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ANOS É MUITO TEMPO!
Frei Bento
Domingues, O.P.
Público
08NOV2015
1. Continuam a perguntar-me o
que significa o acrescento, O.P., à minha assinatura, nomeadamente nestas
crónicas.
Explico.
Em 1953, no Convento de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, abrindo o tempo de
Noviciado, o Prior conventual, numa celebração comovente, perguntou-me: que
pedis? A misericórdia de Deus e a vossa, respondi.
Disse-me
que esperava que já tivesse recebido a misericórdia de Deus, mas a da Ordem dos
Pregadores (O.P), não era incondicional. Depois de um tempo de experiência,
haveria uma avaliação recíproca e nela se veria se queríamos continuar juntos
ou não. Entretanto, Frei Bento passava a sobrepor-se ao nome que usara até esse
dia.
Não
estranhei muito, pois o padroeiro da minha aldeia é S. Bento e muito perto
havia a romaria de S. Bento da Porta Aberta, a mais importante do norte de
Portugal. Por outro lado, o meu irmão chamava-se Domingos e ao entrar na Ordem
fundada por S. Domingos, passou a chamar-se Frei Bernardo!
2.
Dou agora esta explicação, porque ontem, em Fátima, no Convento que há 62
anos me acolheu, participei na abertura do Jubileu do VIII Centenário desta
Ordem a que pertenço. O Papa Honório III reconheceu-a, mediante algumas Bulas
de recomendação (1216 e 1217), como a Ordem dos Pregadores (O.P.).
Vale a pena
atender a esta designação cuja história sempre me fascinou. Fala-se, com
frequência, da Ordem de S. Domingos, da Ordem Dominicana e, para abranger todos
os seus ramos, da Família Dominicana. É verdade que o seu fundador foi São
Domingos de Gusmão (1170-1221). Era castelhano, viveu em França e morreu em
Itália. Em muito poucos anos, rodeado de alguns companheiros, decidiu responder
a uma lacuna grave na Igreja do seu tempo: a pregação do Evangelho ao povo que
reclamava a reforma de uma Igreja feudal.
Existiam, é
certo, várias tentativas para enfrentar a situação minada pela heresia cátara,
maniqueia. As tentativas existentes não seguiam nem o caminho nem o estilo de
Jesus Cristo e dos Apóstolos. Ao propor o Evangelho, atraiçoavam-no. O grande
poeta, Francisco de Assis, encontrou um caminho: seguir nu o Cristo nu.
Domingos de Gusmão era um teólogo e viveu os primeiros anos de pregação
missionária no Sul da França com um bispo espanhol extraordinário, Diego de
Acebes. Quando este regressou a Espanha, Domingos ficou sozinho até decidir
fundar a Ordem dos Pregadores.
Esta
designação não encontrou bom acolhimento em Roma. Por uma razão simples: a
Ordem dos pregadores era a ordem episcopal. Que surgissem fundações dedicadas à
pregação, era desejável. Domingos, no entanto, não aceitou uma bula papal que
recomendava a sua fundação, como de irmãos que pregam (praedicantes).
Ele queria uma fundação de irmãos cuja vocação e ofício era a pregação e não a
de meros pregadores eventuais. Por isso, conseguiu que a bula fosse raspada e
por cima de praedicantes, o Papa tenha mandado escrever Praedicatores.
Isto pode
parecer um pormenor, mas não é. Estava em jogo a própria essência desta nova e
insólita ordem religiosa.
3. S. Domingos não queria palradores.
Desejava pregadores, pessoas que no silêncio, na oração, no estudo se deixassem
transformar pela graça da Palavra feita carne, para a salvação do mundo. Ficou
cunhada para sempre a expressão sintética deste carisma: contemplar e
anunciar a Realidade contemplada.
Para
transformar os sonhos em realidade, o santo castelhano decidiu, com os seus
companheiros, que a Ordem dos Pregadores seria uma instituição
democrática. As suas Constituições e Ordenações poderiam ser sempre revistas,
mas segundo regras estabelecidas para e pelos Capítulos Gerais. Para unir as
leis humanas e a fidelidade à graça do Evangelho, os Capítulos reuniam-se no
Pentecostes.
A
democracia dominicana permite o melhor, mas cede ao pior quando atraiçoa o seu
carisma e se abandona à vontade de dominar. Todas as vezes que, ao longo dos
séculos, soube ver e escutar a novidade dos sinais dos tempos; sempre que a
fidelidade às suas origens foi vivida nas novas fronteiras do presente, a Ordem
dos Pregadores foi espantosamente criativa. Quando, pelo contrário, confundiu
fidelidade com repetição e se deixou manipular pelos poderes da igreja ou da
sociedade, ofendeu o seu carisma.
Para
encurtar razões e exemplos, recorro a S. Tomás de Aquino, de quem Umberto Eco
dizia: transformaram um incendiário num bombeiro.
«Frei
Tomás (…) nas suas aulas levantava problemas novos, descobria novos
métodos, empregava novas redes de provas e, ao ouvi-lo ensinar uma
nova doutrina, com argumentos novos, não se podia duvidar, pela
irradiação dessa nova luz e pela novidade desta inspiração, que
era Deus quem lhe concedeu ensinar, desde o princípio, com plena consciência,
por palavras e por escrito, novas opiniões[1]».
Cada
sociedade tem a sua história e reescreve-a à medida que ela mesma muda. O
passado só está definitivamente fixo quando deixa de ter futuro, dizia R. Aron.
Desde a sua origem que a Ordem faz a sua história reescrevendo-a para hoje. Não
reproduzimos o passado. Inovamos[2].
08.11.2015
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