confiança o seu futuro, para viver plenamente e com esperança o seu presente. Chegou o momento de abandonar a ideia de uma Europa temerosa e fechada sobre si mesma para suscitar e promover a Europa protagonista, portadora de ciência, de arte, de música, de valores humanos e também de fé. A Europa que contempla o céu e persegue ideais; a Europa que assiste, defende e tutela o homem; a Europa que caminha na terra segura e firme, precioso ponto de referência para toda a humanidade!

 

Obrigado!

Reformados, eméritos, etc.


Reformados, eméritos, etc.

Crónica de Anselmo Borges

no DN de sábado 22 de Novembro

 

Há muito que me pergunto porque é que uns são reformados, outros jubilados, outros eméritos, outros pensionistas ou aposentados. Pus-me no encalço das palavras, à procura do seu sentido originário. O que aí fica é o resultado, confesso que um pouco apressado, desse exercício.

 

1. Claro que reformado vem de reforma. A reforma que, em certos contextos, aparece mais imediatamente é a Reforma protestante. Aqui, porém, ela tem que ver com a situação de ir para a reforma e receber uma reforma, que é, em princípio, um quantitativo em dinheiro. Reformado é, pois, o que passou à reforma, por ter atingido uma certa idade e trabalhado um certo número de anos, com os respectivos descontos, ou porque ficou pura e simplesmente incapacitado para o trabalho. De modo estranho, reforma vem do latim reformare, com o significado de voltar à primeira forma, restabelecer, alterar, e reformado é o que torna à sua primeira forma, mas também o desfigurado, modificado.

 

Quem diria que pensionista tem na sua raiz o verbo latino pensar e (pensar e pesar)? De facto, pensar e, palavra vinculada a pendere, em latim, significa pesar, no sentido de comparar pesos. Daí, pensar significa pesar razões, para entender, julgar e decidir. No caso de pensão, lá está o facto de pesar uma mercadoria e ter de pagá-la e, daí, pensionista como aquele ou aquela que recebe uma pensão.

 

Entre nós, os bispos, ao chegarem aos 75 anos, tornam-se eméritos, palavra que também se pode aplicar, sobretudo noutros países europeus, aos professores universitários. Emeritusé o particípio do verbo latino emerere, merecer, ter cumprido um serviço, ganhar algo a partir daí. O emérito é merecedor de um determinado status (pense-se, por exemplo, no Papa emérito Bento XVI) ou recompensa por ter terminado ou concluído adequadamente o seu serviço. Na Roma Antiga, emeritus aplicava-se concretamente ao veterano retirado do exército, mas também a outros casos. De qualquer modo, deve-se recompensar o mérito; mas será que ele existe em todos os casos?

 

O aposentado remete para o verbo latino pausar e, que significa parar para descansar, pousar, repousar. O hóspede "pousa" na casa de um amigo. Quem peregrina pela vida tem direito a pousar, repousar, descansar, fazer pausa, aposentar-se, cessando o trabalho.

 

Nomeadamente os magistrados e os professores universitários são jubilados. A palavra vem do latim jubilare, que significa lançar gritos de alegria, - originariamente, referia-se aos gritos e silvos dos camponeses para comunicar entre si e chamar o gado -, mas também tem que ver com a palavra hebraica yobel, som da trombeta a anunciar o jubileu, festa judaica que se celebrava cada 50 anos e que trazia a libertação e o repouso inclusivamente às terras. No jubileu cristão, o Papa concede indulgências especiais. A jubilação nasce da conexão entre o retirar-se após o ciclo do trabalho realizado e dos serviços prestados e a consequente satisfação - dizem as más línguas que, por vezes, no caso dos professores, o júbilo é sobretudo dos estudantes, que se vêem libertos de alguém incompetente, porque sabe pouco ou não sabe ensinar.

 

2. Apesar das diferenças nas categorias, nos títulos e sobretudo no quantitativo, por vezes miserável e escandalosamente diferente, da reforma, todos - pensionistas, eméritos, jubilados, aposentados-são sobretudo isso: reformados.

 

Claro, a reforma pode trazer alegria e o tal júbilo, porque se deixa de trabalhar com horários e todo o peso institucional e se pode repousar, fazer outras coisas que nunca se tinha podido fazer, ler, reflectir e recordar a vida e dedicar-se mais à família e aos amigos e recolher os frutos de uma vida preenchida. Mas ela pode também trazer o aumento dos achaques, uma solidão amarga e corrosiva, e, de qualquer modo, lembra a todos que se está na última fase da existência e que o futuro neste mundo será cada vez menos pujante. Decisivo é então esforçar- se por manter a actividade física, mental, social, criar a sedução por novos interesses e talvez dar a Deus o lugar que nunca teve. É preciso viver sempre intensamente cada instante do milagre exaltante do mundo e do existir.

 

3. Mas é preciso reconhecer também que há algo de cínico e sarcástico na palavra jubilação (em Espanha, usa-se para todos) , sobretudo quando se pensa como são tratados os reformados, os tais que a sociedade abandona porque são velhos, e deixaram o trabalho por invalidez e velhice, considerados agora socialmente inúteis, porque não produtivos, e, por isso, colocados em depósitos à espera do fim.

 

Cá está: em tempos de crise, os governos, para a austeridade, têm sempre facilmente à mão os reformados, com este ou aquele nome, porque pouca ou nenhuma falta fazem - podem até ser considerados um peso para os outros e sobretudo para o erário público -, e, assim, nem protestar podem, muito menos com uma greve, porque ninguém precisa deles. Que júbilo!



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terça-feira, 25 de novembro de 2014

A lei natural é anterior à Revelação

Religião

A lei natural é anterior à Revelação

Uma coisa não é verdade porque a Bíblia diz, muito pelo contrário: a Bíblia diz porque é verdade


Two stone tablets with the ten commandments inscribed on them © albund
Ainda que pareça um tema abstrato e distante da nossa vida real, a maneira de conceber a lei natural (ou lei moral natural) afeta os fundamentos e ações do nosso dia a dia.

Com frequência, nós, católicos, usamos em nossas conversas o argumento segundo o qual “isso é assim porque a Bíblia diz”. Isso é correto para os que têm a convicção de que a Bíblia é revelada, mas não é aceitável pelos que não têm essa convicção.

No diálogo inter-religioso ou intercultural, temos de recorrer a outro tipo de argumentos, que se movem em um campo comum a quase todas as culturas: este é o âmbito da lei natural, na qual há muitas coincidências entre as culturas cristã, oriental e muçulmana.

A lei natural afirma, em sua substância, que as pessoas e as comunidades humanas são capazes, à luz da razão, de discernir as orientações fundamentais de um agir moral conforme a própria natureza do sujeito humano, e de expressá-las de maneira normativa em forma de preceitos ou mandamentos.

Mas o cristianismo não tem o monopólio da lei natural. De fato, baseada na razão comum a todos os homes, a lei natural é o fundamento da colaboração entre todas as pessoas de boa vontade, sejam quais forem suas convicções religiosas.

Antes de recebermos a Revelação contida no Antigo e no Novo Testamentos, as pessoas se regiam somente pela lei natural.

Nossa própria fraqueza intelectual e moral tornou necessária a ajuda de Deus com sua Revelação por meio do povo de Israel e, finalmente, por Jesus Cristo, para toda a humanidade.

Mas Deus, desde a criação, dotou o ser humano de inteligência suficiente para conhecer as verdades naturais sobre toda a criação e sobre as próprias verdades íntimas da pessoa.

Portanto, precisamos confiar na capacidade da nossa inteligência de chegar a estas descobertas.

Às vezes, pretendemos encontrar uma total certeza recorrendo ao argumento de autoridade da Bíblia, esquecendo que devemos fazer o esforço intelectual de buscar a verdade, raciocinando.

De qualquer maneira, agradecemos a Deus porque sua Revelação nos serve para confirmar se nossos raciocínios estão no rumo certo. Esta é a luz que a fé dá à razão.

Lutero negava a existência desta lei natural; por isso, muitos grupos protestantes recorrem à Bíblia como único argumento de autoridade, com todas as consequências filosóficas e teológicas que esta abordagem tem.

Um exemplo deste recurso à lei natural nos foi dado pelo próprio Jesus, quem, ao dar sua resposta sobre a indissolubilidade do matrimônio, não recorreu às tábuas da Lei ou à lei mosaica.

Jesus se referiu a um princípio válido desde sempre: Moisés permitiu o repúdio da mulher, mas “no começo não foi assim” (cf. Mateus 19, 8).

O matrimônio é uma união que não pode ser separada pelo homem, porque é algo que Deus uniu, não por meio de uma lei positiva, mas que o fez desde o começo, no momento da criação.

Neste sentido, podemos dizer que “não é verdade porque a Bíblia diz, e sim que a Bíblia diz porque é verdade”.

Da mesma maneira, os direitos humanos são prévios à Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU, de 1948.

Por outro lado, não podemos ignorar que há muitas pessoas não cristãs que chegam ao conhecimento e à prática das leis morais sem conhecer o cristianismo, nem a Bíblia e, em muitos casos, são exemplares.

A partir disso, podemos comentar outro aspecto que afeta a convivência diária: a convergência entre diversas religiões e culturas.

A Comissão Teológica Internacional do Vaticano publicou um documento em 2008 chamado “Em busca de uma ética universal: nova perspectiva sobre a lei natural”.

Este profundo e extenso documento, no primeiro capítulo, começa evocando as convergências entre as diversas religiões.

segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Rota Cisterciense


CAMINHOS MONACAIS

 

ROTA CISTERCIENSE CONGREGA PADRES DA SERRA

                                               José Rodrigues Lima

 

O projecto da Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza em construção teve novo impulso com adesão dos padres que exercem o ministério nas localidades do itinerário cultural e místico.

Manifestaram expressiva parceria Belmiro Amorim, pároco do Ermelo; Custódio Branco, pároco do Soajo; César Maciel, pároco da Gavieira; Raul Fernandes, pároco de Parada do Monte e Manuel Domingues, pároco de Fiães.

Na branda de Santo António do Vale de Poldros concretizou-se uma sessão para estudar como levar avante a Rota Cisterciense que liga o Mosteiro de Santa Maria do Ermelo (Arcos de Valdevez), ao Mosteiro de Santa Maria de Fiães (Melgaço). Projectou-se, ainda, a Via Cisterciense com carácter transfronteiriço, rumando em terras da Galiza pelo antigo Mosteiro de Santa Maria da Franqueira (Caniça), Mosteiro de Santa Maria de São Clódio (Leiro), atingindo a grande abadia de Santa Maria de Osseira, na província de Orense, onde se sente o acolhimento.

“No acolhimento dos pobres e peregrinos ponham-se especial cuidado e solicitude” (…) (Regra de São Bento – cap III).

É de sublinhar que todos os mosteiros referenciados têm fundação no século XII.

Para além de outros objectivos, como sejam a revitalização do património material e imaterial tendo também um olhar humanista e místico, pretendeu-se assinalar os cinquenta anos da proclamação de São Bento Padroeiro da Europa, concretizada pelo Papa Paulo VI em 24 de Outubro de 1964.

“É com toda a razão que São Bento é louvado como missionário da Paz, formador da unidade, mestre da cultura e, principalmente grande promotor da vida cristã e organizador da vida monástica ocidental.

Com a cruz, as letras e o arado por si mesmo e pela acção dos seus filhos atraiu à civilização cristã muitos povos. (…)”

São Bernardo de Claraval, carismático monge, alma da Europa cristã do século XII, conselheiro de papas, reis e senhores, foi um dos impulsionadores da devoção mariana.

A influência da Abadia de São Bernardo de Claraval é fulcral na expansão de nova ordem cisterciense.

 

VISITA DO ABASE DE CLARAVAL

O Mosteiro de Santa Maria de Fiães e o de Santa Maria do Ermelo receberam as visitas canónicas de D. Edme de Saulieu, abade de Claraval, que se fazia acompanhar pelo secretário Fr. Claude de Bronzeval, acontecimentos que ocorreram entre 20 e 27 de Janeiro de 1533.

“Devido a ser inverno e a temer falta de segurança no percurso directo de Ermelo a Fiães a comitiva que tinha vindo de Ponte da Barca a Ermelo voltou pelo Vale e Arcos de Valdevez, seguindo por Choças, Extremo, Barbeita, Melgaço e Fiães.

A ligação directa entre ambos os mosteiros menos temerosa para quem estava habituado aos caminhos da serra, era de Ermelo por Soajo a Adrão e Miradouro e dali em alternativa pela Peneda ou pelo Cando, Branda da Aveleira a Lamas de Mouro” (Bernardo Pintor, 1981).

Prosseguindo por Alcobaça e Adadela para encontrar o mosteiro de Fiães.

O relato da visita do Abade de Claraval foi redigido em latim e D. Maur Cocheril traduziu-o para francês na obra bilingue “Peregrinatio hispanica” (1970).

Aliás, é de referir a grande obra de M. Cocheril referente aos cistercienses em território português, sendo de destacar a edição “Routier des Abbadyes Cisterciennes du Portugal” (Paris, 1978).

Os monges cistercienses cingiam-se a uma rígida clausura, pelo que o mosteiro tinha de ser auto-suficiente.

“Assim, a escolha do local era fundamental. O modelo de implantação do cenóbio exigia um lençol de água próximo e consequentemente um solo circundante fértil.”

Um dístico anónimo regista que “São Bernardo amava os vales, São Bento os montes, São Francisco as aldeias e Santo Inácio as grandes cidades. Assim se traduz de forma paradigmática a preferência dada pelos cistercienses às zonas baixas dos vales irrigados.” (Teixeira, 1999)

Através da história surgem excepções por razões de vária ordem.

As marcas dos cistercienses estão bem vincadas no Noroeste Peninsular e são merecedoras de um olhar patrimonial consistente, pois “o desenvolvimento deve ter em conta a continuidade da vida cultural dos povos”, como se preconiza em textos da UNESCO.



 

MEMÓRIAS COM LUZES

Ao percorrer os antigos caminhos, veredas e atalhos, seguimos as pegadas dos homens “de lugares do infinito”, que sendo habitantes da terra continuamente falavam com os habitantes do céu, num tempo sem tempo.

Os mosteiros com o rico e diversificado património histórico, antropológico, artístico, agrícola e inclusivé tecnologia hidráulica, e a irradiação cultural e espiritual conduzem-nos por memórias com luzes que apontam condutas éticas, estéticas e transcendentais.

O ambiente que se respira na área de um conjunto monacal e os sons dos sinos das torres, bem como os timbres das sinetas das portarias ou dos claustros, levam-nos a sentir emoções e a olhar para mais além, para o alto, ultrapassando os camones do tempo e do espaço.

Os apelos feitos através dos sentidos, do tacto, do paladar, do olfacto, da visão e da audição transportam-nos para o sentido místico, refrescando a alma como se víssemos o invisível. O canto das aves no claustro ou nas granjas une-se ao canto gregoriano das horas litúrgicas.

“Cada época deve reinventar para si um projecto de espiritualidade.”

A regra de São Bento (Regula Sancta) e a “Carta de Caridade” são obras que apaixonaram através dos séculos multidões incontáveis de monges e onde a “lectio divina” os levava a uma contemplação muda e silenciosa.

“Quando os monges, durante séculos e séculos,

impressionaram com a sua marca uma terra,

ainda que não ficasse da moradia dos monges

senão uma pedra que se desagrega,

senão um grão de areia que se esboroa,

a pedra, a areia falam dos monges.

Mesmo que a pedra e o grão de areia por seu turno desaparecessem,

a terra, a velha e nobre terra,

a terra sobre a qual os monges se debruçavam,

o vale em que rezavam,

as árvores que plantaram

continuariam a falar deles.

Porque, durante séculos e séculos os monges impressionaram com a sua marca uma terra”

(Dom Maur Cocheril)

 

“A arte é nostalgia de Deus” escreve Mira Schendel.

“Não precisa pintar aquilo que se vê, nem aquilo que se sente, mas aquilo que vive em nós.”

“O invisível atravessa profundamente a humanidade, e os processos lentos, vertiginosos imperceptíveis ou nomeáveis.” (T. Mendonça)

A arte é sem dúvida epifania do mistério. Os mosteiros são “mistério”.

A arte românica, a gótica e outras manifestações artísticas são testemunhas seculares do “Ora et Labora” (Reza e Trabalha) com tons cativantes e sons de paz e universalidade.

A Rota Cisterciense do Alto-Minho-Galiza tem como grande objectivo dar visibilidade ao rico património antropológico, histórico, artístico e místico, bem assinalado nas povoações com conjuntos monacais.

Os peregrinos desejosos de “caminhos íntimos da beleza, da verdade e da bondade”, reconhecerão a acção civilizadora, cultural e espiritual dos monges brancos através dos séculos, bem patente no Alto-Minho e Galiza.

José Rodrigues Lima


93 85 83 275

 
 
 

 
 
 
 
 


Agradecemos ao Prof. Doutor José Marques a gentileza do mapa inserido no texto.

BIBLIOGRAFIA

- Marques, José, “O Mosteiro de Fiães”, Braga, 1990.

- Ossvald, Walter, “Mosteiros Cistercienses em Portugal, Porto, Edições Afrontamento, 2012.

- Nascimento, Aires A., “Cister – Documento primitivos”, Lisboa, Edições Colibri, 1999.

- Bravo, Hipólito de Sá, “Monasterios de Galicia”, Leon, Editorial Evereste, 1992.

- Regra de São Bento, Mosteiro de Singerverga, Edições Ora et Labora, 1992.

- Bronseval, Frére Claude de, “Peregrinatio hispanica”, Paris, P.U.F., 1970.

- Braz, António Manuel da Silva, “O mosteiro e a igreja de Ermelo – Património cisterciense esquecido no tempo”, Braga, Faculdade de Teologia, 2009.