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Mensagem encaminhada ----------
De: Nós Somos Igreja Portugal <nossomosigrejaportugal@gmail.com>
Data: 29 de novembro de 2015 às 22:34
Assunto: [NSI-PT 1499] DEUS NÃO PASSA POR NÓS A CORRER Frei Bento Domingues, O.P. Público 29NOV2015
Para:
De: Nós Somos Igreja Portugal <nossomosigrejaportugal@gmail.com>
Data: 29 de novembro de 2015 às 22:34
Assunto: [NSI-PT 1499] DEUS NÃO PASSA POR NÓS A CORRER Frei Bento Domingues, O.P. Público 29NOV2015
Para:
DEUS NÃO
PASSA POR NÓS A CORRER
Frei Bento
Domingues, O.P.
Público
29NOV2015
1. Não esperava que me viessem pedir
contas por Deus não ter feito nada para impedir o massacre de Paris. Essas
pessoas acabaram por concluir que tinham batido à porta errada. Sugeri-lhes,
com toda a paciência, que falassem directamente com Ele e aproveitassem o
encontro para se esclarecerem acerca de todas as guerras e violências que, até
em seu nome, foram desencadeadas ao longo da História. Algumas das narradas na
Bíblia Hebraica até passaram a ser glorificadas na Liturgia católica, como
acontece, por exemplo, na própria Vigília Pascal. Isto sem falar na recitação e
canto de alguns salmos especialmente violentos!
Como não me lembro de ter, alguma
vez, atribuído a Deus as asneiras da iniciativa humana ou os desconcertos da
natureza, não me sinto atraído a abordar casos de polícia como altamente
religioso-teológicos. Tanto os que o culpabilizam como os que o absolvem sabem demasiado
da divindade. Não se dão conta que Deus, em si mesmo, nos é totalmente
desconhecido (omnino ignoto).
Fui vacinado, muito cedo, pela
corrente mística da teologia negativa ou apofática. Esta prática
teológica tem o bom senso de fazer acompanhar todas as afirmações,
acerca da divindade, de uma luminosa negação anti-idolátrica. A paradoxal
oração do dominicano alemão, Mestre Eckhart (1260-1327) – Deus, livra-me de
Deus – confessa, de modo enérgico, que não nos podemos fiar nas fórmulas
que julgam apanhar Deus na sua rede. S. Tomás de Aquino sustentou que a própria
letra dos Evangelhos, sem o sopro libertador do Espírito, se pode tornar uma
prisão, uma letra que mata.
Quando me entregaram o grande
roteiro da viagem teológica para principiantes, a Suma Teológica, fui
logo avisado, pelo autor, de que não iria passar a saber como era Deus, mas
sobretudo como Ele não era, Deus conhecido como desconhecido[1].
No âmbito religioso, pelo salto de
significação que permite, a linguagem metafórica é a menos inconveniente. Na
grande poesia e na grande música todas as viagens são possíveis, mistério do
Mundo, mistério de Deus.
2. Ao falarmos tanto, sobretudo desde o séc. XIX, da morte
de Deus, do silêncio de Deus, de se lançar a suspeita sobre tudo o que se
relacionava com as religiões, foi esquecido um pequeno pormenor: tomou-se uma
importantíssima questão cultural da modernidade europeia, como se fosse o
retrato da situação religiosa universal. Resultado: não entendemos o que se
está a passar na Europa, nem no resto do mundo. Não sabemos qual o sentido da
civilização que herdamos, nem a que estamos a construir.
Vivemos num mundo de negócios. Sem
negócios não se pode viver. Estes são cada vez mais globalizados. Mas o negócio
dos negócios é o comércio de seres humanos e de armas. Chegámos a um ponto em
que sem a indústria bélica, muita gente iria para o desemprego. Com o seu uso,
muita gente vai para o cemitério.
Quando se pensava que o tempo das
guerras religiosas, das Inquisições, das Cruzadas tinha acabado, reaparece a
união entre armas e religião, em pleno coração da Europa. Os pseudo-religiosos,
os terroristas, usam as armas em nome de Deus. Os laicos usam as armas para se
defenderem dessa religião, confessando, e ainda bem, um respeito sagrado pelas
religiões que ignoram. Petróleo oblige.
3. Quando João Paulo II se opôs, da
forma mais firme, à guerra no Iraque, ignoraram-no. Ele estaria a defender os
interesses cristãos da zona. Quando o Papa Francisco advertiu que era urgente
suster a calamidade do Estado Islâmico, uns ignoraram-no, outros comentaram: o
pacifista converteu-se à guerra justa. Também ele estaria a defender os
cristãos dos massacres que os tinham por alvo preferencial.
Não basta intensificar o diálogo
inter-religioso, embora seja muitíssimo importante que todos confessem que um deus
que incita à violência gera uma religião diabólica, uma anti-religião.
Religiosos e não religiosos,
místicos ou ateus teremos de aprender a viver no mesmo mundo, não como uma
fatalidade, mas como uma oportunidade de nos tornarmos mais humanos, com o
contributo de todos. Os cépticos dirão que não passa de uma utopia, mas que
seria de nós sem aquilo que nos faz andar?
A liturgia católica celebrou, no
domingo passado, Jesus Cristo Rei do Universo, ajuda difícil para as monarquias
em dificuldades. É um rei coroado de espinhos e cravado na cruz. Ele próprio
confessou que não era o poder que lhe interessava. Se assim fosse teria
organizado um exército. Para ele só contava a alegria da vida humana, a sua
verdade última. Assim terminava o ano litúrgico. Hoje recomeça, com o Advento,
mas Deus na sua caminhada com os seres humanos não passa a correr.
Segundo o Novo Testamento, adopta os
ritmos e os zigue-zagues da história humana, para que ninguém se sinta perdido.
Insere-se nos seus movimentos para abrir brechas de esperança.
Na situação actual, parece que
ninguém sabe para onde caminha a nossa civilização que, ao mesmo tempo que se
globaliza, se despedaça em fragmentos irreconhecíveis, esquecendo que somos
todos migrantes da mesma promessa.
Não passemos este Advento a correr.
Precisamos de tempo para nascer de novo, para descobrir que outro rumo e outra
vida são possíveis.
29.11.2015
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