MUSEUS DO VATICANO
Introdução
Conjunto de excepcional importância pela riqueza e qualidade das obras que
encerra, bem como pela sumptuosidade dos ambientes. A Itália conserva 60% de
todo o património artístico mundial.Uma parte significativa desse património é
conservado na Cidade do Vaticano. Os Museus encerram um património pictórico
único e a maior colecção existente de obras de arte antigas.
Na Idade Média, quando os Papas moravam no Palácio de Latrão [hoje, sede do
Cardeal-Vigário do Papa], junto de S. Pedro existia uma residência do tempo do
Papa Símaco, na qual foram alojados os imperadores Carlos Magno e Otão I.
Inocêncio III, após o exílio de Avinhão, decidiu tornar aquela modesta
residência na sede permanente do Papado. Em 1450, o Papa Nicolau V começou a
ampliar a residência, recorrendo a arquitectos famosos como Bramante, que
projectou os vários andares do actual Palácio Apostólico, inclusivamente as Logge [pórticos] di São Dâmaso. Os Papas
sucessivos acrescentaram novos espaços, que viriam a ser famosos graças à
pintura de Rafael e Miguel Ângelo: Capela Paulina e Sala Régia (Paulo III),
Capela Sistina...
Os Palácios que hoje constituem os Museus do Vaticano começaram a ter esta
função apenas em finais do séc. XVIII, com os Papas Clemente XIV e Pio VI, que
iniciaram uma organização sistemática e científica das obras de arte
conservadas desde a Renascença nos diversos ambientes da colina do Vaticano.
Foram assim surgindo o Palacete de Inocêncio VIII, o Braccio Nuovo, os Museus Egípcio e Etrusco, a Pinacoteca... Durante
o pontificado de Paulo VI acrescentaram-se as colecções até então conservadas
no Palácio de Latrão, reorganizadas em espaços expressamente edificados para o
efeito, segundo critérios museográficos mais modernos.
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Origens: As origens dos
Museus do Vaticano remontam à Renascença (colecções particulares). À ameaça de
dispersão no período da Contra-Reforma, sucedeu-se um relançamento no séc. XVII
(com finalidade de documentação erudita), e um ampliamento no séc. XVIII, com as
obras etruscas e egípcias, pintura antiga e páleo-cristã. No séc. XX deu-se a
abertura à Etnologia e à Arte contemporânea. O desenvolvimento dos Museus
deve-se ao mecenatismo dos Papas e à afirmação do gosto estético.
Os Museus têm um orgânico de 200 funcionários/empregados/restauradores/guardiães
e operários.
Com base no Regulamento Interno (1971), os Museus articulam-se em oito
sectores:
1. Arte Paleo-cristã; 2. Bizantina;
3.
Medieval e Moderna; 4. Antiguidades
etruscas da Itália;
5. Antiguidade
clássica; 6. Antiguidade oriental; 7.
Colecções epigráficas; 8. Colecções
Etnológicas.
Museus e Informática: Em 18 de Janeiro de 1996 foram apresentados aos jornalistas, pelo
presidente de Pontifícia Comissão para o Estado da Cidade do Vaticano (Card.
José Castillo Lara), uma série de 16 vídeo-cassettes e dois CD-ROM, que contêm
praticamente tudo quanto se pode ver e ouvir nos diferentes sectores dos
Museus, incluindo também a Capela Sistina (mas infelizmente, devido aos
direitos da Televisão Japonesa, com a pintura antes do restauro). Ao mesmo
tempo, foi apresentada também uma nova série de livros sobre as principais
obras de arte e sobre Miguel Ângelo e
Rafael.
Alguns dias antes, os jornais
dedicavam aos Museus do Vaticano títulos com frases como estas: “Museus do
Vaticano — record de visitantes — três milhões em 1995!”. “O Vaticano
prepara-se para receber nos seus Museus mais de três milhões de visitantes por
ano, que procuram em primeiro lugar a Capela Sistina”. “25% de aumento de
visitantes nos Museus do Vaticano em 1994 e 9% em 1995”.
Desde 1978 até 1995 os visitantes passaram de 320.000 para 2.900.000 por
ano. No último decénio houve um aumento da ordem de um milhão: 1985 -
1.898.334; 1995 -2.919.331.
Para o Jubiléu do ano 2000
calcula-se que virão a Roma trinta milhões de turistas/peregrinos, e é certo
que quase todos se apresentarão às bilheteiras dos Museus do Vaticano.
VISITA
ENTRADA: Portão com as
estátuas de Rafael e Miguel Ângelo (1932).
PÁTIO DAS COURAÇAS ® base quadrada
da Coluna honorífica de Antonino Pio, ano 161, levantada em Montecitorio pelos
seus filhos Marco Aurélio e Lúcio Vero [inscrições comemorativas, Apoteose de Antonino Pio e Faustina,
levada por um anjo para o céu, águias ao lado de personificações de Roma
divinizada e do Campo Márcio, desfile fúnebre -DECURSIO- de cavaleiros].
PÁTIO DA PINHA, parte norte do grandioso Cortile di
Belvedere, de Bramante, fechado pelo chamado Nicho de Bramante. O Pátio panorâmico, ou “do Miradouro”,
estendia-se por 300 m de comprimento e tinha 70 de largura, entre os Palácios
habitados pelos Papas, sobre três terraços em níveis diferentes. Em 1587 o Cortile foi interrompido ao meio para a
construção da Biblioteca Apostólica,
construída por Domenico Fontana. O nome vem-lhe da «pinha» que se encontra no
centro do nicho, colocada sobre um grande capitel que representa a coroação de
um atleta vitorioso, do séc. III. A pinha
é uma obra romana encontrada nas Termas de Agripa, tem a assinatura de Públio
Cincio Salvio, e ornamentava uma fonte junto do templo de Ísis e Serápis*. Um dos bairros centrais de Roma tem
ainda hoje o seu nome, que recebeu já na Idade Média, antes de ela ser colocada
no adro da antiga Basílica de S. Pedro, na fonte chamada CANTHARUS. Ao lado,
vêem-se dois pavões de bronze (reproduções dos originais, no Braço Novo), provenientes do Mausoleu
de Adriano, e dois leões de basalto. No centro do grandioso rectângulo, que
evoca o antigo Pátio del Belvedere, a
obra recente «Esfera com esfera” de
Arnaldo Pomodoro [pomodoro”, ou
“pomidoro”, significa “tomate”].
[*Foi no tempo de Ptolomeu I que se introduziu no Egipto o culto de Serápis,
para ser uma divindade comum a egípcios e gregos. Tinha traços helénicos de
Zeus, Asclépio e Dióniso, mais do que egípcios de Osíris. De Alexandria, onde
ficava o Serapeum, considerado como uma das maravilhas do mundo, o culto de
Serápis espalhou-se pelos diversos países mediterrânicos por intermédio de
comerciantes e fiéis. No período romano o culto de Ísis foi prevalecendo sobre
o de Serápis.]
O MUSEU CHIARAMONTI conserva
antiguidades romanas: ocupa 150 metros da galeria construída por Bramante. As
obras, algumas raras e de excepcional valor, estão colocadas em 30 secções,
organizadas por Canova. Segue-se a GALERIA
LAPIDÁRIA, que ocupa a parte mais longa da galeria e conserva sobretudo
inscrições epigráficas, coleccionadas por Clemente XIV ® uma “monotonia”de 4.125 inscrições
pagãs e cristãs, na sua maioria sepulcrais.
No BRAÇO NOVO encontram-se,
entre outras, uma cópia romana da estátua de Augusto de Prima Porta e uma representação simbólica do Nilo, obra romana do I séc. Antes de
entrar no Pátio Octogonal, passa-se
pelo MUSEU PIO-CLEMENTINO, fundado
em 1771, que compreende sobretudo obras de escultura grega e romana. Depois do Vestíbulo Quadrado segue-se o Vestíbulo Redondo, de cujo terraço se
pode ver, fora, a FONTE DA GALERA,
formada pelo modelo em chumbo de uma galera do séc. XVII, aparentemente a
boiar, deitando água pelos canhões.
Contíguo ao Vestíbulo, encontra-se o Gabinete de APOXIÓMENOS, um atleta vitorioso que limpa o suor e o pó depois de
um combate: a estátua, encontrada por acaso no Tibre em 1849, é uma cópia
romana do original grego de bronze, esculpida por Lisipo entre 340/320 a.C., e
a única réplica que se conhece daquela obra-prima, tridimensional.
PÁTIO OCTOGONAL: planta de Bramante, realizada por Giacomo de Pietrasanta e completado por
Michelangelo Simonetti (1773), que acrescentou o elegante pórtico jónico.
Conserva nos chamados “gabinetes” esculturas de excepcional valor. Entre
outras:
1. Apolo del Belvedere, cópia de um original de bronze do séc. IV
a.C., atribuído a Leocare, encontrado há 500 anos perto de S. Pietro in
Vincolis: o jovem deus segurava na mão esquerda o arco e na direita um ramo de
loureiro embrulhado em ligaduras, símbolo do seu poder de curandeiro.
Segundo a lenda, era filho de
Zeus e Lato: quando nasceu, na ilha de Délos, um bando de cisnes voou 7 vezes
sobre a ilha, e Zeus deu-lhe um carro, puxado pelas mesmas aves sagradas, uma
mitra de ouro e uma lira. Os cisnes conduziram Apolo à terra de Hiperbóreos. Um
ano mais tarde regressou à Grécia, chegando a Delfos para acabar com o flagelo
de uma serpente (chamada Pito)
protegida pelo oráculo de Témis, mas fundando em sua honra os Jogos Píticos.
Por ser muito belo, a lenda atribui-lhe aventuras amorosas de vária espécie:
pela sua origem e história, no séc. V a.C. passou a ser identificado com o sol,
exercendo a sua competência em muitos domínios: a guerra (deus do arco), a
pastorícia, a medicina (pai de Asclépio), mas sobretudo na poesia, na arte e na
música (presidia o coro das nove musas), e ainda na adivinhação e na profecia
(o oráculo mais importante do mundo helénicio foi o de Delfos; nessa ilha
encontravam-se as máximas dos Sete Sábios – “a
medida é a coisa melhor, nada em excesso, conhece-te a ti mesmo”). Foi o
mais helénico dos deuses helénicos e não tem um equivalente entre os deuses
itálicos: trazido para a península pelos etruscos, passou por três diversas
“fases” de afirmação, e no tempo de Augusto, foi-lhe edificado um templo no
Palatino. Em todos os tempos inspirou artistas e conservam-se ainda hoje
diversas estátuas que o representam, entre as quais três em Roma: duas nos
Museus do Vaticano e a do Museu das Termas. Importantíssima também a
representação etrusca deste deus, que ornamentava o templo que lhe era dedicado
em Veios.
2. Laocoonte (Laócoon), também esta é uma cópia da famosa obra grega,
de bronze, realizada pelos escultores de Rodes, do séc. I, Agesandro e seus
filhos Atenodoro e Polidoro, mestres da famosa escola de Pérgamo. Foi descoberta
em 1506, na Domus Áurea, e exerceu uma grande influência. Em 1957 foi
descoberta numa gruta de Sperlonga uma réplica,
que talvez tenha sido o original.
Representa o príncipe lendário de
Tróia, irmão de Anquises e sacerdote de Apolo que, durante a Guerra de Tróia
aconselhou em vão os seus concidadãos a não introduzirem na cidade sitiada o
cavalo de madeira. Para se vingar, Atena (deusa protectora dos gregos) enviou
da ilha de Ténedos duas serpentes que o mataram, juntamente com os seus dois
filhos. Em 1766, Lessing fez desse episódio narrado por Virgílio, o tema do seu
notável ensaio sobre a poesia e as belas-artes.
3. O Hermes, ou Antínoo del
Belvedere, é uma réplica romana de
um original da época de Praxíteles: representa provavelmente um Hermes Psycopompos (= que conduz as
almas para o Hades).
Antínoo era um grego natural da Bitínia, cuja graça e beleza o tornaram
favorito de Adriano. Tendo desaparecido, afogado no Nilo, a consternação do
imperador foi tal que, para perpetuar a sua imagem, o divinizou. Em sua sua
honra levantou estátuas e templos, decretou festivais e fundou a cidade de
Antinoópolis, no ano 130, no Médio Egipto, cidade que veio a tornar-se, no ano
304, capital da Tebáida.
4. Perseu, de António Canova (1800), inspirado no Apolo del Belvedere.
Perseu foi o último rei da
Macedónia (212-166 aC), filho de Filipe V, combateu ao lado do pai contra os
romanos (199) e contra os Etólios: o seu prestígio cresceu de tal forma que o
rei Eumenes II de Pergamo o acusou de imperialismo perante Roma (havia
conquistado a Trácia, a Dardânia e a Ilíria), e o Senado romano decidiu
mover-lhe guerra. Não obstante os seus êxitos mesmo contra os romanos, acabou
por ser vencido e rendeu-se na Samotrácia: foi trazido para Roma por Paulo
Emílio, como trofeu do seu triunfo (cortejo triunfal) e morreu no cativeiro no
ano 166.
Perseu foi também o nome de um herói, filho e Zeus e Dánae, aterrado por um
oráculo que lhe anunciava a morte às mãos de um neto: ele, porém, viria a
salvar a mãe da ira do rei Polídectes, o qual, como castigo, o mandou ir buscar
a cabeça de Medusa, uma das três Górgones que petrificavam quem delas se
aproximasse. Com a ajuda de Hermes e Atena, Perseu obteve das ninfas o gorro de
Hades, que assegurava a invisivbilidade, sandálias aladas e um alforge, além de
uma espada: com ela, elevando-se no céu e de costas para Medusa (que ele via
reflectida no escudo de Atena), cortou a cabeça do monstro e meteu-a no
alforge, enquanto do seu pescoço a sangrar nasciam Pégaso (o cavalo alado) e o gigante Crisaor. No caminho de
regresso, continuando invisível às outras górgones que o queriam perseguir,
matou o monstro marinho que ameaçava a filha do rei da Etiópia, Andrómeda, encadeada a um rochedo, e
casou com ela. Quando chegou à ilha de Serifo, de onde tinha partido, encontrou
a mãe e o pescador Díctis ameaçados pela violência de Polidectes; mas, com a
cabeça de Medusa transformou em estátuas de pedra o tirano e os seus
apaniguados. Passou ele a governar em Argos, fundou as cidades de Mídia e
Micenas, e inaugurou a dinastia dos Perseidas. Toda esta complicada lenda
inspirou em todos os tempos numerosos artistas!
SALA DOS ANIMAIS ® estátua de Meléagro com cão e cabeça de javali, réplica romana de um
original de Skopas (séc. IV a.C.).
Meléagro foi um dos argonautas
que chefiou a caça ao monstro javali que assolava a região de Cálidou, da qual
era rei, na Etólia, conseguindo matá-lo. Foi também um poeta e filósofo grego.
Mitra que mata o touro: mitraísmo, religião oriental, introduzida em Roma pelos soldados
[existem vários mitreus, especialmente em Óstia], com muitas semelhanças com o
cristianismo: o deus sacrifica um touro, cujo sangue se torna símbolo de vida,
ou redenção, para o mundo, insidiada pelos símbolos do mal, representados pelo
escorpião que ataca os testículos do touro, fonte da vida. No altar do
sacrifício, dois fachos de luz: um erguido, símbolo da luz e da aurora; o outro,
abaixado, símbolo das trevas.
Ao fundo, a GALERIA DAS ESTÁTUAS ® Apolo sauróctono, imitação de um original grego de bronze de Praxíteles; ® candelabros Barberini...
Da Sala dos Animais, passa-se à SALA DAS MUSAS (um espaço também
octogonal de Miguel Ângelo Simonetti, de 1782): no centro, o torso del belvedere, talvez um Hércules
ou outro gigante da mitologia grega, sentado sobre a pele de um leopardo. É
assinado por Apollonios de Nestor
ateniense [corrente neo-ática]: foi admirado pelos artistas da Renascença,
especialmente Miguel Ângelo, inspirando as figuras dos “nus” da Capela
Sistina... Sobre colunas e nas paredes: estátuas das nove musas e Apolo, hermes
[=cabeças sobre colunas sem capitel] de poetas, filósofos e dos sete Sábios:
réplicas romanas de originais gregos.
SALA REDONDA com nichos, réplica do Panteão (M.Simonetti,
1782). No pavimento, sobre o Mosaico
das termas de Otrícoli, a cores, com representações de lutas entre gregos e
centauros, grupos de divindades marinhas e fluviais, vê-se a enorme banheira [tazza] monolítica de pórfiro
(mármore duro, vermelha) proveniente da Domus Aurea.
Estátuas: Júpiter de Otrícoli, cópia do séc. I da famosa imagem grega do séc. IV
a.C.; Hércules colossal [3,8m], de bronze dourado, obra romana inspirada num
original grego do séc. IV a.C., encontrada perto do Teatro de Pompeu; Hera Barberini; Busto de Serápis [cf. pág.anterior]; Juno Sóspita, venerada em Lanúvio, criação romana
do séc. II.
SALA EM FORMA DE CRUZ GREGA:
harmonioso ambiente neo-clássico de M.Simonetti. À entrada, dois Telamones [=masc. de Cariátide: homem
que sustenta uma cornija ou entablamento] de inspiração egípcia do tempo de
Adriano, trazidos de Tivoli. À direita, o Sarcófago
de Constantina, filha de Constantino, com figuras simbólicas cristãs; à
esq., o Sarcófago de Santa Helena,
mãe de Constantino, com figuras em alto relevo, do séc. IV.
MUSEU GREGORIANO ETRUSCO ® 1ª sala:
Túmulo Regolini-Galassi, de Caere;
Urna Calabresi; Marte de Todi...
SALA DA BIGA: mármore de Carrara, realizada para “mostrar” a biga composta pelo
escultor Francisco Franzoni (1788), utilizando peças antigas: o “carro” havia
sido utilizado na Basílica de S. Marcos em Veneza como Cátedra episcopal...
GALERIA DOS CANDELABROS: 80 m, dividida em seis secções. O nome deriva dos candelabros colocados em
coincidência com as arcadas. Graciosos e/ou curiosos os objectos expostos,
destinados a ornamentarem os espaços “nobres”, dentro e fora, de casas ricas.
GALERIA DAS TAPEÇARIAS
Os dez arrás de Rafael, chamados da
antiga escola, que já estiveram expostos na primeira sala, encontram-se
actualmente na Pinacoteca.
No seu lugar estão agora outras tapeçarias, designadas “da nova Escola”, tecidas em Bruxelas por Pieter van Aelst após a
morte de Rafael. Foram utilizadas pela primeira vez em 1531 na Capela Sistina:
Adoração dos Pastores e dos Magos; três episódios da Matança dos Inocentes;
Aparição de Jesus a Madalena, Ressurreição, Ceia em Emaús...
GALERIA DOS MAPAS [delle Carte geografiche]: mede 120 m de comprimento e representa o
conhecimento geográfico que se tinha da Itália ao fim dos séc. XVI: foram
pintados nos muros por António Danti (1580/83), seguindo as indicações do
irmão, Inácio, padre dominicano, que era também cosmógrafo, matemático e
arquitecto.
A SALA SOBIESKI é dominada pelo
quadro de Jan Alois Mateiko (1883) que descreve João Sobieski vencedor dos
Turcos nos arredores de Viena.
SALAS [Stanze] DE RAFAEL (1509-17): “Leitura” e interpretação de todas as pinturas das Quatro
Salas: a começar pela última, de Constantino,
seguindo-se as da “Assinatura”, de Heliodoro, e do Incêndio,
CAPELA SISTINA: “Templo da Teologia do Corpo Humano”! Leitura, interpretação e contemplação dos quadros, a brilhar de
novo no esplendor das cores “originais” (restauradas) de Miguel Ângelo.
MIGUEL ÂNGELO E
CAPELA SISTINA: o restauro da pintura
No dia 8 de Abril de 1994, João Paulo II “re-inaugurou” o Juízo Universal de Miguel Ângelo, na
Capela Sistina. Na realidade, o Papa inaugurou o restauro da famosa pintura: a primeira foi em 1541, no
pontificado de Paulo III, na véspera de Natal. Então, o majordomo Biagio
Martinelli de Cesena, observando as figuras nuas do fresco, disse: “Santidade,
este quadro deveria estar num quarto de banho” [Santità, questo è un dipinto adatto ad uno stanzino da bagno]. A
sua opinião negativa – e não foi a única nem a última – teve peso, visto que
depois do Concílio de Trento foram encomendadas 38 “ceroulas” [braghe] para
cobrir a nudez de igual número de personagens. Não só...; a cabeça de São Brás,
que “olhava concupiscentemente” para Santa Catarina de Alexândria, foi “rodada”
180 graus, virando-se mais apropriadamente para Cristo...
No novo restauro, que durou 4 anos, e custou à NTN 11 milhões de dólares,
foram mantidas apenas as “ceroulas” de Daniel de Volterra, [braghe d’autore]: este pintor foi discípulo de Miguel Ângelo, mas
ficou com o apelido de MAESTRO BRAGHETTONE. As outras, dezassete!, foram
tiradas. Não dão nas vistas, visto que a grande composição tem mais de 400
figuras! Quem não “perdoou” ao zeloso censor
foi Miguel Ângelo, que teve tempo de... escolher aquele incauto e ignorante
mestre de cerimónias para personificar o diabo, no inferno, com orelhas de
burro! Ele bem protestou e pediu ao Papa que o “libertasse” das chamas, mas
parece que Júlio II lhe respondeu, brusco: ® Monsignore: Io ho potere sulla terra
e nel cielo; purtroppo, non sull’inferno!
O restauro era necessário, por causa do fumo das velas que arderam no altar
durante alguns séculos... mas também para repropor, coerentemente com as
linhas-mestras deste pontificado, uma visão tradicional da Teologia. Os
críticos dizem que se perdeu o claro-escuro que teria pertencido à versão
original da pintura miguelanjolesca. O Papa, corajosamente, definiu contudo a
Capela como “Templo da Teologia do Corpo Humano”, segundo o sentido bíblico do
Génesis: admirar sem vergonha a beleza da criação, que deve ser enaltecida e
não castigada.
O Hades... ou o suave prémio do Paraíso, representam o destino da
Humanidade? É preciso interpretar a composição, e o castigo!, no quadro da
Contra-Reforma. Os trabalhos de restauro do tecto e do Juízo Final duraram 14
anos.
PROGRAMA DA TARDE
CATACUMBAS - Ver referência 4ª-feira (Via Ápia)
SANTA MARIA MAIOR
Edificada no tempo do Papa Libério, em meados do séc. IV, foi restaurada
por Sisto III após a celebração do Concílio de Éfeso (431) para celebrar as
definições dogmáticas deste Concílio que definiu a maternidade divina de Nossa
Senhora – Theotokos: o templo
pretende por isso exaltar a fé no mistério da Encarnação de Cristo.
As origens têm a ver com um milagre, narrado pela tradição da seguinte
forma: um casal romano que dispunha de muito dinheiro e desejava praticar uma
boa obra pediu a Deus que o iluminasse. Numa noite de 4 para 5 de Agosto
daquele tempo viram em sonho Nossa Senhora que lhes pedia para edificarem uma
igreja no sítio da cidade que estaria na manhã seguinte coberta de neve. O Papa
Libério (352-366) teve a mesma visão. Logo que despontou o dia, ambos
procuraram o lugar indicado pela visão e verificaram que o cimo da colina do
Esquilino estava debaixo de uma camada de neve! Espalhada a notícia pela
cidade, organizou-se uma procissão desde o Latrão onde o Papa residia, até ao
lugar do prodígio, sendo logo delimitado o espaço que iria corresponder aos
alicerces da nova Basílica, dedicada a Nossa Senhora das Neves. Para recordar
esta tradição, todos os anos no dia 5 de Agosto, durante a solene Missa
vespertina presidida pelo Cardeal-Arcipreste da Basílica, no momento do
ofertório revive-se o milagre da neve: durante alguns minutos, do tecto da
Basílica, cai em frente do altar uma “chuva” de pétalas de flores brancas,
imitando o cair da neve. À noite representa-se novamente o acontecimento na
praça em frente da Basílica, com neve artificial produzida com os meios que a
técnica põe hoje ao alcance da cultura do turismo.
A Basílica de Santa Maria Maior chama-se também Liberiana, em homenagem ao Papa Libério, e Santa Maria do Presépio, porque nela se conservam como relíquia
alguns pedaços que se diz terem pertencido à manjedoura de Belém, onde nasceu
Jesus. Em frente da fachada principal uma coluna que pertencia à Basílica de
Maxêncio segura no cimo uma estátua de Nossa Senhora com o Menino Jesus. A torre
dos sinos, construída em 1377, é a mais alta de Roma, por se encontrar no cimo
de um monte. Na parte direita do pórtico foi colocada uma estátua do rei
espanhol Filipe IV, pelas suas benemerências para com este santuário
(financiamento, graças ao ouro dos Incas que os Reis Católicos tinham trazido
da América): ainda hoje os reis de Espanha têm o título de cónegos da Basílica,
do mesmo modo que os reis (hoje, os presidentes da República) franceses
petenciam por direito ao cabido da Igreja de S. Luís dos Franceses.
·
interior apresenta o aspecto de um perfeito templo clássico, à imitação da basílica
de S. Paulo, sendo esta, talvez, a mais bela: o espaço é delimitado por 40
colunas com capitéis jónicos, sobre as quais assentam directamente as
arquitraves: a harmonia arquitectónica é sublinhada pelo facto de a altura ser
igual à largura da nave central. O tecto é de Juliano de Sangallo (1516) e o
pavimento é uma admirável criação cosmatesca. Ao longo das arquitraves estão
dispostos 36 quadros em mosaico do séc.
V, com cenas do Antigo Testamento. Os mosaicos do Arco triunfal são do
tempo do Papa Sisto III e tiveram por fim glorificar a fé católica definida no
Concílio de Éfeso contra a heresia de Nestório: no centro do arco está representado
o trono de Deus, num círculo em que
se vê a fachada de um templo e o Livro dos 7 Selos [Apocalipse], ladeado pelas
figuras dos Apóstolos Pedro e Paulo. As representações laterais do arco
descrevem factos da vida de Maria e da infância de Jesus, a começar pela
Anunciação, Apresentação ao Templo,
Adoração dos Magos, Fuga para o Egipto, Matança dos Inocentes... No imenso
espaço da ábside foi representada a
glorificação (Coroação) de Nossa Senhora Rainha do universo, sentada à direita
de seu Filho Jesus. À esquerda do quadro vê-se S. Pedro, S. Paulo e S.
Francisco de Assis. O Papa Nicolau IV, que mandou realizar o quadro
(representado pequeno e de joelhos, em sinal de humildade), era franciscano. À
direita, estão representados S. João Baptista, S. João Evangelista e Santo
António de Lisboa.
·
Os mosaicos foram realizados em
1295, por Torriti. O baldaquino, que protege o altar, de bronze dourado,
assenta em 4 colunas de pórfiro e foi esculpido com folhagens e festões por F.
Fuga, em finais do séc. XVIII. No oratório criado em frente das relíquias do
“berço” de Jesus (a manjedoura de Belém), está uma estátua que representa o
Papa Pio IX, em cujo pontificado se definiu o dogma da Imaculada Conceição. É
obra de de Jacometti (fins do séc. XIX).
A Basílica tem duas capelas laterais importantes: a da direita, construída
por Domenico Fontana e na qual está sepultado o Papa Sisto V (1585), é a do Santíssimo Sacramento, conservado
num Sacrário de bronze, realizado por L. Scalza. Por baixo, fica o presépio cosmatesco, de Arnolfo de
Câmbio; a da esquerda é a Capela
Paulina, realizada pela e para a família nobre romana dos Borghese,
conserva um quadro de Nossa Senhora muito venerado sob o nome de Salus
Populi Romani. À entrada da sacristia, ao fundo da nave direita,
encontra-se um busto do primeiro “bispo negro” africano, Afonso, filho e
embaixador do régulo do Congo (Angola) D. Afonso I, falecido em Roma a 6 de
Janeiro de 1604, três dias após a chegada: o povo romano apelidou-o
afectuosamente de Nigrita.
Praça de
Espanha
É um dos ambientes mais famosos do mundo e uma das praças mais célebres e
monumentais, que foi ssumindo a configuração aactual durante três séculos
(XV-XVIII). Até ao séc. XVII era designada Platea
Trinitatis, do nome da Igreja da Trindade
que lhe fica sobranceira, e chamada de
Espanha apenas na parte em frente do palácio que foi residência do
embaixador espanhol (a primeira embaixada com sede permanente na Cidade eterna)
e é ainda hoje a sede da Embaixada de Espanha junto da Santa Sé. Tem a forma de
dois triângulos unidos pelo vértice, do qual parte a grandiosa Scalinata della Trinità dei Monti, uma
escadaria que oferece um cenário monumental, realizada em 1723 por Francisco de
Sanctis, que conduz à igreja mandada construir pelo rei francês Luis XII em
1502, e conduz ao obelisco Sallustiano (aqui colocado em 1789) e ao parque da Villa Borghese.
Refúgio de artistas desde o séc. XVII (Claude Lorrain, Poussin, Van Laer)
esta zona tornou-se o centro cultural e artístico da cidade, preferido não só
pelos mencionados artistas, mas por escritores e poetas, tais como Shelley e
John Keats, que viveu na casinha cor de rosa ao lado da escadaria e, antes de
morrer e ser sepultado no cemitério protestante de Roma, sintetizou a sua
biografia neste verso: “My name’s written
on water”. A water que sintetiza
a vida do poeta é a água da Barcaccia,
uma barca transformada em fonte pelo pai de Gian Lorenzo Bernini, Pietro,
adaptando a obra à pouca pressão com que o precioso líquidochegava ao lugar após
a catastrófica inundação que “cresceu”
do rio para a cidade em 1598.
Uma Coluna romana, uma estátua, uma tradição...
Para recordar a definição do dogma da Imaculada Conceição, proclamado em
1854, Pio IX mandou erguer três anos mais tarde, na praça de Espanha, a antiga
coluna de mármore “cipollino”, proveniente das escavações efectuadas na Via
della Stelletta.
A coluna media “palmi 53 di altezza e
6,5 di diametro” e foi descoberta na área de propriedade das Irmãs
beneditinas, do convento de Santa Maria da Conceição, no Campo Marzio, no tempo
de Pio VI (1775/79). As escavações finais foram realizadas na presença do
pontífice, rodeado de personalidades eclesiásticas e civis e da população
romana.
A coluna aguardou quase 80 anos antes de encontrar uma nova, definitiva
colocação: precisamente a que o arquitecto modenês Luigi Poletti lhe preparou,
em frente da Embaixada de Espanha junto do Estado Pontifício. No cimo da
coluna, sobre um elegante capitel, foi colocada a imagem de Nossa Senhora,
realizada pelo escultor Giuseppe Obici, entrando a partir de então, juntamente
com a imagem de Nossa Senhora “Salus Populi Romani” da basílica de Santa Maria
Maior, no coração do povo romano e, a partir de 1929, também na tradição das
festas da devoção mariana popular dos romanos.
De facto, foi no dia 8 de Dezembro
de 1929 que os Franciscanos Conventuais deram início à homenagem floreal,
organizando também o acolhimento e as orações dos devotos de Nossa Senhora –
pessoas ilustres ou simples peregrinos. Os Frades Menores Conventuais
(Capuchinhos) especializaram-se na Mariologia e o Papa Sisto IV, que era
franciscano, foi o primeiro a aprovar em toda a Igreja o ofício divino de Nossa
Senhora e a Missa da Imaculada. Sisto V tornou este tema matéria obrigatória de
estudo no Colégio de S. Boaventura, por ele fundado em 1587. Junto do mesmo
Colégio, em 1853, foi fundada a Associação da Imaculada Conceição, mais tarde
transformada em Academia com estatutos próprios.
A igreja de Santa Maria da Conceição, no Campo Marzio, da qual provém a
Coluna da Praça de Espanha, foi restaurada em 1994, depois de um longo período
de abandono: foi edificada pelo arquitecto Giovanni Antonio de’ Rosi, e conserva no altar-mor uma imagem de
Nossa “Senhora Advogada Nossa”, pintada no séc. XI-XII.
Além do dia 8 de Dezembro, os romanos veneram Nossa Senhora Salus Populi Romani (Basílica de Santa
Maria Marior) e Nossa Senhora do Divino Amor, no seu santuário a sul da
capital, para o qual se dirigem em procissão nocturn no último dia do mês de
Maio.
(Erica Russo de Caro - “Il
Tempo”, 8.12.87.(Montaigne ficou incomodado quando viandantes/romeiros
evidentemente pobres lhe pediram esmola na sua própria língua! Paralelamente à
construção de igrejas, edificavam-se numerosos palácios de famílias nobres: Capranica, Braschi, Madama, Massimo alle colonne, Cancelleria, e o Palácio
Farnese, mais belo e célebre do que todos os outros — ou não tivesse ele lo zampino (o toque) do “Mestre” Miguel
Ângelo... Semelhante furor de
construir comportou também um grande furor
destruens e a consequente eliminação da maior parte dos monumentos antigos
que estorvavam a realização dos novos
projectos.
De mercado a...
lugar de enconro, festas e procissões
Esta praça é um dos espaços mais fascinantes da Roma papal, no qual se
exprimiram magistralmente os arquitectos-escultores Borromini e Bernini. É
lugar de encontro e centro animado da vida romana, popular e turístico: lugar
de antigas procissões e festas (até ao séc. XIX alagava-se a praça para os
jogos aquáticos chamados Naumáquias=
representação de combates navais no tempo dos romanos) foi, como se disse,
um mercado, e continua a ser hoje o ponto da cidade para onde, durante o
período de Natal, convergem milhares de crianças para a feira de brinquedos que
termina com a célebre Beffana, no dia
6 de Janeiro, a Festa dos Reis, que o governo já tentou excluir do calendário
dos feriados e voltou a ser introduzida por “pressão popular”!
No verão torna-se cenário para caricaturistas, músicos, pintores, artistas
que vivem para e dos turistas que entram incessantemente, isolados ou em grupo,
provindo de todas as partes do mundo, no espaço outrora ocupado pelo Estádio de Domiciano.
A praça oferece, de facto, um exemplo de continuidade urbanística da
cidade, ocupando a pista do antigo estádio, o primeiro de Roma, construído nos
anos 81-96 da nossa era. Uma das entradas é ainda hoje visível a Norte, a um
nível de três metros inferior à pavimentação actual. Os edifícios que delimitam
o espaço correspondem às bancadas da cávea,
que podiam conter 30.000 espectadores. Os jogos principais realizavam-se em
honra de Júpiter Capitolino, o Certamen
Capitolinum instituído por Domiciano no ano 86.
Pouco depois da sua eleição pontifícia, em 1644, o Papa Inocêncio X
remodelou a zona em função do palácio da sua família, como alguns decénios
antes fizera o Papa Urbano VIII com as zonas da Praça Barberini e do Quirinal.
Ao redor da praça foram edificados nesse
período o Palácio Panfili, actualmente sede da Embaixada do Brasil e do Centro de Estudos Brasileiros e a igreja
de Santa Inês in Agone.
ROME BY NIGHT
A nossa excursão nocturna começa
junto do Castelo do Santo Anjo, o antigo Mausoléu de Adriano, edificado em
apenas 4 anos (137-139) e onde foram sepultados outros 7 Imperadores romanos da
Dinastia dos Flávios, até ao ano 211. A origem do nome, Castel Sant’Angelo, tem a ver com uma lenda que remonta ao ano 590,
quando o Papa S. Gregório Magno prescreveu preces públicas e procissões de
penitência para implorar de Deus o fim de um flagelo.
Ao fim de uma dessas procissões, o Papa teve a visão de um anjo no acto de
embainhar a espada, sinal de que a peste estava para terminar. O monumento,
actualmente Museu, mede 64 metros de diâmetro e terminava em forma de cone.
Sofreu a sua primeira transformação já no ano 271, quando ficou englobado nas Muralhas
do Imperador Aureliano, sendo depois utilizado como cadeia e baluarte de defesa
contra invasões: Belisário, general de Justiniano, imperador bizantino do
Oriente, resistiu no ano 527 a Tótila, empregando como armas de defesa os
mármores e estátuas que ornamentavam o mausoléu. Durante toda a Idade Média foi
utilizado como fortaleza, e os principais utilizadores
foram os Papas, que chegaram a uni-lo ao Palácio Apostólico e à Basílica de S.
Pedro mediante um corredor dentro de uma Muralha (Passetto di Borgo). Devendo por vezes passar muito tempo lá
refugiados, o castelo acabou por ser transformado em Palácio, frequentemente
utilizado como residência de verão durante a Renascença. Na parte do Castelo
transformada em cadeia morreram o Papa João X (mandado estrangular por Merósia)
e Bento VI, e lá estiveram presos Giordano Bruno e Galileu: o primeiro foi
condenado a morrer num auto-da-fé, na praça do mercado,
enquanto ardiam também os livros que escrevera; Galileu retratou o seu “Eppur si muove” e salvou-se da fogueira
da Inquisição, beijando la sacra
pantofola do Papa.
Praça Navona — uma bela cenografia barroca
Situada no centro do Campo Márcio,
profundamente transformado a partir do séc. XV pelos Papas Martinho V, Sisto
IV, Júlio II e Paulo III, é um dos pontos mais importantes do Centro histórico
de Roma, já com as actuais características urbanísticas no séc. XVI, quando se
reorganizou a viabilidade urbana em função do Castelo do Santo Anjo e do acesso
ao Vaticano (restauro do panteão em meados do séc. XV, abertura de novas ruas
que conduziam à Ponte Sant’Angelo — Via Recta/Coronari, Via Júlia, V.dei Banchi
Nuovi/Banchi Vecchi, endireitamento da Via del Corso após a construção do
Palácio de Veneza, ampliamento da Praça do Pópulo no tempo do Papa Paulo III).
Em fins do séc. XV (1477) os mercados existentes em Campo de’ Fiori
(produtos ortofrutícolas) e na zona de Sant’Angelo
in Pescheria (peixe) foram transferidos para o outrora chamado Estádio de Domiciano, actualmente a praça mais linda de Roma e uma
das mais belas do mundo. Ao redor, concentraram-se as estalagens da cidade,
tornando a zona no centro comercial da cidade.
No mesmo período fervilhava junto desta praça a actividade “religiosa e
artística”, através da construção de igrejas
nacionais, com centros de assistência e hospitais anexos, destinados a
acolher os numerosos romeiros que, numa Europa mais segura que na Idade Média,
demandavam Roma: surgiram nesta zona as igrejas de S. Luís dos franceses, Santa
Maria dell’Anima (dos alemães), S. João dos Florentinos, S. Marcos dos
Venecianos, S. António dos Portugueses, Nossa Senhora de Monserrat (dos
espanhóis/catalães)... Os estrangeiros pululavam pela cidade, e “chateavam”
tanto os romanos como os próprios estrangeiros
A Fonte dos Quatro Rios,
obra-prima de Bernini
No mesmo período foram colocadas as duas fontes nas extremidades da praça —
de Neptuno e do Mouro — e construída por Bernini a Fonte dos Quatro Rios (1651), obra-prima de Bernini, que sintetiza
uma das realidades que o mundo vivia após as descobertas do Novo Mundo. Os rios
personificam, ou simbolizam, os quatro cantos do mundo então conhecidos, e
aludem à necessidade-dificuldade de estabelecer relações com essa nova
realidade: os povos, as culturas, a fauna e a flora, o conhecimento geográfico
e científico e, last but not least, a
necessidade de evangelizar as novas terras.
Bernini escolheu o Rio Danúbio e
um cavalo para representar a Europa, o Nilo,
uma palmeira e o leão para simbolizar a África, o Rio Amazonas [os espanhóis dizem tratar-se do Rio de La Plata] e o Ganges,
para evocar respectivamente o continente americano e a Ásia, com elementos da
flora e fauna locais. De notar que toda esta estrutura altamente simbólica e
cheia de significado cultural tinha uma finalidade prática muito “banal”:
servir de base para o obelisco, um
dos mais belos da cidade, embora menos famoso que os das Praças do Pópulo, de
S. Pedro ou de S. João de Latrão. Provém do Circo de Maxêncio e evoca a tomada
do poder por Domiciano, no ano 81. A praça exprime um extraordinário aspecto de
leveza e harmonia, constituindo, como a maioria das praças romanas, um ambiente
acolhedor, uma autêntica Sala de estar
da cidade, cujas portas são as ruelas que passam despercebidas.
Pátio da Pizzeria
Nesta ideia se inspira a resposta dos guias romanos aos turistas americanos
que, apressados e cheios de dólares, vêem Roma em poucas horas, filmando os
monumentos através das janelas dos autocarros turísticos, só por fora.
Descontentes, consideram que não viram
em Roma nada que seja superior ao que eles
têm lá nos States! Depois da pizza
do último dia bem regada com Frascati nos arredores da praça, entram nela e
ficam deslumbrados com o espectáculo. À pergunta What’s this?, o guia responde quase com enfado e desinteresse: É o pátio do local onde há pouco comeram a
pizza! Pátios tão grandes e harmoniosos, de facto, não existem em nenhuma
outra parte do mundo, muito menos como apêndice de uma humilde ou grandiosa pizzeria americana.
Bernini e Borromini — eternos rivais...
De notar ainda que a rivalidade, histórica, entre Bernini e Borromini (a
mesma que existiu entre Miguel Ângelo e Rafael, e que terá impelido estes
artistas a criarem mais e melhor, numa renhida competição com os respectivos
adversários) foi bem representada na interpretação que o “zé povinho” deu a
dois pormenores da obra de Bernini na Fonte dos Rios: a cabeça velada de uma
das estátuas recusa-se a observar os defeitos que nota na igreja de Santa Inês,
e a mão da outra estátua, estendida para a igreja numa atitude de defesa,
exprime o receio de que ela acabe mesmo por cair — o que, até hoje, não
aconteceu. Na realidade, a estátua com a cabeça velada representa o rio Nilo,
cujas nascentes ainda não tinham sido descobertas.
Santa inês, uma bela lenda
A igreja de Santa Inês foi
construída onde a Santa, exposta nua aos treze anos ao ludíbrio da gente, por
ter recusado casar-se com o filho do prefeito da cidade, Simproniano, foi
milagrosamente coberta pelos cabelos que a tornaram ainda mais desejada pelo
pretendente esposo pagão que, por sua vez, se recusava a converter-se à nova
religião. Inês resistiu-lhe alegando ter já um esposo ao qual queria manter-se
fiel, conservando-se virgem. A história (ou lenda) é a seguinte: o prefeito
mandou-a chamar e procurou convencê-la a abandonar as superstições cristãs, e obrigou-a por fim a sacrificar à deusa
Vesta. Continuando ela a recusar-se a obedecer, foi encerrada num lupanar, como
meretriz. Mas quem ia ter com ela para satisfazer... turpes desejos saía curado
para sempre e convertido ao cristianismo. Por isso, o vigário do prefeito,
certo Aspásio, deu ordem para ela ser queimada viva, como bruxa, porque tinha
feito morrer, e depois ressuscitar, o filho do prefeito.A fachada côncava e
convexa da igreja é um dos melhores exemplos da arte borrominiana e barroca: de
perto, é possível observar a cúpola, o que não acontece com a basílica de S.
Pedro, mesmo no meio da praça..
PalácioBraschi[pron.“Bráski”], Museu de Roma
A outra igreja cuja fachada do séc. XV dá para a praça, é dedicada ao
Sagrado Coração de Jesus e foi edificada por António de Sangallo. Ao fundo da
praça, para além da Fonte do Mouro etíope que brinca ou luta contra um
golfinho, vê-se uma parte do Palácio Braschi
(Brasqui), o último a ser edificado em Roma para famílias pontifícias:
realizado pelo arquitecto Cosimo Morelli em 1792, foi adquirido pelo estado
italiano em 1871 para sede do Ministério do Interior (Administração Interna);
desde 1930 é sede do Museu de Roma:
colecções de esculturas, pinturas e artes que descrevem a história da cidade,
desde a Idade Média até aos dias de hoje.
Pasquino...
Num dos ângulos deste palácio foi colocada uma estátua que sintetiza um
outro interessante capítulo da história de Roma durante o governo pontifício: Pasquino, a principal estátua falante da cidade. Representa Menelau e
Pátroclo, cópia romana de um original romano. Com outras 4 estátuas que foram
utilizadas para o mesmo fim, Pasquino falava
em nome dos romanos junto da administração dos Monsignori, através de críticas e protestos que eram
clandestinamente colados às estátuas, em mensagens e recados anónimos,
recolhidos em parte numa obra chamada Pasquinate...
As outras estátuas escolhidas para exercerem esta nobre função crítica em
tempos muito semelhantes aos das Cantigas
de Escárneo e mal-dizer..., situavam-se em pontos diversos da cidade e eram
as seguintes: o Abade Luís, junto à
igreja de S. André; o Macaco
(babbuino), na Praça de Espanha; o carregador
de água (facchino), na Via del Corso; e Madonna Lucrezia, na Praça Veneza.
Perto da Praça Navona ficam a A
igreja e o Instituto de Santo António dos Portugueses, dos fins do séc. XV
pelo cardeal D. António de Chaves (sepultado em S. João de Latrão), ao lado do
Hospício que D. Guiomar de Lisboa tinha fundado em 1363 para assistência aos
peregrinos pobres.
FONTANA DI TREVI, a fonte dos
desejos
A Praça de Trevi deriva o seu nome do”cruzamento” de três vias na antiga Praça dos Crucifixos, onde já os romanos haviam
edificado uma Mostra da Acqua Virgo,
canalizada para Roma por Agripa.
Integrada na fachada de um palácio romano pouco conhecido, da família Poli,
encontra-se a fonte mais famosa do mundo inteiro. A mais majestosa das fontes
romanas transformou-se na fachada, ou a fachada em fonte, tendo no centro a
figura do Deus Neptuno, ou Oceano, cujo carro em forma de concha é puxado por
cavalos marinhos guiados por tritões, esculpidos por Pietro Bracci, a partir de
1759.
É um exemplo admirável de integração harmoniosa de rigor clássico dos
elementos arquitectónicos e da concepção cenográfica das esculturas barrocas.
É comum atribuir esta fonte a Bernini, mas esta tradição tem a sua razão
histórica só no facto de o seu escultor, Nicola Salvi, se ter inspirado e
retomado o projecto que Bernini havia elaborado no tempo de Urbano VIII, sem o
ter realizado. A obra levou tempo a ser realizada: Salvi come- çou-a em 1732,
mas só em 1762 é que ela foi
inaugurada, no tempo do Papa Clemente XIII. Nos nichos laterais vêem-se as estátuas simbóli- cas da Salubridade
e Abun- dância (obras de André Bergondi): por cima delas, dois baixos
relevos recordam, respectivamente, uma donzela que indica a nascente da Acqua virgo aos soldados romanos, e
Agripa que aprova o projecto do aqueduto que a deveria conduzir a Roma (19
a.C.). Nenhum turista se esquece de cumprir o rito de lançar, de costas viradas
para Neptuno, uma moeda no... mar de
Trevi, acompanhando o gesto pela
expressão íntima de um desejo profundo que esteja mesmo a peito, ou no coração
de quem oferece tal dádiva ao deus — encontrar, ou reencontrar um amor, ter
sucesso na vida, voltar a Roma.
Às terças-feiras a fonte é “lavada” e recolhem-se baldes e baldes cheios de
moedas das mais diversas ligas metálicas, formas e valores (mais de 5 toneladas
em 1995): outrora, eram destinadas aos órfãos assistidos pela paróquia da zona.
Hoje é a Câmara que faz depois as “partilhas”, entregando à Caritas a maior
parte do dinheiro que pode ser cambiado ou utilizado. Mas muitas moedas acabam
nas gavetas das casas de vereadores e seus familiares, aguardando que o passar
do tempo acrescente valor numismático ao que já encerram por estarem ligadas à
história de um desejo expresso na fonte onde Anita Ekberg tomou banho, no filme
de Fellini La dolce Vita (1961).
·
palácio Poli é actualmente Museu
da Gravura. Conserva instrumentos para esta actividade artística e para
imprimir (Instituto da Gráfica), além das obras realizadas por Piranesi,
Salvator Rosa, Bartolomeo Pinelli, Giorgio Morandi, Carlo Carrà — ao todo,
23.000 peças. Conserva também uma exposição fotográfica do séc. XIX e obras dos
maiores criadores de gravuras em Itália
·
RIONI ROMANI, BAIRROS
PERIFÉRICOS...
Da divisão de Roma no tempo de Augusto em 14 Rioni [= Bairros], chegou-se
hoje a 22 “Circunscrições”. Os que conservam valor e “calibre” histórico são:
1. MONTES [alusão às 3 colinas da sua área, que são também seu
emblema: Viminal, Quirinal e Esquilino]
2. TREVI, de origem incerta, tem por símbolo três espadas e deu o nome
à famosa Fontana di Trevi.
3. COLONNA: recebe nome e emblema da Coluna de Marco Aurélio.
4. CAMPO MÁRCIO, planície entre as Colinas e o Rio Tibre, consagrada a
Marte e usada como zona militar.
5. PONTE, zona da ponte “Aelia” [hoje “do Santo Anjo”], inserida no emblema com as
imagens dos Apóstolos Pedro e Paulo.
6. PARIONE, corresponde à zona da Praça Navona e recebe o nome de um
antigo fragmento do Estádio de Domiciano.
7. REGOLA, zona onde se encontra Santo António dos Portugueses, junto
à margem arenosa do Tibre.
8. SANTO EUSTÁQUIO, também chamado “Bairro das Cúpulas”, pelo número
de Igrejas, muitas delas “nacionais”.
9. PINHA: é a região onde se situa o Panteão e a Igreja de Santa Maria
sopra Minerva e as duas igrejas dos Jesuítas - Il Gesù e Santo Inácio. O emblema reproduz a pinha monumental
proveniente do templo imperial de Ísis e Serápis, outrora no centro da antiga
Praça de São Pedro e hoje no Pátio da Pinha (Museus do Vaticano).
10. CAMPITELLI, abrange hoje a área monumental dos Foros, Capitólio e
Palatino: os antigos habitantes... foram afastados para os novos bairros
periféricos da cidade no tempo de Mussolini. Um dragão é o seu emblema.
11. SANTO ANJO [Sant’Angelo], bairro medieval onde se situava o gueto.
O seu emblema é um anjo que esmaga o demónio, com uma espada e uma balança,
símbolo da justiça.
12. RIPA, desde a Ilha Tiberina até ao Aventino, nas margens do rio Tibre.
Tem como emblema uma roda.
13. TRANSTIBRE [Trastevere], o bairro mais típico de Roma, dá uma
pálida ideia de alguns aspectos de Alfama, sem atingir a sua beleza, abrange a
margem direita do Tibre. O leão é o seu símbolo.
14. BURGO corresponde à zona de São Pedro, onde se encontra também a
Igreja e Hospital do Espírito Santo [dos Saxões]. A parte mais antiga e bela
foi também demolida nos anos trinta, na época do fascismo italiano.
Os Bairros seguintes foram instituídos após a unificação da Itália e da
transferência da capital para Roma (1870) e receberam os nomes topográficos das
respectivas zonas. Os primeiros dois foram instituídos depois de 1870, os
restantes em 1921. Entretanto... muitos outros assumiram dimensões de grandes
Bairros, até mesmo Cidades com mais de 100.000 habitantes, como Primavalle ou Torrevecchia, Casalotti, etc., sem todavia receberem a honra de um
nome nobre.
15. ESQUILINO, é a zona de Santa Maria Maior, Praça Vitório, Estação Termini... Surgiu logo após 1870.
16. PRATI: vai desde o rio até Monte Mário: é uma imensa zona
habitacional, comercial e terciária, instituída em 1870.
17. CASTRO PRETÓRIO corresponde ao alargamento de Roma para leste,
desde os antigos quartéis militares romanos até ao cemitério de São Lourenço
[Campo Verano];
18. CÉLIO, a sul do Coliséu, abrange importantes monumentos religiosos
e o Hospital militar de Roma.
19. LUDOVISI é a zona da Via Veneto e dos novos Palácios e hotéis
modernos, que destruíram o belíssimo Parque Boncompagni-Ludovisi, semelhante ao
da Villa Borghese, que se salvou.
20. SALLUSTIANO, corresponde à zona da Praça Fiume-Porta Pia, a norte
da Embaixada Americana... cidade na cidade, sem gozar formalmente desse
estatuto...
21. SAN SABA, a sul da Pirâmide Caio Céstio, com a belíssima igreja
homónima e as construções da arquitectura popular do IACP - Instituto Autónomo
Casas Populares [1921].
22. TESTACCIO, corresponde a uma zona de despejos de ânforas e lixo, na época imperial
romana. Foi um dos bairros operários de Roma e hoje, depois do desmantelamento
do Matadouro que ocupava uma área muito extensa, procura a sua identidade que
acrescente algo ao carácter meramente habitacional que foi assumindo. A este
bairro pertence a Basílica de S. Paulo fora dos Muros. Caracteriza-a também a
feira popular que aos domingos transformam o bairro num formigueiro humano que
dá vida ao famoso “Mercado das Pulgas”.
OS DEZ MANDAMENTOS... dos romanos:
DIECI COMANDAMENTI DE LI ROMANI: da imparare, da praticare...
|
[Em itálico, a versão ortográfica italiana correcta]
1. Er lavoro è fatica! F(Il lavoro è fatica)
Trabalhar é fadiga, trabalhar
cansa...!
2. Se nasce stanchi e se
vive pe’ riposa’! F(Si nasce stanchi e si vive per
riposare)
Nascemos cansados; vivemos para
descansar...!
3. Ama er letto tuo come te stesso! F(Ama il letto tuo come te stesso)
Ama o teu leito, a tua cama, como
a ti mesmo!
4. Riposa er giorno pe pote’ riposa’
la notte! F(Riposa di giorno per poter riposare di notte)
Descansa de dia para poderes
respousar de noite!
5. Se vedi quarcuno che riposa
aiutalo! F(Se vedi qualcuno che riposa, aiutalo)
Se vires alguém a repousar,
ajuda-o!
6. Nun fa’ oggi quer che puoi fa’
domani! F(Non fare oggi quello che puoi fare domani)
Não faças hoje o que puderes
fazer amanhã!
7. Nella vita cerca de fa’ poco, e quer poco che fai, fallo
fa’ all’antri!
F(Nella vita cerca di fare poco e quel poco che fai fallo fare agli altri)
Na vida procura fazer poucas
coisas, e o pouco que fizeres manda-o fazer aos outros!
8. Quanno te vie’ voia de’ lavora’, mettete a sede’ e
aspetta che te passa!
F(Quando ti viene voglia di fare qualcosa, mettiti a sedere ed aspetta che
ti passi)
Quando tiveres vontade de
trabalhar, senta-se e espera que te passe...(a vontade)!
9. De troppo riposo nun e’ morto mai
nessuno! F(Di troppo riposo non è mai morto nessuno)
Nunca ninguém morreu por causa de
demasiado descanso!
10. Se er lavoro è salute, viva la malattia! F(Se il lavoro è salute, viva la malattia)
Se o trabalho é saúde, viva a
doença!
Observação:
Mandamentos para saber e aplicar.
Quem os não conhecer, leia-os com
muita calma, ou melhor, peça a alguém que lhos recorde...
SÁBADO
|
07.00 Pequeno almoço.
07.30 Partida
para a cidade de Assis.
10.00 Visita
a F SANTA
MARIA DOS ANJOS: Porciúncula, jardins, presépios.
11.00 F Visita guiada ao Túmulo e às
Basílicas inferior e superior de São Francisco.
12.30 F Passeio pelo centro da cidade,
até à Basílica/Praça de Santa Clara.
13.30 Almoço e visita à Praça
de Santa Clara
14.45 Partida para Pádua.
19.45 Chegada a Pádua
20.30 Jantar
e alojamento em Pádua.
|
ASSIS
BREVE CRONOLOGIA E BIOGRAFIA DE
S. FRANCISCO
1182 Nascimento,
filho de Pedro Bernardone e da Sr.ª Pica
1205 Conversão
1206 Deserdado pelo pai
1210 Aprovação
da Ordem
1219 Pregação
do Evangelho no Egipto
1223 “Invenção” do
presépio de Grécio
1224 Recebe os estigmas
no monte La Verna
1226 Morte, na Porciúncula (Santa Maria dos Anjos)
1228 Canonização, em
Assis
Primeira pedra da
Basílica-sepulcral (Basílica Inferior)
1230 Transladação do
corpo e sepultura definitiva na basílica inferior
VIDA DE S.
FRANCISCO
O capítulo sobre a história de Francisco de Assis nunca poderá
considerar-se acabado, não obstante a abundância dos factos narrados pelos seus
primeiros biógrafos e das hipóteses sobre o seu pensamento que se foram
desenvolvendo através dos séculos. A Sociedade
Internacional de Estudos Franciscanos vela por que o pensamento de
Francisco se vá enriquecendo e actualizando, de acordo com a sua filosofia
original, revolucionária para a época
e que permitiu a João Paulo II reunir em Assis, em 1986, os máximos expoentes
das maiores religiões do mundo, para propor alguns objectivos comuns, só
possíveis no nome de S. Francisco.
Na primeira parte da sua vida, Francisco vivia como os seus coetâneos,
partilhando com eles anseios,
inquietações e erros: nasceu no inverno
de 1182, numa família abastada de Assis: seu pai, Pietro di Bernardone, era
um comerciante de tecidos, e encontrava-se em viagem pela Provença quando ele
nasceu. O nome dado por sua mãe, João, foi mudado para Francisco, talvez em
recordação da viagem do pai à França.
Estudou latim, provençal, italiano vulgar, música, canto e matemática, (o
pai sonhava com um contabilista de confiança que o auxiliasse na sua
actividade). A sua juventude decorreu, portanto, entre o estudo, a ajuda ao pai
no seu trabalho e o divertimento com os seus coetâneos: chegou a ser coroado
“rei” dos banquetes e bailes, pelo seu comportamento espevitado. Não faltaram sequer episódios desagradáveis de
intolerância, em contraste com a educação recebida, o que provocou confrontos
com a família e o fez reflectir sobre o seu comportamento.
Conversão
Um dia, um pobre pedinte bateu à sua porta, e ele mandou-o embora
bruscamente. Mas depois, arrependido, pediu-lhe desculpa e deu-lhe alguma
coisa. Quando Assis declarou guerra a Perúsia, Francisco foi um dos primeiros a
partir, mas foi feito prisioneiro e metido na cadeia por quase um ano,
regressando depois a casa muito doente, o que o levou a reflectir ainda mais
seriamente sobre o significado da vida. Mesmo assim, a mentalidade bélica
perdurava ainda, porque aceitou participar com alguns dos seus companheiros em
manobras militares: pelo caminho, porém, decidiu renunciar e voltar para casa.
Distribuíu os seus bens aos pobres — o que deixou obviamente desconcertado o
pai —, dedicou-se à assistência aos leprosos e, a pouco e pouco, deu-se a total
conversão. O seu comportamento provocou também incredulidade junto da
população, enquanto ele cada vez se afastava mais da família e vivia nos
arredores da cidade.
Fora das muralhas existia uma pequena capela em ruínas, dedicada a S.
Damiano. Foi ali que ele teve a conhecida Visão
do Crucifixo: ou melhor, foi nessa capela que a sua consciência o motivou a
dedicar-se à edificação da Igreja —
“Vai e restaura a minha igreja”, ter-lhe-ia dito o famoso Crucifixo, agora conservado
na igreja de Santa Clara. Começou por restaurar materialmente aquela igrejinha,
mas o sentido da inspiração foi-se tornando claro quando o seu pai, enfurecido
por ele ter utilizado bens da família para comprar o material necessário para
as obras, o acusou perante o Bispo e o pôs na condição de escolher entre
conduzir uma vida normal ou abandonar os bens familiares. Ele optou pela
renúncia e foi deserdado.
Fundador de uma Ordem Religiosa
Começou assim a sua nova existência. Nos arredores de Gubbio (40 km de
Assis) os habitantes não falavam de
outra coisa senão de um jovem maltrapilho que tinha conseguido domesticar um
lobo que era o terror da população. Teve os seus primeiros seguidores: Bernardo
de Quintavalle, Pietro Cattani, Egidio e Filipe. Escolheram como lugar para a
vida de comunidade um pequeno bosque situado na planície, a 3 kms de Assis:
primeiro, em Rivotorto, depois na Porciúncula.
O contínuo afluxo de novos
companheiros levou Francisco a escrever uma Regra de vida: em 1209 surgia a Ordem religiosa chamada dos
Frades Menores, aprovada por Inocêncio III (que tinha tido a visão da
Basílica do Latrão em ruínas e o Pobrezinho de Assis a segurá-la).
Naqueles anos uma outra jovem de Assis, Clara, tinha-se aproximado várias
vezes de Francisco, acabando por se converter ao mesmo estilo de vida,
renunciar aos bens terrenos e fundar a Ordem das Pobres Damas, futuras
Clarisas.
Missionário
Em 1216, Francisco obteve do
Papa Honório III a indulgência da
Porciúncula, a mais importante da Cristandade depois da da Terra Santa.
Francisco não se deixou ficar quieto a gozar o sucesso obtido por terras
umbras: quis difundir a sua nova mensagem pela Europa, foi a Marrocos e chegou ao Egipto com a intenção de
converter o sultão Melek el Kamel ao cristianismo, mas não conseguiu. Depois
dirigiu-se para a Palestina. De regresso, com a saúde bastante abalada,
escreveu uma nova Regra que o Papa Honrório III aprovou, e em Grécio representa ao vivo o nascimento
de Cristo, “inventando” desta forma o presépio.
Em 1224, no Monte La Verna (que
o Conde Orlando de Chiusi lhe oferecera para lugar de meditação) recebeu os estigmas, e aceitou viver recolhido em
oração no convento de San Damiano, entregue aos cuidados de Clara e das suas
Irmãs: foi ali que compôs o “Cântico das
Criaturas” – um poema de altíssimo lirismo que sintetiza os seus ideais.
Vendo que se aproximava a “irmã
morte”, pediu que o levassem para a Porciúncula, para junto dos seus
primeiros companheiros, e morreu deitado na terra da chamada Capela do Trânsito, a 4 de Outubro de 1226, sábado. Em 1228,
decorridos só dois anos após a sua morte, foi proclamado Santo por Gregório IX.
SANTA MARIA DOS ANJOS
É uma pequena vila de 7.000 habitantes, a 5 kms de Assis, surgida ao redor
dos lugares que recordam a vida de S. Francisco, que se foi desenvolvendo
economica e industrialmente (turismo) sobretudo neste século. A grande Basílica foi edificada em 1569 para
proteger a antiga igrejinha onde viveram os frades, chamada Porciúncula (pequena porção de terreno que S. Francisco
obteve dos monges beneditinos de Subiaco, a cuja Abadia pertencia a zona).
À direita da Basílica do perusino Galeazzo Alessi vê-se o Palácio dos Capitães do Perdão,
encarregados de “gerir” a festa do perdão (perdonanza
= indulgência) concedida por Honório III em 1216. Ao lado esquerdo fica a “Fonte dos 26 canos”, preciosa
precursora dos modernos cafés em oferecer no verão refrigério aos peregrinos
sedentos.
Visita à Basílica
A Basílica apresenta-se despojada de monumentos ou obras de arte, tendo
sido concebida como lugar de acolhimento dos peregrinos e estrutura de
protecção ao conjunto monumental, constituído pelos lugares directamente
ligados à vida de S. Francisco. Mede 126 metros de comprimento por 65 de
largura. A Cúpula mede 75 de altura e o conjunto constitui um dos maiores
monumentos da Cristandade (com proporções sensivelmente idênticas às de S.
Paulo fora dos Muros, que porém não tem cúpula).
A construção ofereceu notáveis dificuldades devido aos edifícios que se
encontravam na zona, também ligados à vida dos primeiros franciscanos: ficou
terminada em 1679. Em 1832 (o mesmo ano em que a Basílica
de S. Paulo também foi destruida, mas por um incêndio) um terramoto destruiu a
maior parte do templo, deixando porém
intacta a cúpula. A actual fachada é de 1920 e a estátua colossal de Nossa
Senhora (7 metros), colocada em 1930 na vertical da porta central, é uma obra
em bronze dourado, do escultor Colassanti.
O quadro colocado na 5ª capela da nave direita (Natividade) é a pintura
mais preciosa da Basílica: o tema escolhido por Federico Zuccari (1592) é a
Festa do Perdão de Assis.
PORCIÚNCULA (centro da Basílica)
(Confiada ao cuidado dos Observantes em 3.12.1445,
pela Bula Licet ex debito de
Eugénio IV, franciscano)
Protegida pela grandiosa basílica, a antiga igrejinha de pedra lisa onde
surgiu a Ordem franciscana, apresenta-se na sua “pequenez” de igreja e
”grandiosidade” de altar-mor da Basílica, ocupando de maneira anómala o seu
lugar. É talvez o símbolo mais
importante da religiosidade ligada à figura e S. Francisco: berço do
franciscanismo, testemunho original da antiga vida de S. Francisco, ponto
de referência e de irradiação da sua mensagem no mundo. Nos bosques que
circundam esta zona verificou-se (1208) a conversão do Pobrezinho e a igreja
foi-lhe oferecida pelos beneditinos: Francisco não aceitou a doação e quis
“pagar” o aluguer entregando
regularmente aos monges um cesto de peixe. Daqui
partiram os pregadores franciscanos. Aqui se verificaram milagres e
prodígios ao longo dos séculos. Hoje é um lugar privilegiado para a oração e a
meditação, que consegue conservar a atmosfera de recolhimento e silêncio, não
obstante o reboliço criado pelos
visitantes ao redor. Para esta capela Francisco pediu ao Papa la perdonanza para quantos se
arrependessem dos seus pecados. E Honório III concedeu em 1216 a indulgência
dita “do Perdão” a quantos entrassem na Porciúncula e cumprissem as condições
prescritas para a lucrarem: a festa de Santa Maria dos Anjos da porciúncula
celebra-se no dia 2 de Agosto, altura em que a Basílica é mais visitada.
A estrutura material do edifício não sofreu alterações significativas: são
originais as paredes e a ábside; a porta
de madeira remonta ao séc. XV; também os frescos que se vêem na ábside são
antigos, embora não do tempo de S. Francisco: foram pintados em 1393 por Hilário de Viterbo e representam a
história da Festa do Perdão. Em cima, a Petição
(em Roma, perante o papa e a sua Corte, Francisco oferece uma coroa de flores a
Jesus e Nossa Senhora); em baixo, a Anunciação, com o Arcanjo ajoelhado diante
de Nossa Senhora. Parte das outras pinturas que ornamentam o interior da capela
(as paredes enegrecidas são originais) são recentes (Frederico Pverbek, 1830) e
referem-se também à história da festa do Perdão. A embelezar a parte interior
da “moldura” do retábulo encontram-se as imagens de dez santos, entre os quais
Francisco e Clara.
CAPELA DO “TRÂNSITO”
ou da MORTE DE S. FRANCISCO
Mas outra data não menos importante está ligada à Porciúncula: ao lado da
igreja, naquela que era então a “enfermaria”, morreu S. Francisco, no dia 3 de
Outubro de 1226, que veio logo depois a ser conhecida pelo nome de “Capela
do Trânsito. A pintura na parede exterior é de Bruschi (finais do séc.
XIX) e representa o momento da morte. A inscrição de Andrea della Robbia
(interessante e curiosa para os interessados) diz o seguinte:
“IL NOSTRO SERAFICO P. S.
FRANCESCO MORÌ IN QUESTO SANTO LVOGO L’ANNO DEL SIGNORE MCCXXVI, LÍ IV OTTOBRE
ÍN SABBATO ET ÍL DÍ LUÍ CUORE E L’ÍNTERÍORA SÍ CONSERVANO IN QVESTO SACRO
ALTARE”.
Interessante, pela alusão à conservação do corpo do Santo: “cuore e interiora” foram
conservados..., o que signiFica que Francisco foi embalsamado.
Outros lugares de interesse a visitar:
n a ábside e a Cripta, recentemente edificada por baixo do altar-mor, onde se
conserva um belíssimo retábulo de Andrea della Robbia, em cerâmica esmaltada,
representando diversos episódios: a coroação de Nossa Senhora, os estigmas de
S. Francisco, a Anunciação, o nascimento de Cristo e a adoração dos Reis Magos.
O Coro de madeira da ábside é do séc. XVII, assim como a mobília de madeira da
Sacristia, em frente da qual se passa para visitar
n o Roseiral (rosas sem espinhos), a Capela das Rosas (lugar de meditação de Francisco, pintada por
Tibério de Assis no séc. XVI), a Gruta
do Santo, a Capela do pranto
(provocado pela meditação sobre a Paixão de Cristo), e os ambientes sucessivos,
incluindo um presépio, que terminam
numa grande loja onde é possível comprar recordações e livros sobre Assis.
ASSIS
BASÍLICA DE S. FRANCISCO — FAROL DO ESPÍRITO
O conjunto monumental está
confiadO aos Frades Menores Conventuais, que vivem no sacro Convento anexo.
Edificada na extremidade do monte Subásio por desejo do Papa Gregório IX e
de Frei Elias, a dupla Basílica anuncia, na concatenação dos seus corpos
arquitectónicos, o projecto de eternizar a figura e a mensagem de S. Francisco.
Sobre a “igreja sepulcral” inferior, românica, contruída entre 1128 e 1230
para preservar os restos mortais do “Pobrezinho”, foi logo depois edificada a
Basílica Superior (1232-1239), como casa de oração, em estilo gótico, expresso
no movimento ascensional das suas abóbadas.
Pouco depois da sua morte, o corpo de Francisco foi transportado para a
pequena igreja de S. Jorge, dentro das muralhas da cidade. Francisco deixara
instruções aos seus seguidores para ser sepultado no lugar mais odiado da
cidade: havia de facto um lugar desprezado por todos, na periferia de Assis,
chamado “inferno”, onde eram executadas as condenações capitais: esse lugar
medonho, foi escolhido para lugar da sepultura de Francisco, veio a ser chamado
Colina do Paraíso. Em 16 de Julho de
1228 teve lugar a cerimónia de canonização, presidida por Gregório IX e, no dia
seguinte, o mesmo pontífice colocava a primeira pedra da futura Basílica inferior,
cujo altar-mor foi colocado precisamente sobre a sepultura do Santo.
O projecto da construção, “imposto” por Frei Elias, procurando
simultaneamente respeitar as indicações de Francisco e satisfazer as exigências
de culto que se iam difundindo de forma extraordinária, e que ele desejava
promover, provocou vistosas polémicas no seio da Ordem: os religiosos que
queriam ater-se rigorosamente ao estilo de vida de S. Francisco opunham-se à
ideia de uma construção grandiosa. Prevaleceu a ideia de glorificar adequadamente
a figura humilde do “revolucionário” reformador
do estilo de vida na Igreja e, em apenas dois anos (graças a doações e
numerosos legados), o edifício estava em condições de poder acolher o corpo de
Francisco.
A consagração do edifício, ainda incompleto, verificou-se em 1235 e, de
forma definitiva, incluindo a Igreja superior que é o prolongamento vertical da
primeira, por Eugénio IV, em 1253. Mais tarde foram abertas as capelas laterais
da Basílica inferior, destruindo em parte a pintura em fresco que ornamentava
as paredes.
Os mais famosos artistas da época — Cimabue, Giotto, Simone Martini, Pietro
Lorenzetti — acorreram a embelezar as superfícies livres do edifício: alguns
deles consagraram-se como artistas ou aperfeiçoaram a própria arte pintando
figuras ou episódios relacionados com a vida de S. Francisco. A história deste
lugar não sofreu vicissitudes particulares até meados do séc. XVIII, quando a
igreja recebeu o título de Basílica (na mesma altura e do mesmo modo em que o
foram também as Basílicas romanas). Em 1818
efectuou-se um primeiro reconhecimento do corpo: foi então aberta a entrada
para a actual cripta, de modo a permitir que as pessoas se aproximem
fisicamente do túmulo, encontrado conforme os documentos da época, o que pôs
fim às dúvidas sobre a autenticidade do lugar de sepultura. Tais dúvidas
surgiram porque os habitantes procuraram ocultar o melhor possível o lugar,
chegando a negar que lá estivesse sepultado o Santo, com medo que as relíquias
pudessem ser “roubadas” pela cidade rival de Assis, Perúsia. Em 1939, Francisco foi proclamado patrono da
Itália, e em 1978 procedeu-se a
mais um reconhecimento dos restos mortais de S. Francisco.
Basílica Inferior
À entrada, fica a Capela de S. Sebastião, com alguns sarcófagos medievais
(família Cerchi, João de Brienne); ao fundo, as Capelas de Santo António Abade
e de Santa Catarina. As capelas laterais são todas interessantes: a mais
importante encontra-se à esquerda da nave central, e é dedicada a S. Martinho
de Tours: Simone Martini pintou alguns episódios da vida do Santo (a doação da
túnica a um pobre, a “ordenação” como cavaleiro, a aparição de Cristo. Os
vitrais são de 1330. A primeira capela à direita é dedicada a Santa Madalena, e
a segunda a Santo António de Lisboa
(obra de Sermei).
Ao meio, fica o acesso à cripta
que, desde 1820, permite uma visão completa do túmulo de S. Francisco, dentro de uma urna de pedra enterrada no
terreno xistoso, isolada no cimo de um pilar envolvido numa grade de ferro. O
azeite que arde nesta cripta é oferecido pelos Concelhos da Itália (um cada
ano). Os nichos ao redor são dedicados aos primeiros discípulos de Francisco,
Rufino, Angel, Masseo e Leão.
A secção mais interessante e importante da Basílica inferior é o monumento pictórico sobre o altar-mor,
sustentado por vinte colunas: a abóbada
cruzada foi pintada por um discípulo de Giotto, chamado Mestre das Velas, que representou
alegoricamente os votos que caracterizam a vida religiosa franciscana: a
pobreza, a obediência e a Castidade. No quarto espaço o autor representou a
glorificação (“triunfo”) de S. Francisco, circundado por anjos. A pobreza está representada num terreno
cheio de espinhos, desprezada, com um cão isolado a ameaçá-la: Cristo é
testemunha do casamento de S. Francisco com esta virtude. A obediência, à esquerda, está colocada
num pórtico sob a forma de uma figura alada, sentada num trono, em frente do
qual um frade se ajoelha humildademente; ao lado, as virtudes da humildade e da
prudência. A Castidade está
personificada no interior de uma torre medieval: uma jovem em oração é levada
pelos anjos para o céu. Francisco aparece à esquerda e estende os seus braços a
três personagens (um frade, santa Clara e Dante).
Igualmente importante é a pintura de ambos os lados da ábside. À esquerda
de quem olha para o altar, estão representados os últimos momentos da vida de
Cristo, pintados por Pietro e Ambrósio Lorenzetti: distinguem-se com a mesma
nitidez e graças à simplicidade descritiva, a entrada de Jesus em Jerusalém, a
última ceia, o lava-pés, a captura de Jesus no Jardim das oliveiras, a
crucifixão e, num paralelismo exagerado cuja intenção era identificar o
fundador dos franciscanos com Cristo, o episódio dos estigmas recebidos por S.
Francisco. Uma das pinturas mais belas de Lorenzetti é a chamada Madonna del tramonto (Nossa Senhora do
pôr-do-sol), colocada entre S. Francisco e S. João Baptista: o gesto da mão
direita de Maria traduziria a resposta da Virgem ao Menino Jesus que lhe
pergunta quem o amou mais: sua mãe aponta para S. Francisco...
Dos quadros mais importantes à direita, pintados por Cimabue, Giotto e seus
discípulos, com uma simplicade extraordinária e que representam episódios da
infância de Jesus, são de notar a visita de Nossa Senhora a sua prima Santa
Isabel, o nascimento de Cristo, a visita dos reis magos, a apresentação ao
templo e Nossa Senhora no Trono, com o Menino Jesus, um quadro de Cimabue. Do
mesmo lado, vêem-se ainda a Fuga para o Egipto, a matança dos inocentes, Jesus
no templo com os doutrores e o regresso a Nazaré. A imagem de S. Francisco
incluída no quadro da crucifixão de Cristo, também atribuída a Cimabue, é
considerada o melhor retrato do santo, executado segundo a descrição feita por Tomás
de Celano, seu contemporâneo.
BASÍLICA SUPERIOR
Durante o verão é possível passar da Basílica inferior para a superior
subindo pelas escadinhas de pedra ao fundo da ábside, e atravessando o terraço
sobranceiro ao belíssimo claustro do tempo de Sisto IV e ao pórtico
renascentista, que oferece também uma extraordinária imagem da fachada exterior
da ábside da Basílica superior e da torre campanária. Fazem parte do complexo
conventual o refeitório, as salas do Capítulo e o salão pontifício (por vezes
utilizado para conferências e/ou concertos), além do Museu da Basílica e a
Biblioteca, onde se conservam os documentos mais preciosos da história do
franciscanismo.
Construída em pedra branca, em estilo gótico, a fachada divide-se em três
partes: o portal de entrada evoca o arco da basílica inferior e engloba
elegantes colunas que terminam em ogiva com uma pequena rosácea cega. O centro
é dominado pela grande rosácea dupla, formada por quatro círculos concêntricos
e, descrevendo idealmente um quadrilátero a envolver a rosácea, os símbolos dos
quatro evangelistas. Ao lado da fachada, que termina com um imenso triângulo,
vê-se ainda um pequeno pórtico (acrescentado no séc. XVII) e a massiça torre
campanária, renascentista, de 54 metros de altura, assente numa base quadrada.
O interior, em forma de cruz latina, formado por uma única nave em estilo
gótico, oferece um imenso espaço fortemente iluminado por janelas com vitrais e
conduz o olhar do visitante às pinturas que cobrem completamente as paredes dos
quatro grandiosos arcos ogivais da abóbada. Ainda hoje se desconhece o autor
das pinturas da parte superior das paredes, ao lado dos vitrais, que descrevem
episódios do Antigo e do Novo Testamento. Não há dúvida, porém, que Giotto é o
autor dos frescos que cobrem toda a parte inferior da parede, propondo-nos em
28 quadros sucessivos a vida de S. Francisco, transcrevendo literalmente em
pintura as páginas da Lenda de S. Boaventura.
Breve descrição dos “28 capítulos”
da Biografia do Santo:
Um homem presta homenagem a S.
Francisco, na praça de Assis, em frente do Templo de Minerva.
S. Francisco oferece o seu manto a um pobre, perto da cidade, cujas
muralhas e torres se vêem ao longe.
Francisco, enquanto dorme, sonha
que Cristo lhe indica um palácio de Armas.
Oração diante do Crucifixo de S.
Damiano, que o exorta a restaurar a igreja.
Renúncia aos bens materiais, um
dos pilares fundamentais da conversão: S. Francisco abandona a casa paterna e
separa-se do pai, sendo recebido pelo Bispo de Assis, que cobre a sua nudez com
um manto.
O sonho de Inocêncio III: o Papa
sonha com a igreja de Latrão em ruínas, sustentada por Francisco.
Aprovação oral da Regra
franciscana, durante uma audiência concedida pelo mesmo Papa a S. Francisco e
aos seus primeiros discípulos.
Visão de S. Francisco,
transportado num carro de fogo puxado por cavalos.
Um trono para Francisco no céu,
que pertencera a Lucífero e agora está reservado ao Pobrezinho.
Expulsão das forças malignas
(demónios) que assolavam Arécio, por parte de Frei Silvestre.
Na corte do Sultão
Melek-el-Kamel, no Egipto, Francisco procura convertê-lo caminanhando sobre
carvões em brasa — mas os sacerdotes maometanos recusam-se a imitá-lo.
Visão mística do Santo que é
levado em direcção a Deus, uma espécie de assunção ao céu. O primeiro presépio da história, ao vivo, em
Grécio (perto de Rieti).
O milagre da água que jorra de
uma rocha para um viandante que acompanhava os frades.
A pregação aos passarinhos, um dos episódios mais conhecidos da vida de S.
Francisco.
Morte repentina do senhor de Celano, anunciada por Francisco durante um
banquete, para o qual S. Francisco fora convidado.
Francisco pregador do Papa Honório III e da sua corte.
Francisco aparece aos seeu frades, em Arles, comunidade da qual era
superior S. António de Lisboa - reconhecido por S. Francisco como o mais capaz
de enfrentar com a sua pregação os albigenses.
S. Francisco recebe os estigmas
de Cristo, através de um anjo, no monte La Verna.
Morte de S. Francisco,
circundado por uma multidão de sacerdotes e frades desconsolados, enquanto os
anjos levam o Santo para o paríso.
Frei Agostinho, que deseja
morrer com S. Francisco, e o Bispo de Assis que sonha com a sua morte.
Verificação dos estigmas, por
parte de um senhor descrente, cham ltima saudação às Clarissas em frente do
convento de S. Damiano, durante a transladação do corpo do Santo da Prociúncula
para a igreja de S. Jorge.
Canonização de S. Francisco, por
parte de Gregório IX, em 16 de Julho de 1228, na praça principal de Assis.
Aparição em sonho a Gegório IX: Francisco mostra ao papa a ferida no lado
direito, de cuja existência e autenticidade o Papa duvidava.
A cura milagrosa de João, um
homem devoto do Santo que fora agredido.
Ressurreição de uma mulher
devota do Santo, mas que morrera sem se confessar.
Libertação da cadeia de um
cidadão de Assis, chamado Pedro, que fora preso injustamente.
Entre os frescos do transsepto destaca-se a Crucifixão, de Cimabue, uma obra muito deteriorada, que se
apresenta como se fosse o negativo de uma fotografia, porque o Autor misturou à
pintura óxido de chumbo que, com o tempo, produziu o resultado que está à
vista. Notável também o Coro de madeira
entalhada, de 1491, formado por 102 quadros embutidos em estilo
gótico-renascentista, alguns dos quais representam as personagens eclesiásticas
mais importantes da época.
A CIDADE DE ASSIS
Embora Assis seja conhecida essencialmente pelos monumentos e pela
“atmosfera” que evoca a figura de S. Francisco, a cidade oferece ao visitante
uma grande variedade de obras de arte e monumentos, não só de carácter
religioso. Normalmente, por razões de tempo, os turistas procuram apenas os
edifícios religiosos, entre os quais se conta a Catedral (dedicada a S. Rufino)
e outras igrejas, especialmente a de Santa Clara, onde se conserva o famoso
Crucifixo de S. Damiano, que “falou” a S. Francisco. Raramente sobem até ao
ponto mais alto da cidade para observarem as ruínas do antigo Castelo, procuram
às vezes os montes distantes de La Verna
ou a Ermida das Prisões (Eremo delle
carceri), e detêm-se por breves momentos a admirar, de passagem, o antigo forum da cidade romana, a belíssima
praça central, dedicada al Comune.
Dominada pela torre renascentista, nela se encontra o Palácio do Capitano del
Popolo, edifício de 1282, e a fachada da antiga Basílica de Minerva,
transformada em igreja dedicada a Nossa Senhora (oportunamente designada “sopra Minerva”). Do lado
oposto fica a Pinacoteca, que ocupa uma parte do conjunto de três edifícios
de épocas diferentes utilizados para o governo da cidade, entre os quais o
antigo Palácio dei Priori, sede
propriamente dita da Câmara Municipal. O lado oriental da praça é embelezada
pela Fonte monumental, uma obra de 1762.
Por detrás da sede da Câmara fica o Museu do Artesanato da Húmbria (a
Igreja Nova, em forma de cruz grega, e a casa onde Francisco nasceu e viveu os
anos da juventude, até se separar da sua família). Aquele que é agora um
oratório da igreja chamada San Francesco
Piccolino teria sido o quarto onde a Senhora Pica deu à luz o menino, num
quarto transformado em capela, já no séc. XIII. À entrada da casa vêem-se as
estátuas modernas dos pais do Santo, Pietro de Bernardone e a senhora Pica.
Basílica de Santa Clara
A igreja foi edificada em 1257, em “estilo gótico italiano” (presente na
Itália central), mas com linhas
sóbrias tipicamente franciscanas. A
fachada, construída em fiadas de pedra branca e cor de rosa do Monte Subásio, é
de grande simplicidade e beleza, apresentando um portal renascentista apoiado
em colunas, com dois leões a delimitar o semi-arco, e uma rosácea na parte
superior. As paredes são sustentadas por três enormes e característicos
costelões (arcos rampantes), entre os quais há três fontes em forma de tanque,
elemento natural e vivo na arquitectura de pedra árida. Amplo e belíssimo é o
panorama que se desfruta da grande e belíssima praça em frente da basílica, que
tem no centro uma fonte de 1872: é uma espécie de miradouro sobre o Vale da
região de Perúsia, que tem por centro a aldeia de Santa Maria dos Anjos.
O interior é sóbrio, com uma só nave central e a ábside em forma de cruz.
Esta igreja, projectada por Frei Filipe de Campello, foi construída sobre uma
outra pré-existente, dedicada a S. Jorge, na qual esteve o corpo de S.
Francisco desde a sua morte até ser transladado para a “sua” Basílica.
Ao meio da nave, à direita, entra-se na Capela do Crucifixo, que conserva o crucifixo original de S.
Damiano, diante o qual Francisco sentiu a vocação de se dedicar à “reparação da
Igreja”. Esta capela conserva em vitrinas, ao fundo, paramentos sagrados e
relíquias de santos.
A capela seguinte, do Santíssimo Sacramento, conserva restos importantes de
pinturas realizadas por Giotto (deposição, descida ao sepulcro, ressurreição,
natividade, adoração dos reis magos).
Ao meio da nave central fica a entrada para a cripta, realizada em 1872 para conservam os restos mortais de Santa
Clara, cujo reconhecimento havia sido realizado 20 anos antes.
Clara nasceu em
Assis, em 1194, no seio de uma família nobre. O exemplo de S. Francisco levou-a
a dedicar-se à vida religiosa, caracterizada pela renúncia e contemplação. Em
1212, ela própria se dirigiu à Porciúncula para visitar Francisco, e receber
das suas mãos o hábito característico da vida monástica e de penitência. Depois
de ter passado algum tempo num convento beneditino, do qual os pais procuraram
tirá-la, fundou junto da igreja de S. Damiano o seu convento de Pobres Damas reclusas que, após a morte
da fundadora, passaram a ser chamadas Clarissas.
Durante os 42 anos de vida religiosa que viveu, embora doente, formou muitas
das religiosas para a vida austera franciscana, pregando a caridade e a
pobreza, e dedicando-se à meditação. Morreu em 1253 e foi canonizada dois anos
depois da morte, por Alexandre IV.
Fim da visita na parte central da Itália. Boa viagem até à cidade de
Santo António de Lisboa, conhecido como sendo de Pádua
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