segunda-feira, 30 de novembro de 2015

DEUS NÃO PASSA POR NÓS A CORRER


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---------- Mensagem encaminhada ----------
De: Nós Somos Igreja Portugal <nossomosigrejaportugal@gmail.com>
Data: 29 de novembro de 2015 às 22:34
Assunto: [NSI-PT 1499] DEUS NÃO PASSA POR NÓS A CORRER Frei Bento Domingues, O.P. Público 29NOV2015
Para:



DEUS NÃO PASSA POR NÓS A CORRER


Frei Bento Domingues, O.P.

Público 29NOV2015

 

1. Não esperava que me viessem pedir contas por Deus não ter feito nada para impedir o massacre de Paris. Essas pessoas acabaram por concluir que tinham batido à porta errada. Sugeri-lhes, com toda a paciência, que falassem directamente com Ele e aproveitassem o encontro para se esclarecerem acerca de todas as guerras e violências que, até em seu nome, foram desencadeadas ao longo da História. Algumas das narradas na Bíblia Hebraica até passaram a ser glorificadas na Liturgia católica, como acontece, por exemplo, na própria Vigília Pascal. Isto sem falar na recitação e canto de alguns salmos especialmente violentos!

Como não me lembro de ter, alguma vez, atribuído a Deus as asneiras da iniciativa humana ou os desconcertos da natureza, não me sinto atraído a abordar casos de polícia como altamente religioso-teológicos. Tanto os que o culpabilizam como os que o absolvem sabem demasiado da divindade. Não se dão conta que Deus, em si mesmo, nos é totalmente desconhecido (omnino ignoto).

Fui vacinado, muito cedo, pela corrente mística da teologia negativa ou apofática. Esta prática teológica tem o bom senso de fazer acompanhar todas as afirmações, acerca da divindade, de uma luminosa negação anti-idolátrica. A paradoxal oração do dominicano alemão, Mestre Eckhart (1260-1327) – Deus, livra-me de Deus – confessa, de modo enérgico, que não nos podemos fiar nas fórmulas que julgam apanhar Deus na sua rede. S. Tomás de Aquino sustentou que a própria letra dos Evangelhos, sem o sopro libertador do Espírito, se pode tornar uma prisão, uma letra que mata.

Quando me entregaram o grande roteiro da viagem teológica para principiantes, a Suma Teológica, fui logo avisado, pelo autor, de que não iria passar a saber como era Deus, mas sobretudo como Ele não era, Deus conhecido como desconhecido[1].

No âmbito religioso, pelo salto de significação que permite, a linguagem metafórica é a menos inconveniente. Na grande poesia e na grande música todas as viagens são possíveis, mistério do Mundo, mistério de Deus.

2. Ao falarmos tanto, sobretudo desde o séc. XIX, da morte de Deus, do silêncio de Deus, de se lançar a suspeita sobre tudo o que se relacionava com as religiões, foi esquecido um pequeno pormenor: tomou-se uma importantíssima questão cultural da modernidade europeia, como se fosse o retrato da situação religiosa universal. Resultado: não entendemos o que se está a passar na Europa, nem no resto do mundo. Não sabemos qual o sentido da civilização que herdamos, nem a que estamos a construir.

Vivemos num mundo de negócios. Sem negócios não se pode viver. Estes são cada vez mais globalizados. Mas o negócio dos negócios é o comércio de seres humanos e de armas. Chegámos a um ponto em que sem a indústria bélica, muita gente iria para o desemprego. Com o seu uso, muita gente vai para o cemitério.

Quando se pensava que o tempo das guerras religiosas, das Inquisições, das Cruzadas tinha acabado, reaparece a união entre armas e religião, em pleno coração da Europa. Os pseudo-religiosos, os terroristas, usam as armas em nome de Deus. Os laicos usam as armas para se defenderem dessa religião, confessando, e ainda bem, um respeito sagrado pelas religiões que ignoram. Petróleo oblige.

3. Quando João Paulo II se opôs, da forma mais firme, à guerra no Iraque, ignoraram-no. Ele estaria a defender os interesses cristãos da zona. Quando o Papa Francisco advertiu que era urgente suster a calamidade do Estado Islâmico, uns ignoraram-no, outros comentaram: o pacifista converteu-se à guerra justa. Também ele estaria a defender os cristãos dos massacres que os tinham por alvo preferencial.

Não basta intensificar o diálogo inter-religioso, embora seja muitíssimo importante que todos confessem que um deus que incita à violência gera uma religião diabólica, uma anti-religião.

Religiosos e não religiosos, místicos ou ateus teremos de aprender a viver no mesmo mundo, não como uma fatalidade, mas como uma oportunidade de nos tornarmos mais humanos, com o contributo de todos. Os cépticos dirão que não passa de uma utopia, mas que seria de nós sem aquilo que nos faz andar?

A liturgia católica celebrou, no domingo passado, Jesus Cristo Rei do Universo, ajuda difícil para as monarquias em dificuldades. É um rei coroado de espinhos e cravado na cruz. Ele próprio confessou que não era o poder que lhe interessava. Se assim fosse teria organizado um exército. Para ele só contava a alegria da vida humana, a sua verdade última. Assim terminava o ano litúrgico. Hoje recomeça, com o Advento, mas Deus na sua caminhada com os seres humanos não passa a correr.

Segundo o Novo Testamento, adopta os ritmos e os zigue-zagues da história humana, para que ninguém se sinta perdido. Insere-se nos seus movimentos para abrir brechas de esperança.

Na situação actual, parece que ninguém sabe para onde caminha a nossa civilização que, ao mesmo tempo que se globaliza, se despedaça em fragmentos irreconhecíveis, esquecendo que somos todos migrantes da mesma promessa.

Não passemos este Advento a correr. Precisamos de tempo para nascer de novo, para descobrir que outro rumo e outra vida são possíveis.

 

29.11.2015





[1] S.T, I,q.2,prol.; q,13,a.4;Super Boet. De Trini. q. 2 a. 2 ad 1.

sábado, 28 de novembro de 2015

Peteiro de moedas de dois euros


Peteiro de moedas de dois euros

De Março a Outubro (fins), uma pessoa resolveu fazer um peteiro de todas as moedas de 2 € que lhe chegaram às mãos.

 Assim, concluiu que as moedas ocupavam um espaço de 1282.550cm3 , pesavam 6.365Kg.

Entraram no peteiro 744 moedas e, por lapso, encontraram-se outras que não eram correspondentes aos objectivos, tais como:

- 2  peças de 1€ portuguesas

- 3 peças de 1€ gregas

- 2 peças de 0.50 portuguesas

-1 peça de 0.20 portuguesa

- 1 peça de 0.05 portuguesa

 

Moedas de 2€:

Eslovacas – 7

Portuguesas – 52

Espanholas – 171

Francesas – 132

Alemães – 158

Irlandesas – 91

Holandesas – 42

Belgas – 30

Gregas – 9

Luxemburguesas – 1+7=8

Estonianas – 1

Austríacas – 22

Maltesas – 1

Italianas – 1

Finlandesas – 10

 
PERCENTAGENS
 

1Estanianas0,13
1Italianas 0,13
1Maltesas0,13
7Eslovacas0,9
8Luxemburguesas1,1
9Gregas1,2
10Finlandesas1,3
22Austriacas3
30Belgas4,1
42Holandesas5,7
52Portuguesas7,2
91Irlandesas12,5
132Francesas18,2
158Alemãs21,7
171Espanholas23,58

Dar Alma à Vida LXXX


Dar Alma à Vida LXXX

  
 
 


Dar Alma à Vida é reconhecer o erro, a falta, o pecado…

Dar Alma à Vida é admitir a correcção do erro por reconhecimento e iniciativa pessoal…

 
Dar Alma à Vida é admitir corrigir o que alguém apontou fraternalmente um erro, uma falta---

Dar Alma à Vida é saber que é legítimo um “correctivo” fraterno e uma denúncia à autoridade para alcançar uma Alma nova para a vida.

 
Dar Alma à Vida é conhecer Aquele que faz caminho e que abrindo caminho ao outro.

Dar Alma à Vida é conhecer bem quem abre caminho, abrindo caminho, afinal é capaz de voltar atrás de braços abertos à procura de quem se desviou do mesmo.

Dar Alma à Vida é acreditar na Bondade e na Misericórdia de quem tudo pode.

 
Dar Alma à Vida é compreender a tolerância  e saber ser tolerante, é usar de compaixão com justiça; esta tem de ser misericordiosa que aos humanos se torna de difícil compreensão, mas aos olhos da Divina Misericórdia tudo é possível.

 
Dar Alma à Vida é acreditar no Perdão que vem do amor de Deus;  é acreditar que Deus é Perdão porque é Amor.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

O CULTO DOS ANTEPASSADOS NO ESPAÇO DOS VIVOS


O CULTO DOS ANTEPASSADOS NO ESPAÇO DOS VIVOS

 

José Rodrigues Lima

  
 


     A solidariedade que se estabelece numa comunidade, quando se anuncia o falecimento de alguém, novo ou idoso, é significativa. A mobilidade social é uma realidade aquando o velório, o funeral e as missas pelas almas dos falecidos. Aliás, as ofertas em honra dos mortos, a encomendação das almas, a celebração do “cabo d’ ano”, influência da Galiza em terras do Alto Minho, o milho para as almas, a reza anual, as procissões ao cemitério, a cerimónia do “acendimento” na igreja paroquial de Castro Laboreiro e das obradas noutras localidades, no domingo seguinte ao falecimento de alguém, são testemunhos eloquentes de que “os mortos pertencem aos vivos, conforme expressão popular.



         Algumas destas tradições foram-se perdendo numa sociedade em mudança.

A poetisa Teresa Rita Lopes escreveu, no seu livro “Cicatriz” que “o cemitério é lindo/na espuma de asseio/qual salinha de estar”.

O signo linguístico cemitério, conforme a origem do grego significa “dormitório”, e por derivação dos povos germânicos terá o significado de “jardim da igreja”. Á referida literata acrescenta ainda; “desde que sento à minha mesa /mais mortos do que vivos/percebo a necessidade dos antigos/de imaginar, os deuses lares/de sentir sobre nós/os gestos protectores/dos antepassados/A sua bênção.”

A consciência da morte abre as portas do simbólico da fantasia e do imaginário com apelos ao inconsciente colectivo. Fustel de Coulanges afirmou que uma família era um grupo de pessoas às quais a religião permite invocar o lar e oferecer o mesmo banquete fúnebre aos antepassados.

 

Testemunhos - A Lapa dos Defuntos

 

Desde o sitio de Cevide, em S. Gregório – Melgaço, onde se encontra um nicho das alminhas, mesmo onde o afluente Trancoso desagua o rio Minho, até ao planalto de Castro Laboreiro, onde o seu conjunto dolménico expressivo, e atravessando litoral minhoto, encontramos o dólmen da Barrosa e a mamoa da Eireira, bem como a pedra do repouso em Cardielos, constituindo testemunhos significativos do culto dos mortos.

Nas terras do Soajo são referências do culto aos antepassados o dólmen do Mezio, a Lapa dos Defuntos na Portela do Galo, e o monte da freguesia da Ermida na Serra Amarela.

No Lindoso localiza-se o penedo do descanso, ponto de paragem do cortejo fúnebre. Merece referência, ainda, “A cadeia da saudade”, utilizada na zona ribeira da cidade de Viana do Castelo.

O culto dos mortos é uma constante no Noroeste Peninsular, e tem merecido a investigação de José Mattoso, Pina Cabral, Marcial Gondar, Lison Tolosana, Mandianes de Castro, V. Risco, Taboada, Xivite, A. Fragas Fragas, Patrícia Galdey,  Brian O’Neill, Margarida Durães, Gabriela Oliveira, Constantino Cabral, Clara Saraiva, Marino Ferro, Xosé Rego, entre outros.

Nas sociedades arcaicas, como refere F. Maria, os homens temiam o contágio da morte, simbolizada pela decomposição do cadáver, procurando evitá-la, ou apressá-la através de rituais e práticas funerárias que simultaneamente exprimem a angústia da morte e a aspiração à imortalidade.

Os símbolos da morte, a iconografia, as manifestações funerárias, os rituais em honra dos antepassados, fazem parte do quotidiano das populações, e apresentam uma diversidade antropológica e histórica.  

 

Manancial abundante sobre a demografia histórica e a antropologia são os registos paroquiais, incluindo os livros das confrarias das almas, tão arreigadas no Alto Minho. Fazendo uma análise sobre a documentação referida, constatamos abundante informação e doutrinação sobre a morte. “lembra-te da morte e não pecarás”; “Lembra-te homem que és pó. E em pó hás-de tornar-te”; “a vida muda-se, não acaba”. Mesmo assim, é de referir a persistência de alguns ritos pagãos. Nos atos mais solenes dos “vivos”, e a decorrer no calendário anual. O “mortos” estão presentes.

 

Perspectiva Antropológica

 

Segundo Mircea Eliade, a agricultura, como técnica profana e como forma de culto, encontra o mundo dos mortos em dois planos distintos. O primeiro é a solidariedade com a terra; os mortos como sementes, são enterrados, penetrando na dimensão clónica só a eles acessível. Por outro lado, a agricultura é, por excelência, uma técnica de fertilidade, da vida que se reproduz multiplicando-se, os mortos são particularmente atraídos por este mistério do renascimento.

Semelhantes às sementes enterradas na matriz telúrica, os mortos esperam o seu regresso à vida sob uma nova forma. É por isso que eles se aproximam dos vivos, sobretudo nos momentos em que a tensão vital das comunidades atinge o seu máximo, quer dizer, nas festas chamadas da fertilidade, quando as forças da natureza e do grupo humano são evocadas, desencadeadas e exacerbadas por ritos.
 

As almas dos mortos estão sedentas de plenitude biológica, de excesso orgânico, pois este transbordamento vital, compensa a pobreza da sua substância, e projecta-nos numa corrente impetuosa de virtualidades e de gérmens. M. Eliade acrescenta, ainda que o festim colectivo representa justamente esta concepção de energia vital, com todos os excessos que implica é, pois, indispensável, tanto para as festas agrícolas como para a comemoração dos mortos. Outrora, os banquetes tinham lugar perto dos próprios túmulos, para que o defunto pudesse participar do excedente vital desencadeado perto dele.

 

Citando alguns casos, aquele investigador refere que na Índia, o feijão era uma oferenda levada aos mortos. Na China, o leito conjugal encontrava-se no canto sombrio da casa, no sítio onde se conservavam as sementes, e por cima do lugar onde enterravam os mortos.

A ligação entre os antepassados, as colheitas e a sexualidade é tão estreita, que os cultos funerários, agrários e genéticos se interpenetram, às vexes, até à sua completa fusão. Nos povos nórdicos, o Natal (Jul) era a festa dos mortos e ao mesmo tempo, uma exaltação de fertilidade e da vida. É no Natal que se realizam banquetes copiosos, e moutas vezes, se celebram os casamentos e se cuida dos túmulos.

Os mortos regressam nesses dias para tomarem parte nos ritos de fertilidade dos vivos. Na Suécia, a mulher guardava no baú do dote um pedaço de bolo de casamento para o levar consigo para a cova. Da mesma forma, tanto nos países nórdicos como na China, as mulheres são amortalhadas nos vestidos de noivas.

 

Rituais na Várzea

 

Entre nós, e bem localizada na povoação da Várzea, aldeia do Soajo, mesmo junto da raia portuguesa e galega, ainda há pouco tempo se conservava o costume referido por Mircea Eliade, pois o vestido de noiva acompanhava a defunta para a cova. Noutras localidades, também na noite de Ceia de Natal, os lugares à mesa contam sempre com o falecido ou falecida naquele ano, colocando as famílias pratos e talheres, para os que já partiram, como se estivessem em comunhão física. Em tempos praticou-se o costume de se dormir na cozinha, sobre a palha, na noite de natal, deixando as camas desocupadas para que “os antepassados” que comparecessem, se pudessem deitar e dormir na cama, conforme refere E, Verga de Oliveira.

A mesa fica com comida, pois durante a noite, os antepassados vem associar-se à festa dos vivos. Aliás, faz parte da estrutura cultural desta zona do Ocidente, a comunhão com os antepassados sendo de sublinhar a Costa do Norte (Galiza).

 

Comunhão com os Antigos

 

Procurando estar de acordo com o investigador Carlos A. Ferreira de Almeida, os castrejos depois de incinerarem os mortos, colocavam as suas cinzas dentro ou ao lado das suas casas de habitação. Uma sociedade consanguínea que não dispensa a comunhão com os antigos.

O interesse que os mortos da família e o culto das almas têm nesta zona, nos tempos modernos, e de que uma das mais originais expressões é a dos nichos das alminhas, tem assim longínquos antecedentes.

Conforme explica Teófilo Braga no livro “O Povo Português nos seus costumes, crenças e tradições, a expressão sapatos de defunto está relacionada com o compromisso duma confraria de Coimbra (1835), que regulando o enterro dos “irmãos”, diz que os sapatos do confrade morto ficariam “para o campaneiro”. Nestas confrarias ou irmandades, o campaneiro era o que avisava para o enterro, tocando a campainha pelas ruas, competindo-lhe essa gratificação. Na Escócia este costume está materializado em superstição. O escritor Watter Scott relata nos “Cantos Populares da Escócia” uma canção, a ser executada diante da pessoa falecida, e acompanha-a com esta notícia extraída de um manuscrito; “acredita-se que é bom dar uma vez na vida um par de sapatos a um pobre, porque após a morte, o defunto é obrigado a passar descalço através da sua grande braseira, cheia de espinhos, a não ser que pelos muitos méritos da esmola indicada, se resgate dessa penitência. À margem da braseira aparece um velho e entrega os mesmos sapatos, que em vida lhe foram oferecidos. Assim, calcando-os, o benemérito poderá com eles atravessar os sítios mais ásperos. Em algumas zonas do país, ainda se conserva a expressão: “quem espera por sapatos de defunto, toda a vida anda descalço”

 

Memória Paroquial

 

Consultando os registos paroquiais da freguesia de Chaviães, Melgaço, localizamos o livro misto de 1597, presentemente retirado à consulta, devido ao mau estado de conservação.

É de mencionar, que, em 1662, o Abade Francisco de Lyra Castro narrou o seguinte registo de óbito: “Aos vinte e oito dias do mês de Outubro do ano de mil seiscentos e sessenta e dois faleceu, com todos os Sacramentos, Domingos Rodrigues, da Portela do Couto, meu freguês, de uma bala com que foi passado, saindo da Praça de Melgaço a pelejar com o inimigo, o galego, que ao tal tempo veio em arrebaldes da dita Praça. Seu corpo foi sepultado nesta Igreja. Fez testamento em que dispôs por sua alma dezoito missas repartidas em três ofícios. E para que conste de tudo fiz e assinei. Francisco de Lyra Castr. Abb”. À margem “Registado – 1º Estado 6; 2º Estado 6; 3º outros 6 – Domingos Rodrigues.

O mesmo abade “lavrou”, ainda, em 1666, o seguinte assento: “Aos dezoito dias do mês de Junho do ano de mil seiscentos e sessenta e seis faleceu com todos os Sacramentos Isabel Rodrigues, viúva da Tapada desta freguesia. Fez testamento em que dispôs por sua alma doze missas em três ofícios, em cada um sua missa cantada e os últimos ofertados cem reis cada um; mais duas missas votivas: uma a Nossa Senhora da Peneda e outra à Senhora da Orada. Esmolas à Confraria do Santíssimo um cabaço de vinho; à das almas outro cabaço de vinho; à Confraria do Nome de Deus, de Nossa Senhora e de S. Sebastião, a cada uma meio cabaço de vinho. E para que conste foi, digo, seu corpo foi sepultado dentro da igreja. E para que conste fiz e assinei. Era ut supra. Francisco de Lyra Castro.

Podemos constatar que naquela paróquia rural e raiana, bem como noutras, os registos de óbitos estão repletos de informações acerca de vontades testamentárias relativas aos denominados “bens da alma” e esmolas oferecidas para sufrágios.

 

Afogados no Rio Minho

 

Do espólio da Confraria das Almas, da Paróquia de Chaviães, para além dos livros das atas, com as referência que vão desde o “beberete da irmandade”, o milho recebido, os juros do dinheiro emprestado, até aos estandartes, encontramos a singular “tumba” que serviu para transporta muitos afogados no rio Minho, aquando da Guerra Civil de Espanha e a emigração clandestina, também denominada “a salto”.
 

 
A comunidade dos crentes de Chaviães nestes casos, cumpria com próprios rituais aos irmãos da confraria, praticando a obra de misericórdia que ensina a enterrar os mortos, e assim testemunhava a caridade cristã, num sentimento de solidariedade profunda, e manifestando respeito por “afogados desconhecidos”.

As famílias doridas, por vezes, só tinham noticia da triste ocorrência passado algum tempo. É de registar, como pormenor, que muitos das vítimas afogadas aquando da guerra civil espanhola, eram deitados ao rio Minho na ponte de Castrelos, junto a Ribadavia. Dos que tentaram a emigração clandestina, atravessando o rio, e aí morreram afogados, um era natural dos Açores.

 

Relações Sociais

 

O antropólogo galego Martino Ferro, procedeu a uma recolha exaustiva da tradição oral, narrando as aparições dos mortos, registando o medo que produzem, e as relações entre vivos e mortos.

O referido antropólogo conclui que aquelas narrativas são uma criação cultural estimável, pois atenuam a angústia perante a morte, transmitindo normas básicas paras a convivência e reforçando as relações sociais. A criação cultural depende dum lugar e dum momento histórico.

 

 

Da Teologia à Ate Floral

 

No Alto Minho registamos, ainda, o canto às almas e o toque dos sinos pelas almas benditas, bem como os nichos da alminha que se encontram ao lado dos caminhos.

Os vivos fazem penitência caminhando a um santuário. Os mortos são os romeiros do além que tem de purificar-se para chegarem limpos ao “santuário”

Percorrendo os cemitérios, “jardins da saudade” podemos afirmar que são também espaços culturais onde encontramos símbolos da teologia da esperança, manifestações da arte funerária, fotografias retiradas dos álbuns familiares, poemas de carinho, testemunhando-se o sentimento e as emoções com rituais e silêncios respeitosos.

Os aromas dos cirios acesos e da lamparina de azeite, os sons pesados dos sinos e os tons de arte floral criam um ambiente de grande comunhão entre os presentes e os ausentes.

Assim, constatamos que uma das marcas culturais da nossa memória colectiva, é o culto dos antepassados no espaço dos vivos.

 

Bibliografia

 

Ariés, Philipe e Duby Georges

História da Vida Privada, 5º vol. - Porto Ed. Afrontamento 1991

 

Essais sur L’histoire de la Morte n Occident de Moyer âge  à nous jours Ed. Souil, Col. Points de Histoire 1975.

 

Arquivo Paroquial de Chaviães – Melgaço

 

Arquivo da Real Confraria do espírito santo de Paredes de Coura

 

Braga, Teófilo – O Povo  Português na sua crença, costumes, volume 1 – Lisboa,  D. Quixote, 1985.

 

Cabral,  João Pina – Os Cultos da morte no Noroeste de Portugal. In “A morte no Portugal Contemporâneo”  trad. Ana Falcão Bastos e José Moura Carvalho, Lisboa, Quero 1985

 

Duby Georges, O Purgatório , Lisboa, Editorial Estampa – 1992

 

Eliade, Mirea – Tratado da História das Religiões, Lisboa – Ed. Cosmos 1970.

 

Ferro, xosé Romon Marino, Aparicion e Santa Compans, Vigo. Edicions Quamio 1995

 

Gonçalves, Flávio “Os painéis do purgatório e a origem das alminhas populares” in Boletim da Biblioteca Municipal de Matosinhos 1959.

 

Le Roy, Ladurie, (Em-Manuel) L’Annuer et la Morten Pay d’oc., Ed. Gal-Limard, Paris 1980

 

José Rodrigues Lima

93 85 83 275

domingo, 22 de novembro de 2015

RECORDA DO PASSADO O QUE O TEU CORAÇÃO FEZ DE BOM


RECORDA DO PASSADO O QUE O TEU CORAÇÃO FEZ DE BOM

 

José Rodrigues Lima

 

É bom saber que nas nossas veias corre “o bom sangue”, testemunhado na doação solidária em momentos aflitivos.

Recentemente lemos num pequeno azulejo decorativo: “Recorda do passado o que o teu coração fez de bom”.

Sim, é bonito…
 


 

Há problemas que se resolvem com bens materiais, mas outros só se resolvem com o coração.

Os voluntários, muitas vezes anónimos, que doam o seu sangue aqueles que atravessam dificuldades de saúde, conhecem bem que “DAR SANGUE É DAR VIDA”.

Faz-nos bem recordar:

 

“Um gesto de carinho faz-te forte;

Um gesto de gentileza faz-te nobre;

Um gesto de amor faz-te único”.

 

 
 
A acção de voluntariado nos hospitais e a generosidade da dádiva de sangue torna-nos únicos.

Só o coração sente a felicidade “em dar a comunhão ou compaixão” aqueles que sofrem corporalmente ou sentem a solidão.

 

“Quem faz bem, recebe bem.”

“É no dar que se recebe.”

 

É sempre saudável recordar a parábola do “Bom Samaritano” e a boa nova anunciada:

 

“Qual destes três homens te parece ter sido próximo daquele homem que caiu nas mãos dos salteadores?

Respondeu: O que usou de misericórdia para com ele.
 
 
 

Jesus retorquiu: Vai e faz tu também o mesmo” (Lc, 10, 36-37)

 

E ainda: “Não nos cansemos de fazer o bem; pois no tempo próprio colheremos, se não desanimarmos” (Gl, 6,9)

 

“Precisamos sempre de contemplar o mistério da misericórdia. É fonte de alegria, serenidade e paz.” (Papa Francisco)

 

A nossa sentida admiração a todos os voluntários e doadores de sangue da Liga dos Amigos do Hospital de Viana do Castelo, autênticos “missionários da misericórdia”, olhando e escutando sempre com ternura os que carecem de saúde.

 

José Rodrigues Lima

93 85 83 275

sábado, 21 de novembro de 2015

Dar Alma á Vida LXXIX

Dar Alma á Vida LXXIX

Dar Alma á Vida “é ver com olhos sinceros o irmão que encontra no caminho.”



Dar Alma á Vida é viver em Misericórdia pois Cristo disse “sede Misericordiosos como é o Vosso Pai misericordioso”.

Dar Alma á Vida é Perdão; é perdoar, perdoar, perdoar, não 7 vezes, “mas até 70 vezes sete”.

Dar Alma á Vida é garantir que o pecado em Jesus Cristo perdoado, é Salvação garantida.
 

Ar Alma à Vida é reconhecer que o perdão de Deus liberta e  salva.

Dar Alma á Vida é a rezar Pai Nosso dizendo “perdoai-nos as nossas ofensas assim como nos perdoamos”…
P.C.



                                                                  PAI NOSSO
Pai Nosso, que estais no Céu
Santificado seja o Vosso Nome
Venha a nós o Vosso Reino
Seja feita a Vossa Vontade,
Assim na Terra como no Céu
O Pão-Nosso de cada dia nos daí hoje
Perdoai-nos as nossas ofensas
Assim como nós perdoamos a
Quem nos tem ofendido
E não nos deixeis cair em tentação
Mas livrai-nos do Mal.
                                                Amém
 
 


sexta-feira, 20 de novembro de 2015

A Minha Mãe

 
Mãe!...
 
 


Olhas, (vês?) mas não dizes nada?!
Não conheces quem te fala?...
Sabes que sou teu.
Deste-me um beijo calado e…
gostei por seres tu quem mo deu,
mas a tua voz não ouvi.
Olha a tua cunhada

É mais nova e perto de ti
Lembra-me o riso aberto
Que, em ti, tão bem te conheci…
Por que não te ris agora assim?
Os teus filhos ficariam contentes.
Como chegaste a este ponto?
Eras alegre, de riso rasgado
e não te detinhas por um momento:
No trabalho e no divertimento,
Vamos ao trabalho?
Vamos à festa!
Anda dançar! Vamos feirar!
Haja alegria e vamos para a romaria!...
Às vezes, quando não te corriam bem
as coisas que querias, irritavas-te, 
mas conseguias!...
Ainda que tivesses de voar
Para subir a uma árvore…
No que fazias…, punhas-lhe o coração.
Nunca faltaste com nada aos teus filhos, meus irmãos! 
e gostavas de os trazer asseados 
quando éramos crianças…
Eram as tuas esperanças!...
Nós vemos nas fotografias de 67 anos
Como eram os teus encantos e enganos.
Sempre o fizeste mesmo quando mais velhos. 
Eras um pouco vaidosa!...
Tinhas orgulho do que era teu!
Agora só nos olhas?
Em que pensas?
Chamam-te por “Linda”
e respondes olhando
e por aí ficas em ti mesmo quedando…
Também não te falta nada!
A Céu dá-te tudo. 
Leva-te a passear, a festas, 
Almoços de convívio, tem orgulho em ti 
mostra-te a quem te conheceu 
com um olhar mais presente próximo e quente…
Agora, mesmo com outro olhar mais frio, distante e ausente.

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Os leigos não são fiéis “de segunda”


Os leigos não são fiéis “de segunda”

 

É esta a principal enunciação da mensagem do Papa Francisco para a jornada de estudos em torno do decreto conciliar Apostolicam Actuositatem (AA), sobre o apostolado dos Leigos, organizada pelo Pontifício Conselho para os Leigos em parceria com a Universidade Pontifícia da Santa Cruz.

Com efeito, a 18 de novembro, passa o cinquentenário da promulgação do referido decreto conciliar pelo Papa Paulo VI. E a jornada referida ocorreu a 12 de novembro, passado, em torno do tema “Vocação e missão dos leigos – 50 anos do decreto Apostolicam Actuositatem”, documento de um Concílio que, no dizer de Paulo VI, que a ele presidiu e acompanhou nas três das suas quatro sessões, teve o caráter “de um grande e triplo ato de amor: a Deus, à Igreja, à humanidade” – evento extraordinário de graça.

Francisco recorda que o Concílio Vaticano II não olha para os leigos como se eles fossem membros de “segunda categoria” ao serviço e em função da hierarquia como simples executores de “ordens de cima”. São, antes, na condição de discípulos de Cristo, que na força do seu Batismo e da sua inclusão natural “no mundo”, chamados a animar todo o ambiente, toda a atividade e toda a relação humana segundo o espírito evangélico, levando a luz, a esperança e a caridade recebidas de Cristo aos lugares que, de outra forma, permaneceriam alheios à ação de Deus e abandonados à miséria da condição humana.

Esta renovada atitude de amor que inspirava os padres conciliares, segundo o Papa, levou também, entre seus múltiplos frutos, a uma nova forma de olhar para a vocação e missão dos leigos na Igreja e no mundo, com “magnífica expressão nas duas grandes constituições conciliares”: a dogmática Lumen Gentium (LG), sobre o ser da Igreja, e a pastoral Gaudium et Spes (GS), sobre a Igreja no mundo atual.

Sobre o ser e o estatuto do leigo, a Lumen Gentium ensina que os leigos são fundamentalmente membros da Igreja – Povo de Deus:

“Todas as coisas que se disseram a respeito do Povo de Deus se dirigem igualmente aos leigos, aos religiosos e aos clérigos, algumas, contudo, pertencem de modo particular aos leigos, homens e mulheres, em razão do seu estado e missão; e os seus fundamentos, devido às circunstâncias especiais do nosso tempo, devem ser mais cuidadosamente expostos” (LG 30).

E estabelece a limitação dos pastores (bispos, presbíteros e diáconos) e sua relação com os leigos:

“Os sagrados pastores conhecem perfeitamente quanto os leigos contribuem para o bem de toda a Igreja. Pois aqueles sabem que não foram instituídos por Cristo para se encarregarem por si sós de toda a missão salvadora da Igreja para com o mundo, mas que o seu cargo sublime consiste em pastorear de tal modo os fiéis e de tal modo reconhecer os seus serviços e carismas, que todos, cada um segundo o seu modo próprio, cooperem na obra comum.” (LG 30).

Os leigos contribuem para a edificação e crescimento da Igreja:

“É necessário que todos, ‘praticando a verdade na caridade, cresçamos de todas as maneiras para aquele que é a cabeça, Cristo; pelo influxo do qual o corpo inteiro, bem ajustado e coeso por toda a espécie de junturas que o alimentam, com a ação proporcionada a cada membro, realiza o seu crescimento em ordem à própria edificação na caridade’ (Ef 4,15-16).” (LG 30).

Que se entende por leigos?

De modo negativo (o que não são):

“Por leigos entendem-se aqui todos os cristãos que não são membros da sagrada Ordem ou do estado religioso reconhecido pela Igreja” (LG 31).

De modo afirmativo e positivo (o que são: de laikós, adjetivo grego – membro do laós, povo):

“Os fiéis que, incorporados em Cristo pelo Baptismo, constituídos em Povo de Deus e tornados participantes, a seu modo, da função sacerdotal, profética e real de Cristo, exercem, pela parte que lhes toca, a missão de todo o Povo cristão na Igreja e no mundo” (LG 31).

Também João Paulo II, na sua exortação apostólica Christifideles Laici (CL), de 30 de dezembro de 1988, retoma a noção de leigos da LG, justificando:

“Ao responder à pergunta quem são os fiéis leigos, o Concílio, ultrapassando anteriores interpretações prevalentemente negativas, abriu-se a uma visão decididamente positiva e manifestou o seu propósito fundamental ao afirmar a plena pertença dos fiéis leigos à Igreja e ao seu mistério e a índole peculiar da sua vocação, a qual tem como específico ‘procurar o Reino de Deus tratando das coisas temporais e ordenando-as segundo Deus’.” (CL, 9).

Qual é a sua marca?

É própria e peculiar dos leigos a característica secular” (LG 31).

Enquanto a função primordial dos pastores é garantir a sã doutrina, presidir à celebração dos divinos mistérios e coordenar a ação hodegética ou a caminhada comum (sinodalidade), “é próprio do estado dos leigos viver no meio do mundo e das ocupações seculares”, pelo que “eles são chamados por Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem como fermento o seu apostolado no meio do mundo” (AA 2), na certeza de que a todos os fiéis (pastores e leigos) incumbe “o glorioso encargo de trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens em toda a terra” (AA3).

E a Gaudium et Spes adverte:

“Os leigos, que devem tomar parte ativa em toda a vida da Igreja, não devem apenas impregnar o mundo com o espírito cristão, mas são também chamados a serem testemunhas de Cristo, em todas as circunstâncias, no seio da comunidade humana” (GS 43).

Referindo-se às duas preditas Constituições conciliares, o Papa diz que estes documentos “consideram os fiéis leigos dentro duma visão de conjunto do Povo de Deus, ao qual pertencem junto com os membros da ordem sagrada e com os religiosos, participando da forma que lhes é própria da função sacerdotal, profética e real de Cristo”. E reconhece que este ensinamento conciliar que fez crescer na Igreja a formação dos leigos, já deu tantos frutos até aqui.

Porém, Francisco sente para si e para os demais pastores a interpelação do Concílio Vaticano II, que, como todo o concílio

“Interpela cada geração de pastores e de leigos porque é um dom inestimável do Espírito Santo, a ser acolhido com gratidão e sentido de responsabilidade: tudo o que nos foi dado pelo Espírito e transmitido pela santa Mãe Igreja deve sempre ser entendido de novo, assimilado e concretizado na realidade”.

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Talvez, por isso, seja conveniente continuar a ler a fundamentação do apostolado laical, como integrando todo o complexo do apostolado eclesial e não como corpo ou ação à parte:

“A Igreja nasceu para tornar todos os homens participantes da redenção salvadora e, por eles, ordenar efetivamente a Cristo o universo inteiro, dilatando pelo mundo o seu reino para glória de Deus Pai. Toda a atividade do Corpo místico que a este fim se oriente chama-se “apostolado”. A Igreja exerce-o de diversas maneiras, por meio de todos os seus membros, já que a vocação cristã é também, por sua própria natureza, vocação ao apostolado.” (AA2).

O apostolado é tão essencial à Igreja como a ação ao corpo vivo (não se deve esquecer que Igreja é Povo de Deus e Corpo de Cristo) e todos estão constituídos no dever de se implicarem nele:

“Do mesmo modo que num corpo vivo nenhum membro tem um papel meramente passivo, mas antes, juntamente com a vida do corpo, também participa na sua atividade, assim também no Corpo de Cristo, que é a Igreja, todo o corpo ‘cresce segundo a operação própria de cada um dos seus membros’ (Ef 4,16). Mais ainda: é tanta neste corpo a conexão e coesão dos membros (cf Ef 4,16) que se deve dizer que não aproveita nem à Igreja nem a si mesmo aquele membro que não trabalhar para o crescimento do corpo, segundo a própria capacidade.” (AA2).

Na convicção de que “existe na Igreja diversidade de funções, mas unidade de missão”, os Bispos discerniam na aula conciliar que:

“Aos Apóstolos e seus sucessores, confiou Cristo a missão de ensinar, santificar e governar em seu nome e com o seu poder. Mas os leigos, dado que são participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo, têm um papel próprio a desempenhar na missão do inteiro Povo de Deus, na Igreja e no mundo. Exercem, com efeito, apostolado com a sua ação para evangelizar e santificar os homens e para impregnar e aperfeiçoar a ordem temporal com o espírito do Evangelho; deste modo, a sua atividade nesta ordem dá claro testemunho de Cristo e contribui para a salvação dos homens. E, sendo próprio do estado dos leigos viver no meio do mundo e das ocupações seculares, eles são chamados por Deus para, cheios de fervor cristão, exercerem como fermento o seu apostolado no meio do mundo.” (AA 2).

Por seu turno, a exortação apostólica de Paulo VI Evangelii Nuntiandi (EN), de 8 de dezembro de 1975 (há quarenta anos), insere a missão dos leigos no contexto da ação de toda a Igreja:

“A Igreja é ela toda inteiramente evangelizadora. Ora isso quer dizer que, para com o conjunto do mundo e para com cada parcela do mundo onde ela se encontra, a Igreja se sente responsável pela missão de difundir o Evangelho.” (EN, 60).

E especifica a missão evangelizadora dos leigos, diferente, mas não inferior à da Hierarquia, que se fundamenta na sua vocação específica:

“Os leigos, a quem a sua vocação específica coloca no meio do mundo e à frente de tarefas as mais variadas na ordem temporal, devem também eles, através disso mesmo, atuar uma singular forma de evangelização” (EN, 70).

Definido claramente a sua tarefa, em contraposição com a da Hierarquia, Paulo VI ensina:

“A sua primeira e imediata tarefa não é a instituição e o desenvolvimento da comunidade eclesial; esse é o papel específico dos Pastores, mas sim, o pôr em prática todas as possibilidades cristãs e evangélicas escondidas, mas já presentes e operantes, nas coisas do mundo. O campo próprio da sua atividade evangelizadora é o mesmo mundo vasto e complicado da política, da realidade social e da economia, como também o da cultura, das ciências e das artes, da vida internacional, dos ‘mass media’ e, ainda, outras realidades abertas para a evangelização, como sejam o amor, a família, a educação das crianças e dos adolescentes, o trabalho profissional e o sofrimento.” (EN, 70).

Depois, o Papa Montini postula a mobilização e a capacitação dos leigos para a missão:

“Quanto mais leigos houver impregnados do Evangelho, responsáveis em relação a tais realidades e comprometidos claramente nas mesmas, competentes para as promover e conscientes de que é necessário fazer desabrochar a sua capacidade cristã muitas vezes escondida e asfixiada, tanto mais essas realidades, sem nada perder ou sacrificar do próprio coeficiente humano, mas patenteando uma dimensão transcendente para o além, não raro desconhecida, se virão a encontrar ao serviço da edificação do reino de Deus e, por conseguinte, da salvação em Jesus Cristo” (EN, 70).

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É capaz de ser interessante visitar também, a este respeito, o Código de Direito Canónico (CDC), que, tendo em conta a personalidade e capacidade jurídica dos fiéis, define o côngruo estatuto de cada fiel e grupo de fiéis.

O cânone 204 parte da condição de base ou comum de todos os membros do povo de Deus e chama-lhes fiéis (Christifideles – fiéis de Cristo). Veja-se o seu § l:

“Fiéis são aqueles que, por terem sido incorporados em Cristo pelo baptismo, foram constituídos em povo de Deus e por este motivo se tornaram a seu modo participantes do múnus sacerdotal, profético e real de Cristo e, segundo a própria condição, são chamados a exercer a missão que Deus confiou à Igreja para esta realizar no mundo”.

Não distinguindo, como faz o Concílio, entre leigos, clérigos e religiosos, cân. 207 especifica, no § 1, a distinção entre clérigos (bispos, presbíteros e diáconos) e leigos (clerici et laici):

“Por instituição divina, entre os fiéis existem os ministros sagrados, que no direito se chamam também clérigos; os outros fiéis também se designam por leigos”.

E o § 2 declara que os religiosos (verdadeiros cultores da Igreja e do Reino) são leigos e clérigos:

“De ambos estes grupos existem fiéis que, pela profissão dos conselhos evangélicos por meio dos votos ou outros vínculos sagrados, reconhecidos e sancionados pela Igreja, se consagram a Deus de modo peculiar, e contribuem para a missão salvífica da Igreja; cujo estado, embora não diga respeito à estrutura hierárquica da Igreja, pertence contudo à sua vida e santidade”.

Quanto às obrigações e direitos comuns, há que ter em conta os câns. 208 a 223, de que se destacam o seguintes aspetos:

- A verdadeira igualdade no concernente à dignidade e atuação;

- A liberdade de escolha do estado de vida;

- A obrigação de manter sempre a comunhão com a Igreja;

- A obrigação de prover às necessidades de Igreja;

- A obrigação de promover a justiça social e de auxiliar os pobres com os seus próprios recursos;

- O dever de promover ou manter a ação apostólica;

- O esforço por levar uma vida santa e promover o incremento da Igreja e a sua contínua santificação;

- O direito de prestar culto a Deus e de seguir uma forma própria de vida espiritual, consentânea com a doutrina da Igreja;

- O direito à boa fama e à intimidade;

- O direito à educação cristã;

- A possibilidade de livremente fundar e dirigir associações para fins de caridade ou de piedade ou para fomentar a vocação cristã no mundo, e de reunir-se para prosseguirem em comum esses mesmos fins;

- A justa liberdade de investigação e de expor prudentemente as suas opiniões acerca das matérias em que são peritos, observada a devida reverência para com o magistério da Igreja.

Em especial, no cân. 211, estabelece-se:

“Todos os fiéis têm o dever e o direito de trabalhar para que a mensagem divina da salvação chegue cada vez mais a todos os homens de todos os tempos e do mundo inteiro”.

Quantos aos aspetos específicos dos fiéis leigos, vêm os cânones 224 a 231, estipulando-se genericamente, no cân. 224, o seguinte:

“Os fiéis leigos, além das obrigações e dos direitos comuns a todos os fiéis e dos que se estabelecem em outros cânones, têm as obrigações e gozam dos direitos referidos nos cânones deste título”.

Neste âmbito, destaca-se o cân. 225, que fundamenta o que estabelece, como se pode ver:

 § 1: Os leigos, uma vez que, como todos os fiéis, são deputados para o apostolado em virtude do batismo e da confirmação, têm a obrigação geral e gozam do direito de, quer individualmente quer reunidos em associações, trabalhar para que a mensagem divina da salvação seja conhecida e recebida por todos os homens e em todas as partes da terra; esta obrigação torna-se mais urgente nas circunstâncias em que só por meio deles os homens podem ouvir o Evangelho e conhecer a Cristo.

- § 2: Têm ainda o dever peculiar de, cada qual, segundo a própria condição, imbuir e aperfeiçoar com espírito evangélico a ordem temporal, e de dar testemunho de Cristo especialmente na sua atuação e no desempenho das suas funções seculares.

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Decidida e claramente o ser diferente não significa ser inferior ou superior!

2015.11.13 – Louro de Carvalho