O CICLO DA FLOR
A PROPÓSITO DAS MAIAS OU MAIOS
De cores se vestem os campos na Primavera.
Celebramos em Maio o ciclo da flor.
As festas aí estão com cestos floridos em Vila franca
do Lima e os andores floridos de Alvarães. Manifestações que retratam arte e
comunicam mensagens.
É um tempo novo, com símbolos de regeneração e fertilidade,
onde não falta o canto do cuco e a chegada das andorinhas.
A poesia popular é consagrada no “Cante Alentejano” e
assim ouvimos:
“Vamos
lá saindo/ por esses campos fora; / e a manhã vem vindo/ dos lados da aurora”.
E ainda: “ O maio moço/ele lá vem,/vestido de
verde/que parece bem”
A poetisa Rosalia de Castro escreveu um poema
intitulado, “ Maio longo…Maio longo”
“Maio longo…maio longo/todo coberto de rosas;/para
alguns telas de morte,/ para outros telas de bodas”.
PROFUNDIDADE ANCESTRAL
No primeiro dia de Maio conserva-se a tradição de
colocar giestas nas casas, nos veículos, nas unidades industriais, nos
estabelecimentos comerciais e nas praças.
A tradição das “maias ou maios” tem muita força e por
isso foi objecto de estudo no âmbito das ciências sociais, de modo especial na
antropologia.
O reconhecido investigador J. G. Frazes, na sua grande
obra intitulada “La Rama Dourada” (Magia e Religion) (1922), com título
original “The Golden Bough”, lança-nos luz sobre a profundidade ancestral
do culto da “Árvore na Europa Moderna”, seguindo a tese vegetalista.
Na vizinha Galiza a festa das “Maios” é muito
expressiva, como nos apresenta o investigador Clodio González Pérez no seu
livro “As Festas dos Maios (1989).
As Publicações Dom Quixote, na colecção “Portugal de
Perto”, editou a obra “Etnografia Portuguesa“ da autoria de Rocha Peixoto, bem como
divulgou na mesma colecção “Festividades Ciclicas”, do grande antropólogo
Ernesto Veiga de Oliveira.
Ainda sob as “maias” Jorge Dias, no estudo referente a
“Vilarinho das Furnas - Uma Aldeia Comunitária” (1981), refere: “No 1º de Maio, também costumam
colocar “maios” nas portas e janelas. Na
véspera, seja muito ou pouco o serviço, vai sempre um de cada casa apanhar
maias. Dizem eles, que é para comemorar o milagre que sucedeu quando Nosso
Senhor andava perseguido e se refugiou numa casa de gente amiga. Um inimigo
viu-o entrar na casa e marcou-a com uma flor de giesta, mas no dia seguinte,
quando veio com muitos soldados para o matar, todas as portas e janelas estavam
enfeitadas com maios, ele não pôde reconhecer a casa em que Jesus se escondeu”.
Aceitando os dois grandes grupos de plantas, umas boas
e outras ruins, do primeiro fazem parte as giestas.
A narrativa referida por Jorge Dias e Rocha Peixoto é
a mais conhecida no Alto Minho, como verificámos em entrevistas a pessoas que
recolhiam giestas para colocar à entrada
das habitações.
A FLORÁLIA – FESTA ROMANA
O citado antropólogo Ernesto Veiga de Oliveira
sustenta “que é clássica a hipóteses que procura a filiação das consagrações
florais do 1º de Maio nas festas públicas romanas das “Florália” dedicadas à
deusa Flora, que celebravam o renascer da Primavera; mas o parentesco entre
essas festividades e celebrações atuais do 1º de Maio é muito problemático e
não se pode estabelecer em termos gerais e concretos. A ideia de que se pode
ajudar ritualmente o renascer das forças da natureza no princípio da Primavera tem
contudo carácter universal e cremos legítimo, por vezes, interpretar estas
cerimónias que existem em termos afins em inúmeros povos e civilizações”.
O 1º de Maio corresponde à noite de Valpurgis, que a
demonologia medieval germânica povoou de bruxas invisíveis que andavam no ar e
praticavam as suas obras infernais, certamente por herança da crença pagã nos
espíritos nocivos do Inverno e do morte, de que era necessário purificar ritualmente
a terra no Maio do ano agrário.
Assim sublinha Ernesto Veiga Oliveira.
É de referir a importância da festa Beltane, festival
celta comemorado ainda nos nossos dias, reconhecido nas celebrações da “Festa
da Primavera” com calendário no 1º de Maio.
Durante o festival são acesas fogueiras nos topos dos
montes, sendo um ritual importante nas terras celtas. O fogo gera força benéfica
para os rebanhos e terras, segundo crença antiga.
No Minho, no dia 3 de Maio, dia litúrgico da Santa
Cruz, havia o costume generalizado de enfeitar com flores os cruzeiros das
aldeias e o pároco subia a um alto para abençoar as terras, para o ano agrícola
ser abundante, de modo especial o milho e o centeio, cereais importantes para a
alimentação.
Não devemos omitir a comemoração do “Dia da Espiga”,
presente nas comunidades a sul de país. Talvez esta celebração primaveril seja
uma das muitas reminiscências de antigas tradições pagãs e esteja ligada à
tradição dos Maios ou Maias. “O Dia da Espiga era também o Dia da Hora”. Era
durante essa “Hora” que se colhiam as plantas para fazer o ramo de espiga e as
ervas que se punham a secar para depois fazer chás.
As várias plantas que compõem o ramo da espiga era
dado um significado e um valor simbólico:
Espiga – o pão que mata a fome e nos faz livres:
Malmequer – O ouro e a prata, o dinheiro, que tantas
vezes nos encandeiam;
Papoila – O amor que é vida e nos faz ser gente:
Oliveira – A luz que anuncia o Dia;
Videira – O vinho da alegria e da festa;
Alecrim – A saúde, a sabedoria, a fortaleza do
espírito.
(In M. F.)
O Dia da Espiga é comemorado na quinta-feira da
Ascensão.
O
“ramo de espiga” deve ser colocado por detrás da porta de entrada, e só deve
ser substituído por um novo no dia da espiga do ano seguinte,
Mas ainda, inserido no ”Ciclo da Flor”
não podemos omitir a grande manifestação que são os tapetes nas ruas e praças
aquando a procissão do “Corpo de Deus”. São os itinerários festivos e coloridos
para o Senhor passar.
Não há festa sem flores aromáticas repletas de
simbolismo de emoções e vivências marcantes.
A gentileza da oferta de um ramos de flores é um sinal
nobre de ternura, carinho, felicitação, agradecimento, homenagem, admiração,
saudade e bem querer.
É sempre manifestação visual de sentimentos e
vivencias de fidalguia.
VAMOS COM A PRIMAVERA
Vivemos com símbolos e rituais que procedem do fundo
da história e que constituem sínteses de manifestações culturais.
O poeta raiano e monçanense, João Verde, convida-nos
“Vamos pois aldeia fora/A procura da saúde;/Q’eu
prefiro a voz do açude/ à cidade estonteadora.”/Vamos com a Primavera,/ As aves
deixam o ninho;/Como eu adoro a Chimera/ Nas noites claras do Minho!”
. È sempre saudável recordar o poema
“Povo” de Pedro Homem de Mello “Meu cravo branco na orelha./ Minho camélia
vermelha,/Meu verde manjericão”.
Se recuarmos no tempo encontramos o Rei D. Dinis,
Trovador, a interpelar: “Ai flores, ai flores do verde pinho,/se sabedes provas
do meu amigo?/Ai Deus, e u é”.
José Rodrigues Lima
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