RELIGIOSIDADE
POPULAR
Trabalho de ARTUR
RODRIGUES COUTINHO,
Ano de 1982-1983.
1. 0 FENÓMENO
RELIGIOSIDADE POPULAR pág.
1
2. O CONCEITO
DE RELIGIOSIDADE POPULAR pág.
4
3. RELIGIOSIDADE
POPULAR E LITURGIA pág.
6
4. RELIGIOSIDADE
POPULAR E OS SACRAMENTOS pág.
8
4. a. O BAPTISMO pág. 13
4.
b. A EUCARISTIA pág. 17
4. c. O MATRIMÓNIo pág.
22
4. d. A MORTE pág. 28
5. A PASTORAL
POPULAR pág. 44
6. PARA A
PASTORAL DUMA PARÓQUIA pág. 48
7. UM PLANO DE
PASTORAL pág. 51
8. BIBLIOGRAFIA
pág. 54
O FENÓMENO RELIGIOSIDADE
POPULAR
Este fenómeno de Religiosidade
Popular,estudado no Concílio Vaticano II, tem sido, nesta era pós-conciliar,
objecto de investigação, a começar pela II Conferência Geral do Episcopado
Latino-Americano (CELAM), realizada na cidade de Medillin, Colômbia, de 26 de
Agosto a 6 de Setembro de 1968.
Não admira que seja na América, onde a
questão foi posta ao rubro, pois já na década de 40 que naquele continente,
sobretudo,em alguns países, se começou a pensar a fundo na renovação pastoral,
tendo algumas instituições da Igreja,mais em contacto com a Religiosidade
Popular, caído numa atitude de conformismo e ingenuidade.(1)
Do documento dimanado da referida assembleia
se verifica a enorme vantagem e aspectos positivos da referida Religiosidade e
porque é um facto para 90% do Povo de Deus, o documento insurge-se contra uma pastoral
litúrgica de elites minoritárias que marginaliza as grandes massas.
Foi o primeiro grande empurrão para os
pastoralistas reverem as suas iniciais posições a partir do Concílio e
interessarem-se mais a sério pelas manifestações da Religiosidade Popular.
Esta acção nova tem levado também aos extremos
alguns ousados da pastoral, como se verificou na Argentina, com a proclamação
da Igreja Popular,que João Paulo II condenou.
Mas, segundo o Prof. Maldonado, as causas
desta redescoberta situam-se mais na sensibilidade política que ultimamente tem
mudado na realidade "povo",na crise cultural duma nova civilização
caracterizada pelo desenvolvimento técnico-industrial e também na viragem
própria da Teologia que desce mais ao facto, à experiência religiosa concreta e
real da pessoa.
Enquanto o mundo for mundo, o homem há-de
interrogar-se continuamente: Quem é o nosso Deus?
A resposta há-de encontrá-la na vida e, sendo
única para todos os crentes, ela manifesta-se de modo diferente ou pode expressar-se
com tonalidade diversa na pessoa ou no grupo.
Claro
que com o desenvolvimento da ciência, ela explicou, explica e explicará muita
coisa que o homem desconhecia. No entanto, a ciência não é tudo e detém-se às
portas do mistério, ficando as grandes questões que apaixonam e embaraçam o
homem, sem resposta. 0 que se diz para uma sociedade com sua cultura própria e
pobre, diz-se, a propósito, para uma sociedade abastada e também com uma cultura
mais evoluída, porque também para esta o seu porquê último ficará por responder.
Como diz Mircea Eliade, "quanto mais o homem é religioso, tanto mais ele é
real, pois se liberta da irrealidade duma existência privada de
significação".(1)
(1)
Religiosidad Popular y Pastoral, Ed.
Cristandad, 1979, pág. 48.
(1) Mircea
Eliade, Traté d'Histoire des Réligions, Paris, Payot, 1953, pág. 392.
0
refúgio do homem na paternidade divina, como uma criança que se sente segura
junto do pai, não é irresponsabilizante, é, antes, um motivo para uma responsabilidade
maior, individual e colectiva. Deus não nos substitui, mas, antes pelo
contrário, compromete-nos e lança-nos na aventura e no risco. Exige acção pessoal
e não admite a passividade.
A
Religiosidade aparece como um esforço do homem para atingir o sen sentido sem,
no entanto, querer ser o único meio, ser tudo.
A
Bíblia mostra-nos como Deus veio ao encontro do homem, pois não era possível a
este chegar à plenitude de Deus, sem que Deus descesse até ele, em Jesus
Cristo. A Bíblia, desde Abraão a Jesus Cristo, mostra-nos uma pedagogia divina
progressiva do "tirar o véu" às coisas mais recônditas do homem.
Transformada
esta Religiosidade em fé viva e actuante, ela purifica-se e perde
progressivamente a ambigüidade da superstição, do medo ou da alienação a que estava
sujeita. Esta Religiosidade não demite a humanidade do esforço, da actividade,
da diversidade e mantém o homem iluminado, esclarecido no contacto com a fé
verdadeira no Deus vivo.
Deste
modo, a Teologia crítica tem de dar lugar a uma Teologia menos dogmática,menos
intelectualista, mais acessível ao povo e mais incarnada da sua alma e dos
sentimentos, criando maior interesse na massa do povo.
Ê
preciso notar que este povo a que nos referimos não é apenas formado de
ignorantes e analfabetos, mas é todo o seu conjunto de pessoas com menos ou
mais cultura que é muito pouco dado a " especulações e raciocínio" e
precisa de captar intuitivamente pela clareza dos conceitos, das palavras e
pela sensibilidade,ou então vai desinteressar-se dos dogmatismos.
Liturgicamente, foram suprimidos ritos, símbolos e sinais que poderiam tornar
a palavra,na Liturgia, mais sacramental, mais compreensível aos ouvidos do
povo, originando uma Liturgia "de elites minoritárias", constituídas
por comunidades de base, movimentos e grupos especializados de Liturgia, etc,
contra as massas que não entendem a sua linguagem.
A
história mostra-nos que, desde sempre, mais ou menos conscientemente,o homem se
interrogou sobre o sentido do seu viver, a razão de si mesmo e do universo.
"A
história da religião começa com a história do pensamento". (2)
0
Homem procurou explicar o seu destino e tentou adivinhar a além-morte, olhando
para a regeneração da natureza na Primavera e a sua destruição no Outono e, se
isso o levou a tirar conclusões muitas vezes falsas e arrojadas, tem, todavia,
um grande valor - o de procurar descobrir a explicação do porquê último das
coisas, principalmente, da vida.
Deste modo, chega
mesmo a pressentir a existência dum Outro que preside à aventura humana e sobre
ela providencia.
(2) A
religiosidade Popular, Cadernos P. A. P., de Manuel Clemente, Centro de Es
tudos
Pastorais do Patriarcado de. Lisboa.
Cada
povo tem a sua cultura e a sua Religiosidade. Daí que a resposta da religião,
sendo a mesma para todos, tem forçosamente de usar linguagem diferente para cada
região. É vulgar, mesmo, verificarem-se as diferenças de cultura (de interpretação
e de vivência), numa só paróquia, numa só comunidade.
Assim,
poderei apontar, como caso concreto, a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima,
Viana do Castelo, que está, naturalmente, dividida em três zonas diferentes
pela cultura própria e distinta uma das outras, sendo necessário descobrir
também uma linguagem própria para atingir os diversos sectores sócio-religiosos,
sem fugir dos objectivos da evangelização.
Trata-se,
ao mesmo tempo, de um fenómeno de carácter cultural e antropológico, como diz
Manuel Clemente. (1)
0
homem teve a primeira ideia de salvação, ao observar a regeneração cíclica da
natureza, e as festas cristãs absorveram datas e colarações dos ritos qie
celebravam os movimentos cósmicos, símbolos e quadros de regeneração da pessoa
individual e colectiva.
"A
Religiosidade Popular é 'imaginosa', na medida em que se apega às quatro
grandes realidades primordiais - água, fogo, terra e ar - matrizes de todas as
imagens: a água do Baptismo, o fogo dos círios, a terra das sepulturas, o ar
dos espíritos. Quer-se em profunda comunhão com a solidez elementar do universo
e, por isso, se apega aos reflexos das imagens fundamentais. Não adoptara símbolos
novos, porque os quer densos, com a perenidade dos grandes símbolos cósmicos.
(1)
Por
isso, a Religiosidade Popular reage sempre contra qualquer Liturgia intelectual
que pretenda roubar-lhe a relação cósmica. Ela é mais apreciadora dos
sentimentos que as imagens, os símbolos oferecem significações pela
racionalidade dos detalhes ou das palavras.
Não
podemos, portanto, na pedagogia da evangelização, esquecer a própria riqueza latente
da alma do povo que queremos atingir, ou malograda será a pastoral a que nos
propusermos.
Este
trabalho pretende descobrir valores que devem ser salvaguardados e aproveitados
na evangelização, pretende descobrir ritos, expressões, símbolos e sinais da
Religiosidade do povo cristão, para que este melhor entenda e mais se
interesse, sem se refugiar mais noutras formas ausentes de sentido ou de
sentido deturpado.
Eis
ao que me proponho, muito modestamente, sem grandes atavios, levar a cabo.
(1) Cadernos
P. A. P., na 8, do Patriarcado de Lisboa, pág. 5.
0 CONCEITO DE RELIGIOSIDADE POPULAR
Antes
de avançar mais, convém, no entanto, definir os termos da questão para que nos
situemos em idêntica perspectiva, evitando confusões ou interpretações menos
correctas.
0
termo Religiosidade não é de fácil definição, mas traduzimo-lo como algo
que há de mais íntimo na alma do povo em relação a Deus e ao mundo transcendental.
(1)
A
Religiosidade Popular é a busca de Deus e da fé, própria de cada cultura e
manifesta a particularidade de cada extracto social; daí a sua variedade e a
sua raiz assente numa fé pouco intelectual. 0 povo detecta, pressente e busca
Deus na cerimónia, no objecto e no ambiente em que se encontra, que o envolve.
Aparece muitas vezes, nas suas manifestações externas eivado de expressões
incorrectas pelo exagero ou pelo desvio. Mesmo assim, não deixa de demonstrar
um alto sentido de Deus e das aspirações existenciais do espírito que escapam,
muitas vezes, aos pastoralistas e que, aproveitadas como Paulo VI na
"Evangelii, Nuntiandi" alerta, poderiam servir para uma mais
eficiente pedagogia da evangelização.
"Se
essa Religiosidade Popular for bem orientada, sobretudo, mediante uma pedagogia
da evangelização, ela torna-se rica de imensos valores." Assim, ela traduz
em si uma certa sede de Deus, que somente os pobres e os simples podem experimentar;
ela torna as pessoas capazes de terem rasgos de generosidade e predispõe-nas
para o sacrifício até ao heroísmo, quando se trata de manifestar a fé; ela
comporta um aturado sentido dos atributos profundos de Deus: a paternidade, a
providência, a presença amorosa e constante, etc. Ela suscita, ainda,atitudes
interiores que raramente se absorvem algures no mesmo grau: paciência, sentido
de cruz na vida quotidiana, desapego, aceitação dos outros, dedicação, devoção.
Em virtude destes aspectos, nós chamamos-lhe, de bom grado, "piedade
popular" no sentido de religião do povo, em vez de Religiosidade.
0
termo Popular comporta o povo no sentido mais amplo da palavra...0 conceito
de povo é reivindicado pelas várias ciências e não vamos explorar nenhum destes
conceitos, porque qualquer deles estaria incompleto e inadequado.
Também
não pretendemos identificar este "povo" com a "Igreja Popular"
ou "Igreja das massas", hoje muito em voga, com o termo muito usado
na Europa Central com "massas populares", tomando um sentido
prejorativo por certas correntes sócio-políticas. (2)
0
povo a que nos referimos é todo aquele para quem veio a salvação, todo o povo
que foi redimido pela Cruz de Cristo, no Calvário; todo aquele que, como pessoa
é capaz de se relacionar com Deus, porque conhece a Sua Voz,acolhe a Sua Palavra
e nela se imerge, seguindo-O.
(1) Ora
e Labora, nº 4, 1976, pág. 247.
(2) Ora
e Labora, nº 4, 1976, pág. 248.
Portanto,
no termo "povo" está o humilde e o orgulhoso, o ignorante e o sábio,
o pobre e o rico, o de todas as raças, línguas, etnologias, culturas no seu
conjunto, o de todos que aspiram ou manifestam necessidade de se relacionar com
o transcendental - numa palavra, todo o povo anónimo das diferentes categorias
sociais que se reconhece intuitivamente dependente de Deus, colocando-se numa
esfera de permanente abertura e escuta, percepção e intuição das realidades
espirituais. Todo esse homem que se relaciona com o transcendente para além da
sua competência profissional ou posição social, pode ser povo, seja professor
ou aluno, patrão ou operário, general ou soldado, sacerdote ou leigo.
Assim
visto, a Igreja não pode converter-se a uma elite minoritária de privilegiados,
mas há-de erguer-se por uma dinâmica interna capaz de a todos leva: a mensagem
que lhe foi confiada.
Esse
foi o mandato que os apóstolos, na Galileia, receberam de Jesus.
Religiosidade
Popular
é, portanto, a expressão anónima da fé popular que existe antes da Religião
Oficial e com o aparecimento desta, que muitas vezes utilizou conceitos
abstractos e dogmáticos, imperceptíveis pelo povo, originou ainda uma maior
acentuação de fórmulas simples, directas e rendosas, mais perceptíveise muito
do seu gosto.
Para
a considerarmos, não nos podemos abstrair de três factores muito importantes na
Religiosidade: os pastoralistas, o povo e a Religiosidade do povo,como veremos
na conclusão deste trabalho.
A
RELIGIOSIDADE POPULAR E A LITURGIA
Todos sabemos que a Liturgia deve ser a expressão da
vivência religiosa; daí que ela deva estar em consonância com uma percepção
imediata pelo povo.
Por isso, a Religiosidade Popular, com todos os seus
ritos, festas, cerimónias e símbolos, deve ser aproveitada para uma Liturgia
Oficial que satisfaça a aspiração da alma do povo.
A Liturgia Oficial e a Liturgia Popular sempre se
contrapuseram em duas linhas distintas, mas não paralelas, ja que frequentemente
se entrecruzam e confundem. (l)
Todo o trabalho da Igreja, conhecemos pela história da
Liturgia,tem sido precisamente, conjugar o cristianismo com o paganismo das
populações rurais e urbanas, aproveitando o que é positivo e numa linha de bondade
e honestidade naturais, segundo a Palavra de Cristo: "Não vim para destruir,
mas para completar". (Mt. 5,17)
Como nos primeiros tempos da evangelização, como
poderemos verificar através do aparecimento dos evangelhos apócrifos, volta-se
hoje a pôr de novo o grande problema das relações do-/cristianismo com o neo-paganismo
que provém do despertar do sentimento profundamente religioso e autêntico,à margem
das igrejas cristãs e plenamente eivado de características próprias da época
que atravessamos.
Sobretudo, este despertar surge no mundo da cultura e das
grandes cidades. É vulgar aparecerem grupos de jovens de forte expressão
religiosa, embora, muitas vezes, extravagante.
0 homem dos nossos dias sente-se desiludido, frustrado e esmagado por um
progresso que o escraviza e desumaniza; por isso, para superar esta situação,
tem necessidade de se reencontrar a si mesmo, numa identidade espiritual,
religiosa, relacionando-se com o transcendental e divino. Isto é uma prova de
que, para além de todas as regras sociais e jurídicas de qualquer
religião oficial, Deus está no coração de cada homem,como razão única e última
do seu existir. É,neste campo, que temos de dar conta de como a Liturgia
Católica se apoia num tronco religioso de Religiosidade natural.
Os sacramentos e as festas são meios que nos poderão
servir para a descoberta desta inserção "sui generis" numa
infra-estrutura de paganismo religioso.
Assim, 0s sacramentos,
segundo vários testemunhos da Patrística, foram vistos como uma assimilação
transformadora de realidade simbólica pagã.
Os pagãos serviam-se de símbolos. Segundo Clemente de
Alexandria,os pagãos conduziam a alma através de realidades simbólicas que eram
manifestação, reflexo, revelação do divino, mediação e véu que oculta.
"Em Cristo, este véu torna-se transparente e o muito
converte-se em mistério, em sacramento".
(l) Ora Labora, pág. 248, n° 4» 1976.
Para interpretar os novos mistérios cristãos, os Santos
Padres lançavam mão de todo esse mundo de símbolos e muitos usados, sobretudo
pelo paganismo grego: o sol, a lua, a árvore, a cruz, a água, o óleo, o dragão,
a serpente, a noite, as núpcias, etc. (segundo Lourenço- Moreira da Silva
O.3.B.).
0 povo é sensível na sua Religiosidade, sobretudo, a
quatro sacramentos que correspondem a quatro grandes acontecimentos da vida: o
Baptismo, a Eucaristia (Primeira Comunhão), o Matrimónio e a Santa Unção (morte-funeral),
assim como às festas dos padroeiros, de Nossa Senhora,do Senhor e às festas
principais do cristianismo - Natal e Páscoa.
São também sensíveis ao aparecimento da luz do dia e ao
entrar na escuridão da noite.
São momentos de interrogação as grandes calamidades, as
doenças, os empreendimentos de grande monta dos quais requerera o bom sucesso,
procurando a todo o custo afastar a ideia do infortúnio, do malogro, "do
agouro".
Em todas estas situações, o povo tem o seu relacionamento
próprio c/o transcendental, com o divino. Tem, portanto, valores que devem ser
aproveitados para uma pedagogia de fé eficiente, falando-lhes na sua linguagem,
na linguagem que está pronto a acolher,
a abraçar e a seguir.
Deve ser a preocupação da Liturgia ir ao encontro desta
aspiração, para nos sacramentos,atingir com a simbologia própria, os vários
aspectos da vida humana e tornar-se acessível ao homem como o homem pretende ser
simples e imediato, na sua relação com Deus.
Quanta fórmula que o povo descobriu para a sua vida de
cada dia que tem sido combatida, quando, afinal, havia apenas de ser transformada
e melhorada. Essas fórmulas que o povo, por si, descobriu ou que os outros,
através dos tempos, lhes ensinaram, não são valores para enterrar,mas para pôr
a descoberto. São as fórmulas capazes de manter, no entanto, o coração do povo
aberto, inclinado e dócil à acção do divino, à acção do Espírito de Deus.
É o caso da oração to Terço que hoje, por motivos de vária
ordem,está a ser esquecida e, também por esse motivo, começa a haver mais
"ateismos”, mais esquecimento de Deus, mais dispersão para o coração do
homem que, muitas vezes e mais tarde, acaba por sentir um vazio e a necessidade
de se encontrar de novo consigo próprio e de voltar à Casa do Pai.
A RELIGIOSIDADE
POPULAR E OS SACRAMENTOS
Disse
já que o povo é sensível, particularmente à celebração de quatro sacramentos
que correspondem a grandes etapas da sua vida individual e social.
É
o sacramento um sinal que serve ao povo de suporte, na esfera do seu
relacionamento, frente a frente com Deus e com aqueles que têm a mesma fé.
0
povo tem consciência da sua fé, da sua Religiosidade, embora nos pareça, muitas
vezes, superficial, mas na hora própria confessa a sua pertença a um povo que
acredita no mesmo Deus.
0
nosso povo, segundo a opinião te teólogos e pastoralistas americanos,
encontra-se ainda longe duma fé madura, adulta. Mais se parece com a fé
messiânica do Antigo Testamento.
É
a prática dos sacramentos um índice forte ou diluído do cristianismo. Por isso, é urgente explorar a vida
sacramentária, a partir da cultura, da vivência própria que possui.
Isto
é um facto e já vem desde a sarça ardente, desde a primeira aliança do povo
escravizado nas terras do Egipto, entre Moisés e Javé(Deus).
0
povo judeu sentiu-se libertado e, no nomadismo da sua vida a caminho da terra
prometida (a terra da promessa), onde não haveria mais escravidão, viveu
momentos de coesão, de unidade, de personalidade corporativa. Aí nasceu a fé,
como substrato, devendo ser amadurecida até chegar à plenitude, em Cristo. Este
arranque, como o que se verificou em Abraão, marca o início do itinerário
difícil da fé, caindo muitas vezes em superstições, mitos, magias, etc...,
segundo o processo cultural de cada grupo humano. Foi o sedentarismo na terra
prometida, momento de desequilíbrio social, confrontando-se com outros povos e
dividindo-se sociologicamente entre eles. Até ali, não havia,entre eles, pobres
nem ricos, mas a ambição humana a que estavam sujeitos e a confrontação com
outros povos sedentários com desigualdades sociais, criou neles um caminho bem
diferente, levando-os ao exílio e ao ressurgir de novos profetas a proclamar uma
nova esperança - a esperança messiânica.
A
desvirtualização do culto e do seu personalismo próprio que se tornou
desagradável a Deus foi objecto da denúncia dos profetas, levando-os a criar
uma figura nova do futuro - "o pobre de Javé".
Era
o Jesus esperado, como Messias e Salvador dos pobres e "no mistério da
encarnação sujeitaria toda a salvação ao mistério sacramental da pobreza".
Desde
o início da caminhada, este povo a quem Deus falou em linguagem simples e acessível,
criou também uma linguagem tão simples como a sua própria cultura, recorrendo
aos símbolos para o seu relacionamento c/ Deus.
Esta
linguagem deu a este povo um sentido de pertença, não enquanto compromisso
numa transformação histórica da sua vida, mas como um acto de
"solidariedade" mútua. É por isso que os sacramentos se encontram em
relação com os momentos importantes da sua vida para solidarizar, avivar a
consciência da comunidade, em volta da mesma crença, da mesma fé, para criar
momentos de encontro com Deus e com os outros, para se identificar e criar
ocasiões festivas, como antídoto contra a tristeza que a vida, muitas vezes,
lhe acarreta.
0
Homem é intrinsecamente corpo e espírito e, como corpo, os sinais sacramentais
eram e são gestos sensíveis; por isso, recorrem já no Antigo Testamento, a
toda uma simbologia corpórea. Foi e é uma necessidade antropológica,
psico-biológica. Faz parte da sua estrutura religiosa e daí a necessidade de um
comportamento sacramental. Esta prática sacramental misturou-se de elementos
religioso-culturais indígenas, civis, políticos e económicos, como é óbvio.
Por
exemplo, receber o Baptismo foi já significado de gozo de direitos e
privilégios, deixar de ser escravo.
É
hoje,ainda, sinal de prestígio e de segurança. Quantas vezes os pais vêm pedir
o Baptismo para o bébé que se encontra enfermo ou para que, mais tarde, possa
ser integrado em actos públicos vedados aos pagãos, deixando, assim,
transparecer, às vezes, interesses deteriorados. É um fenómeno complexo que
exige ao sacerdote muito tacto para descobrir a presença da fé.
Como
temos dito já e, se assim cremos, cada cultura terá o seu contexto simbólico
próprio que interessa descobrir para que, eliminando preciosismos negativos,
nos sirvamos dos valores positivos próprios para,na sua própria linguagem e
virtudes, tornarmos acessivel o Evangelho.
Não
podemos esquecer sociologicamente que as manifestações religiosas, às vezes,
desconcertantes ou deformadas, podem, mesmo assim, esconder vivências íntimas
e profundas que importa realçar para trazer ao de cima Jesus e a Sua
mensagem... Quantas devoções, santuários, festas, assim como, muitas vezes, os
sacramentos, são, às vezes, significado de comércio.
Os
economicamente abastados podem pôr em evidência toda a sua vaidade e ostentação
e os outros, muitas vezes, não passarão de meros espectadores, conformando-se
pacientemente com injustiças que bradam aos céus.
Observa-se
isso todos os dias, sobretudo, na sacramentalidade do nascimento, da iniciação,
do matrimónio e na morte, já para não falar dos outros sacramentos menos
procurados pelo povo.
Continuando
a reflectir sobre os sacramentos, encontramos neles a raiz de muitas festas
familiares.
0
Baptismo, para além de ser um sacramento de fé e de inserção no Corpo Místico de
Cristo que é a Igreja e até a purificação do pecado original, ele é, na alma do
povo, motivo para a grande festa familiar do nascimento.0 casal sente-se
crescer, sente-se coroado e, como tal, celebra o acontecimento, dando-lhe
dimensão social. Acontece o mesmo em todas as religiões. Entra em jogo o
mecanismo social que reconhece o aparecimento duma nova vida e, assume, perante
a família, o compromisso de a defender e fazer crescer.
Em certos meios de
Religiosidade Popular, aparece também o aspecto da oferta do recém-nascido a
Deus, como o sinal do Seu domínio absoluto sobre a criação. Só é pena que sejam
poucos os pais que, ao virem pedir o Baptismo, tenham consciência de todas as
dimensões do sacramento,mas não é adiando o Baptismo para uma fase adulta que
supriremos a ignorância dos pais, porque, de qualquer modo, como vão celebrar
eles a festa do nascimento... ir ao mundo do paganismo buscar outras formas,
com certeza.
Não
é também atentar contra a liberdade da criança, porque, nesse sentido, também
teriam de ser suspensas as acções dos pais em ordem à promoção humana,profissional e
cultural dos seus filhos.
A
Eucaristia, sacramento da presença de Deus
na humanidade de Seu Filho Redentor, é motivo de outra grande festa familiar
correspondente à Primeira Comunhão e Comunhão Solene. Mas,em todas as
religiões, existem ritos que correspondem a celebrações próprias para assinalar
a passagem da infância para a puberdade. De facto, trata-se, no aspecto humano,
de um acontecimento importante na vida da pessoa.
A
Igreja, aproveitando este acontecimento natural e sem se confundir com ele,
chamou a si esta celebração com a Comunhão Solene ou Profissão de Fé que,
intencionalmente, a antecipou para o fim da infância e início da adolescência,
dando, pela tradição cristã, às vestes brancas um significado de prolongamento
das vestes do Baptismo, como símbolo da inocência. Deste modo, a Comunhão
Solene marca um período novo na iniciação cristã, com a renovação das promessas
do Baptismo e Profissão de Fé. É um momento da vida humana e cristã que não
esquece e, quantas vezes, a sua lembrança é motivo de regresso
àqueles que se afastaram por este ou por aquele motivo, por uma crise ou
perturbação de fé surgida na idade juvenil. Esta festa é uma festa também
para toda a comunidade paroquial; eis, deste modo, a dimensão social do
sacramento. É ocasião de movimentação dos adultos, aproximando-os e unindo
profundamente as pessoas, reconciliando-as, muitas vezes.
Aspectos
negativo há-os, com certeza, mas não será por isso que deixamos de dar
oportunidade a estas celebrações. Pelo menos, não temos nós, Igreja, outra
coisa que substitua este rito que é um rito natural.
Há
um outro acontecimento natural na vida do homem - é a "plenitude" da
sua maturidade física e psicológica.
Portanto,
todos os povos, pagãos ou não, celebram esse acontecimento com o casamento.
O
Sacramento do Matrimónio, para além da passagem da condição de solteiros à de
casados, significa, para a Religiosidade Popular, a consagração dos esposos
para a missão que Deus lhes confia.
São
poucos os noivos que atingem toda a profundidade do casamento, mas também não
podemos ser puritanos neste aspecto, pois para a maioria só não sabem explicar
o que sentem, porque, no mais profundo da sua alma, muitas vezes se encontra
irmamente e intuitivamente aquilo aquilo que gostaríamos de verificar com a
clareza da Matemática. Cabe aqui também o bom senso dos pastores e a prudência
que deve ir à frente como um tocheiro na procissão.
Apesar
de tudo, para aqueles que só vão à igreja nestas ocasiões, continua a ser muito
importante "casar pela Igreja".
A
finalizar a vida do homem, este depara-se com o problema da morte. É momento
que tem de ser celebrado no universo, seja ele de que religião for. É o mundo
transcendental do além, do misterioso, do desconhecido,do trágico que entra em
jogo. 0 culto dos mortos sempre foi celebrado como profissão de fé consciente
ou inconsciente na vida do Além.
A
Igreja celebra-a desde sempre, como não podia deixar de ser, inserindo o
acontecimento no mistério pascal de Cristo. Deste modo,dá-lhe um dualismo
celebrativo de dor e de luto, de esperança e consolação. É este fenómeno, entre
as grandes celebrações da vida humana, aquele que consegue juntar maior número
de pessoas, mesmo que não tenham prática religiosa evidente.
É
o funeral ocasião propícia para uma pastoral adequada e, aproveitando o
ajuntamento das pessoas crentes ou não crentes, para as despertar da mornice
da vida e as levar a descobrir o sentido do viver e a esperança do porvir.
Sendo
estas grandes festas familiares motivo de grandes preocupações para os pastoralistas, não deixam de ser
também as grandes festas do povo, como as romarias, as procisões, os
sermões, as festas das almas, da Senhora, dos Padroeiros, dos Santos, do
Santíssimo, etc...
Queiramos
ou não, em todas elas há três aspectos muito importantes que nunca poderão
deixar de coexistir.
Isto
pelo facto da pessoa ser corpo e alma, ela projecta-se nestas dimensões,e nunca
haverá verdadeira festa religiosa, se não houver a parte recreativa e comercial,
embora, muitas vezes, estas sobressaim sobre aquela e lhe dêem um carácter
negativo. E ao o exagero que ofusca a parte religiosa que deveria ser revista,
pois
continua a prudência a estar em campo, porque não e com preciosismos do sagrado
que vamos acabar com ele para lhe retirarmos a parte negativa.
E
inútil lutar pela separação, porque o homem, depois de entrar em contacto com
Deus, quer,como substância corpórea que também é, entrar em contacto com 0s
outros homens em diálogo, à mesa, num ambiente de alegria
de
cor e som e até de dança. Lutar contra este aspecto é desconhecer a festa
religiosa do povo do Antigo Testatamento, é desconhecer, mais do que isso, a
inclinação natural e a essência da natureza humana.
Apenas
urge eliminar 0s abusos, as manifestações de vaidade que seriam
humilhação para outros e não será batendo no bébé que ele deixará de chorar. Oa
pastores têm de agir habilmente com a persistência
e paciência, descobrindo e esclarecendo, mas sempre aproveitando esses tempos
fortes com uma pastoral renovada para catequizar, para evangelizar, para tornar
o Evangelho vida e verdadeiro anúncio do Reino de Deus próximo.
O
BAPTISMO
No
Cancioneiro Popular o povo canta:
1. Foi o São João
Baptista, (Mt.3,13)
Filho de Santa Isabel; (Lc.1,57 e 63)
Baptizou
o primo Cristo, (Mc.1,9; Lc.
1,36)
C
Pôs-Lhe o nome Emanuel.
(Lc.1,31; 2,21
Mt.1,21; Is.7,14)
2. Ó que lindo
baptizado (Mc.
1,9)
Lá no Rio Jordão: (Mc. 1,9)
São João a baptizar
Cristo, (Mc.
1,8)
C
Cristo a baptizar João.
3. Minha mãe
chama-me Rosa,
Eu Rosa não quero ser;
Baptizei-me
por Maria,
C
Sou Maria até morrer.
4. São João
baptizou Cristo,
Filho de Santa Isabel;
São
João era Baptista,
C Pôs-Lhe o nome de Emanuel.
5. Ó meu rico
São João,
Ó
meu santo marinheiro;
Tu
hás-de ser o padrinho
Do
meu menino primeiro.
6. São João Evangelista,
Filho
de Santa Isabel;
Baptizou a Jesus Cristo,
C Pôs-Lhe
o nome Emanuel.
7. Quero muito a meus
pais,
Que me deram a criação;
Quero mais a meu padrinho
Que de moiro me fez cristão.
Nestas
quadras (1 e 2) encontramos valores cognitivos sobre o Evangelho. A quadra 5
realça a ideia de padrinho, introdução mais tardia, talvez para demonstrar o
carácter social do Sacramento "Ensinai todos os povos e baptizai-os em
nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mt . 28,19) e ser testemunha e
garantia no assegurar não só a educação na fé, mas também a promoção humana do
neófito. "E vós, padrinhos, estais dispostos a ajudar os pais desta
criança no cumprimento do seu dever?" (Ritual do Baptismo) Daí o cuidado
na escolha dos padrinhos qua ainda hoje existe na Religiosidade Popular - a
escolha recaí quase sempre em pessoas bem colocadas na sociedade, pelo menos em
relação aos pais (amigos ou familiares).
"Quem
não tem padrinho, morre moiro", diz o ditado e a quadra 7.
Está
em desuso o facto de se escolher um santo, a Virgem Nossa Senhora,para padrinho
ou madrinha de Baptismo, respectivamente (8 e 9):
8. S.
Bartolomeu do Mar
É pardinho
de Maria,
Eu
também sou afilhada
C
Da Senhora da Abadia.
9. Ó Senhora da Abadia!
Da Abadia Senhora minha,
Chamai-me Vossa afilhada
C Que
eu Vos chamarei madrinha.
Os
padrinhos de uma criança ficam sendo compadres entre si e entre eles e os pais
do neófito.
Há
regiões onde os pais e os padrinhos fazem numerosos convites a amigos, vizinhos
e familiares e vão de casa para a igreja, em cortejo, onde não faltam os
confeitos para atirar à rapaziada que se lança em tumulto a apanhar do chão.É dia
de festa para a família e para todos. "É com muita alegria que a
comunidade cristã te recebe". (Ritual do Baptismo)
A
importância do nome (3) dado à pessoa aparece nestas quadras e,de facto, ainda
há quem responda, quando, porventura, alguém lhe troca o nome: "Troque-me
a porta, mas não me troque o nome".
0
nome é sagrado (4). "Que nome dais ao vosso filho?" (Ritual do Baptismo)
Dá-se o nome do pai ou da mãe, do avô ou da avó, de um parente ou parenta, do
padrinho ou da madrinha, santo ou santa do dia, conforme o uso do local, sujeito
â superstição, à fantasia, à moda, gosto, ou ao acaso, conforme o seguinte
rifão: "0 primeiro que vai à pia, ou Manel ou Maria".
Antigamente
não havia Registo Civil e o nome "nascia" com o Baptismo. Ainda hoje
se ouve dizer: "É João, mas ainda não está baptizado".
É
curiosa a quadra 6, pela confusão que mostra entre S. João Baptista e S. João
Evangelista.
Aliás,
é não só um problema de cultura popular, uma vez que a 1a quadra se
canta em Viana e a última se canta no Soajo, mas também uma certa confusão que
existe no povo em geral, quando se fala destes santos.
Existia
o costume de ser a madrinha a levar a criança ao colo com um grande vestido
branco para o baptizado.
A
mãe entregava o menino à madrinha, dizendo-lhe: "Entrego-lhe o meu menino
pagão,/Para que mo traga cristão./Pela graça de Deus e do Divino Espírito Santo".
"Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer de novo, não pode ver o
Reino de Deus". (Jo. 3,3)
Depois
do Baptismo, esta entregava-o à mãe, dizendo: "Aqui tem, senhora comadre,
o seu menino. Entregou-mo pagão, entrego-lho cristão. Pela graça de Deus e do
Divino Espírito Santo,/Com a ajuda da água benta e dos padrinhos". Ou só:
"Aqui tem, minha comadre. Entregou-me uma alma pagã. E aqui lhe entrego
uma alma cristã". "Em verdade, em verdade te digo: quem não nascer
pela água e pelo Espírito, não pode entrar no Reino de Deus. 0 que nasceu da
carne é carne; e o que nasceu do Espírito é espírito". (Jo. 3,6)
Neste
contexto do ritual popular, podemos verificar a ideia de mudança:o Baptismo faz
com que a alma deixe de ser pagã para ser cristã(7). Aqui se manifesta a fé e a
relação de pertença. "Tu és o Meu Filho muito amado; ponho em Ti toda a
Minha complacência". (Mc. 1,11)
A
propósito ainda do Baptismo, poderemos apontar um costume (pagão?), embora
praticado por cristãos e que passo a transcrever:
"Sentidos
os primeiros sintomas de maternidade, ou já no último período dela, a mulher,
acompanhada pelo marido, e outras pessoas de família, dispõem-se a pernoitar
debaixo da Ponte da Misarela. A primeira pessoa que por ali passava,é convidada
a apadrinhar a futura criança. Ninguém se recusa a tal convite, que é considerado
como um dever moral. A cerimónia é simples e breve, embora se realize sempre
num ambiente de sincera Religiosidade. Duma corda comprida suspende-se um
púcaro de barro negro que, baixando à profundidade de abismo, recolherá água
bastante para o Baptismo pagão. A futura mãe recebe, então, no ventre, a linfa
do Rabagão e o padrinho recita a oração ritual: Eu te baptizo, criatura de Deus
e da Virgem Maria; se fores rapaz, serás Gervaz, se fores rapariga, serás
Senhorinha. Pai Nosso e Avé Maria rezados por todos em coro ou em
silêncio." (1)
Este
apontamento curioso mostra-nos o que há, de facto, na Religiosidade Popular, a
propósito do nascimento, e o que se passava, em tempos, em Misarela passava-se,
noutras tantas povoações à volta da ponte, da fonte ou junto a um local
pitoresco de um rio.
(1) Etnografia
Transmontana, de Antônio Lourenço Fontes, págs. 82 e 83.
É
significativo o costume de acender uma candeia, por ocasião do nascimento, mantendo-se
acesa até ao dia do baptizado. Deste modo, é superada a falta da nova luz da fé
que é dada naquele sacramento. "Recebei a luz de Cristo". (Ritual do
Baptismo)
A
dimensão social do pecado original é aqui posta em causa; por isso, enquanto
não se realiza o baptizado, as pessoas do agregado familiar não poderão dar
esmolas, pois não fazem sentido, no dizer do povo da Serra d'Arga. Só depois do
Baptismo, de acordo com (Lc. 3,11) No entanto, se morre sem o Baptismo, não tinha,
noutros tempos, a honra de ser sepultado no cemitério, entre os baptizados,
"Vós que fostes baptizados em Cristo, estais revestidos de Cristo.
Aleluia. Aleluia". (Ritual do Baptismo) Mas, em compensação, seria
escolhida a melhor e mais querida propriedade dos pais. "Deixai vir a Mim
as criancinhas, não as estorveis! Porque dos que são como elas é o Reino de
Deus". (Jo. 10,14)
Também
há regiões onde as mães, depois do bébé ser baptizado, vão à igreja, durante a
missa, e colocam o menino no chão em sinal de oferecimento a Deus e à Virgem.
Este
costume está quase em desuso e valeu, para isso, a mãe levar a criança à
igreja para o Baptismo; em vez de a entregar à madrinha, leva-a ela mesma, o
que tem mais sentido. Vai a mãe apresentá-la a Deus e à Igreja, vai oferecê-la,
consagrá-la.É o Baptismo a oportunidade que a Igreja lhe oferece para isso, por
vontade divina (Jo. 3,1-6; Mt. 28,18-20; Mc. 1,9-11 e 10,13-16) e o modo mais
santo de celebrar o nascimento de uma criança.
À
volta deste sacramento, muitos outros costumes foram introduzidos pela alma
popular, como por exemplo: o neófito, depois da cerimónia do Baptismo, deve
sair pela mesma porta da igreja pela qual entrou. 0 "Credo", que era
antes proclamado pelos padrinhos, tinha de ser muito bem estudado, para não
faltar uma única palavra; caso contrário, o neófito vinha a ter problemas, não
ficava bem baptizado. São aspectos negativos em si que representam preciosismo
em ordem à celebração litúrgica do sacramento. Há inumeráveis e variados casos
destes que geraram ou provêm da superstição do povo à volta do assunto e que
não me interessa, sobremaneira, para este trabalho.
S. João,
repare nisto,
Teve este
grande condão:
Ao baptizar
Jesus Cristo
A. A. Foi quem fez Cristo cristão.
(pág.
87)
A
quadra apresentada tem muito de filosofia e, embora pareça uma brincadeira,
ela deve referir-se à pessoa de Cristo, enquanto ungido e Redentor. No Baptismo
é o cristão ungido e pela unção recebe o Espírito Santo, que o vai animar a uma
vida trinitária, a uma vida no Pai, no Filho e no Espírito Santo, fazendo-o ,
ao mesmo tempo, participante da tríplice missão de Jesus: profética, real e
sacerdotal.
Com
o Baptismo passavam os Judeus a pertencer ao cristianismo. Também a ideia do
Corpo de Cristo - a Igreja - esteja contida no 4o verso: faz
Cristo ser cristão, Ele que é o Princípio e o Fim, o Alfa e Omega. É o
Princípio de um novo Corpo - 0 Corpo Místico de Cristo - e é o fim para o qual
os membros que estruturam este Corpo, caminham, unificando-os pelo Espírito,
enquanto regenerados pela água e pela unção e pelo próprio Corpo que lhes
serve de alimento, através da Comunhão.
EUCARISTIA
1.
Deixa-me
ir, que levo pressa
Levo
água de regar;
Amanhã é
dia santo
Temos tempo de falar.
2.
Na
sexta-feira, por ti, amor,
No
sábado, por ti, meu bem,
No
domingo, vou à missa,
C Porque a Deus quero bem.
3.
Domingo,
se Deus quiser,
Hei-de
ir à missa do dia;
Para ver
o meu amor
C À porta da sacristia.
4.
Pecados
ficai lá fora
Não
entreis lá para dentro,
Que eu
vou visitar Jesus
Mb127 No Sagrado Sacramento.
5.
Se
ouvires tocar para a missa,
Deixa
tudo e vai a ela;
Quando
vira a folha a santos,
C25 Desce Deus do Céu à terra.
6.
Alegra-te
minha alma,
Que te
bem podes alegrar;
Vem o padre
revestido
CP189 A Jesus representar.
7.
Ao
subir a este monte
Temos
sede e temos fome:
Vós sois
a água da fonte,
C/S235
Vós sois o Pio que se come.
8.
Creio
que esta minha carne
Há-de
um dia ressurgir
Para
com a minha alma
C/S232
Sempre a meu Deus possuir.
Act. 20,7-11
"No primeiro dia da semana..."
Act. 20-7
"E assim,todo aquele que comer o Pão ou
beber o Cálice do Senhor indignamente... "
1 Cor. 11,27
"Eu sou o Pão vivo que desceu do
Céu..."
Jo. 6,51
"Isto é o Meu Corpo..."
Lc.22,19-20
"Fazei isto em memória de Mim".
Lc. 22,19; 1 Cor. 11,24-25
"Quem come a Minha Carne e bebe o Meu
Sangue..."
Jo. 6,54-55
Jo. 6,53
9.
A Divina Eucaristia
Que é Jesus Deus humanado,
De Maria sempre Virgem
C/S226
Fruto do ventre sagrado.
10.
Vinde, vinde, ó meu Jesus,
Que
eu por Vós estou esperando,
Minha
alma se está rindo,
MB
62 Meu coração está chorando.
11.
Santos e santas da corte do
Céu
Pedi
todos ao Senhor,
Que
entre no meu coração
MB
62 Sangue do vosso amor.
12. Não
temos força, Senhor!
P'ra
levar a cruz da vida;
Esse
Sacrário é Tabor
C/S
235 Onde esperamos guarida.
13.
0 Sacrário é dourado,
Por
fora como por dentro;
Adoremos,
adoremos
CM
183 0 Santíssimo Sacramento.
14.
0 Sacrário é dourado,
Por
dentro como por fora;
Adoremos,
adoremos
CM
183 Nosso Senhor na Glória
15.
De alva farinha de trigo
Já
depois de amassada,
Se
faz a Hóstia Divina
S/V/S183
Que é no altar consagrada.
16.
A oliveira do adro
Não
lhe ponhas o machado;
Que
dá fruto que alumia
MB
119 A Cristo Crucificado.
CP
42
17.
Não mates a oliveira,
Não
lhe ponhas o machado;
Pois
é que dá o azeite
MB
119 P'ra alumiar ao Sagrado.
18.
Abençoada azeitona
Que
tem o azeite dentro,
Que
"alumeia" dia e noite
Ao
Santíssimo Sacramento.
19.
Vinde, vinde, ó meu Jesus,
Qu'eu
por Vós estou esperando.
Minha
alma está sorrindo,
Meu
coração está chorando.
Ajudai-me
Virgem Maria,
Pela
Vossa protecção,
Ajudai-me
a fazer
MB
132 Uma boa comunhão.
20.
É nobre e bom quem trabalha
Pelo
pão de cada dia,
E
que sobre a terra espalha
MB
116 A bondade e alegria.
21.
Ofereço esta missa
A
sagrada morte de N. S. J. C.
Se
não servir
P'ra
bem da minha vida,
Que
sirva p'ra salvação
Serãol28
Da minha alma.
"Eu
sou o Pão vivo que desceu do Céu..."
Jo.
6,53; 1 Cor. 11,25
"0
Meu jugo é suave e a Minha carga é leve"
Lc.
24,31 e 32
Lc. 24,30
1 Cor. 10,16-17
Jo. 17,15
Act. 2,42-46
Lc. 14.12-14
Deixa-me...
que amanhã é dia santo/Temos tempo de falar
(1). É bem manifesta nesta quadra a ideia de que o Domingo, dia do Senhor, dia
santificado, tem de ser tempo para o diálogo, para o convívio, para a partilha.
Às vezes, o trabalho do dia a dia não nos permite realizar a caridade
evangélica em determinados casos incompatíveis com outros deveres do cristão. 0
Domingo é, por excelência, um tempo forte para a entrega aos outros, para a doação
aos outros no diálogo, no convívio e na partilha, procedentes do amor. Mas o
Domingo é também um tempo forte para a oração, sobretudo para a oração
eucarística. 0 homem não é uma ilha no meio dos outros homens e o que o unifica
é Deus. Daí que se sinta necessitado de se relacionar não só no aspecto horizontal,
mas também no aspecto vertical da vida, isto é, não pode esquecer a sua relação
pessoal e comunitária com Deus: No Domingo, vou à missa (2), porque se por
ti,amor, por ti, meu bem, sou tudo, também a Deus quero bem e devo
entrar na Sua intimimidade através da oração pessoal e comunitária. É, por
isso, que faço o meu propósito, se Deus quiser, (3),porque só Ele sabe
se assim acontecerá e, ao mesmo tempo, se puder ser, também encontrar-te-ei a
ti, amor, junto à igreja, porque o nosso amor sem Deus não será nada.
0
Domingo é um tempo de santificação pessoal, não é só um tempo para os outros,
(1 e 3) um tempo para Deus (2 e 3), mas é também um tempo para si mesmo. Há necessidade
de purificação para o nosso encontro com Deus. Deus liberta. Há mudança. Ir à
missa implica alma nova; por isso: Pecados ficai lá fora (4) que não tendes
mais cabimento para que seja digno o meu encontro com o Jesus Eucarístico. A
presença de Deus afasta todo o aspecto pecaminoso.
A
Missa é tão importante na vida pessoal que (5) se ouvires tocar para amissa,
deixa tudo e vai a ela. No momento oportuno, a Missa faz Deus presente no
mundo na pessoa de Seu Filho, Jesus Cristo, e é depois de virar a folha a
santos. Se Deu desce à terra para Se encontrar de novo com o homem, não
recuses, deixa tudo, vai a ela... Manifesta ainda a quadra (5) a ideia
do sacrifício incruento que se dá na Missa. 0 povo exprime esta importância
também, quando diz: "Para a missa e para o moinho não esperes pelo
vizinho", pois trata-se de uma acção de que és pessoalmente responsável. É
claro que para isto há sinais e bem se pode alegrar a minha alma (6),porque
vem o sacerdote a Jesus representar.
A
vida é uma caminhada que nos desgasta física e moralmente (7). Daí o sentir sede
e fome do corpo ou da alma e Jesus Cristo é água da fonte que
vivifica, água que mata a sede duma vez para sempre e é pão que se come
como alimento do espírito.
Deste
modo, a minha carne (8) prepara-se para a ressurreição com a minha alma
e gozar da visão beatífica eternamente.
A
Divina Eucaristia (9) é Deus feito Homem, em
Jesus, nascido da Virgem Maria, fruto do ventre sagrado.
Deus
vem ao homem e este espera-0 (10) contente, pois minha alma se está rindo;
no entanto, o meu coração está chorando o pecado que a fragilidade
humana cometeu, a indignidade que causou para este encontro divino. Santos e
santas da corte do Céu intercedei ao Senhor (11) que o Sangue
Redentor entre no meu coração para o redimir. A cruz da vida (12)
é pesada e falta-nos, muitas vezes, força para a levar no entanto, Tu, Senhor!
és Sacrário onde nos refugiamos. 0 Sacrário (13 e 14) é parte
fundamental da igreja, porque nele está o Santíssimo Sacramento, o Jesus
Cristo glorioso.
(15)
Da farinha de trigo se faz a hóstia divina que é consagrada no
altar .
Respeita
a oliveira (16, 17 e 18), porque é ela que dá o fruto que alumia
o Santíssimo Sacramento, é sinal de presença eucarística do Senhor
Ressuscitado.
Eucaristia
é acção de graças, é memória do sacrifício de Cristo, é oração comunitária, é
comunhão com Deus e com os irmãos.
Enquanto
sacrifício é o cúmulo da doação pelos outros ao Pai; enquanto acção de graças
é oração de louvor pelas maravilhas que Deus realiza na Terra para os homens;
enquanto comunhão é partilha, é confirmação na unidade e participação plena na
vida íntima do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Esta
vivência supõe o reconhecimento humilde, pela parte do homem, do seu pecado. Só
desta forma poderá haver comunhão. A Virgem Maria é medianeira para alcançar a
plenitude desta comunhão (19): Ajudai-me, Virgem Maria, pela Vossa
protecção, ajudai-me a fazer uma boa comunhão.
Só
quem realiza este encontro sacramental é capaz de dar nobreza ao trabalho (20)
e sobre a terra espalhar a bondade e alegria. Porque se trata dum mistério o
homem não o compreende na sua plenitude e daí (21) no meio da dúvida o povo
pedir para que esta oração eucarística sirva ao menos para salvação da alma.
No
entanto, a missa é algo que não pode ficar por ali, ela tem de ser seguimento
na vida, pois "Missa acabada, partamos a abrada". A partilha
tem de continuar na vida concreta de todos os dias ao ponto de quem "ouve
missa não gasta tempo, assim como dar esmola não empobrece".
É
a Eucaristia dominical, nas nossas comunidades, um momento forte de aproximação
de pessoas desavindas, um momento forte de expressão comunitária através do
encontro das pessoas na mesma oração, antes e depois da Missa, no ofertório,
nos leilões e nas iniciativas de promoção humana e regional.
MATRIMÓNIO
1.
Adeus casa de meus pais,
Adeus janela da eira,
Agora vou-me casar,
C Adeus, ó vida solteira.
2.
Por casar bem me eu casava,
0 pior é ó depois;
Tenho medo que ponham
C Cornos
como os dos bois.
3.
Se te perdes na má vida,
Jamais te vou procurar;
Embora a mulher
perdida
C Não custe a encontrar.
4.
Não faças, pois, desgraças
Que eu te juro, amor
eterno;
A minha vida sem ti
C É um
perfeito inferno.
5.
0 teo olhar tem encantos,
Como os encantos da
fada;
0 teu amor dá-me a vida,
C Sem
teu amor não sou nada.
6.
Pouco tempo de namoro,
Também pouco de
casados,
Terminam no divórcio
C Casamentos
apressados.
7.
Ainda depois de morrer,
Mesmo dentro do
caixão,
Hei-de levar o teu
nome
C Gravado no coração.
8.
Dei um nó na fita verde,
Outro na amarelinha;
Espero dar-te outro
C Na tua mão e na minha.
Ev.
de S. Mateus.
"Por
isso deixará o homem seu pai e sua mãe..."
Gen.
2,24; Mt. 19,5 e Mc. 10,7-8
"Tende
os mesmos sentimentos e vivei como irmãos".
1ª Ped. 3,8
"...Escrevê-la-ei
no seu coração".
Jer.
31,33
9.
0 meu amor é tio lindo
Que
parece uma flor;
Tu
serás a minha vida,
C Eu serei o teu amor.
10. 0
meu amor é um cravo
Eu
sou rosa para ele;
Ele é
do meu coração
C Eu sou do coração dele.
11. Eras
a luz dos meus olhos,
Eras
o ser do meu ser;
Eras
a minha alegria,
C Eras todo o meu prazer.
12. Eu
fiz um juramento
Que
espero não o quebrar;
É
conservar-me solteiro,
C Enquanto me não casar.
13. Eu
hei-de ir ao Céu em vida
Para
ver o que lá vai:
Tantas
mulheres sem marido,
C Tantos filhinhos sem pai.
14. Meu
amor por Deus te peço,
Por
Deus te mando pedir:
Nos braços em que me
enrolas
MB Não deixes outro
dormir.
15. Impossível,
sem ser Deus,
Haver
quem de ti me aparte?
Quem
tiver esse poder,
MB Antes venha e, a
mim, me mate.
16. Vê,
amor, se não te lembras
Da
palavra que disseste;
Que
não amarias outro
MB Enquanto eu vida
tivesse.
17. Eu
casei-me e cativei-me,
Inda
não m'arrependi;
Quanto
mais vivo contigo,
MB Menos posso estar
sem ti.
"Por
isso deixará o homem seu pai e sua mãe, se unirá a sua esposa..."
Mt.
19,5; Mc. 10,7-8 e Gen. 2,24
"...Serão
os dois uma só carne".
Mt.
19,5; Mc. 10,7-8 e Gen. 2,24
"...Não
é por mero prazer, mas com sentimentos de sinceridade".
Tob.
8,7
".
. .Edificou sobre a rocha a sua casa”. Mt. 7,24
"Não
separe o homem o que Deus uniu". Mt. 19,6 e Mc. 10,9
"Põe-me
como um elo
sobre
o teu coração...
porque
o amor é forte como a morte".
Cântico
dos cânticos 8,6-7ª
18.
Se tu queres e eu quero,
Temos o contrato feito;
Não venha cá pai nem mãe
MB Desmanchar o que está feito.
19.
Rapariga, se casares,
Toma bem tento primeiro:
Mais vale um rapaz sem nada
MB Do que um velho com dinheiro.
20.
Amanhã vais à igreja
Ao pé de Deus vais
jurar:
Que serás mãe
carinhosa
MB E uma
esposa modelar.
21.
0 meu coração, do teu,
Quem o pode separar?
É como a alma do corpo
MB
Quando Deus a quer levar.
22.
0 meu coração é teu
Aqui como em toda a parte.
Antes cegar que não ver-te,
MB
Antes morrer, que deixar-te.
23.
Aqui tens meu coração,
Se queres matá-lo, podes;
Olha que estás dentro dele,
MB Se
o matas, também morres.
24.
0 meu coração do teu,
É difícil de apartar;
É como a alma do corpo,
MB
Quando Deus a quer levar.
25.
Dar-me o sim e dar-me o não,
Com ambos me contentais:
Deste-me um sim, que me quereis,
MB Um
não, que me não deixais.
26.
Do meu coração és dono
A outro não o posso dar;
Fiz o juramento, fiz:
MB De
mais outra não amar.
Mt. 19,5: Mc. 10,7-8
Tob.7,12
Jo. 17,20-26
"
0 Senhor vos una e vos abençoe". Tob. 7,12
"...Ela
pertence-te". Tob. 7,12 e 14.
27.
Só tu, meu amor, só tu
Só tu
tens a liberdade
De
andar neste meu peito
CP Sem fechadura nem
chave.
28.
A roda duma aliança
Parece
muito leveira
Mas
Deus sabe quanto cansa
CSP Quem a usa a vida
inteira.
29.
Não me convides ao folguedo
Ir à
roda sem seu par
-
Tenho uma roda no dedo
CSP Que não me deixa
rodar. –
30.
Foi na fogueira da vida
(Dessa
vida que é fogueira)
Que em chamas fiquei
pedida,
CSP Sempre arder a
vida inteira.
31.
Olhos que choram agora
0
passado relembrado
Foram
fogueiras d'outrora
CSP
Qu'o tempo vai apagando!
32.
Palavra "Mãe" tem raízes,
Fazem-na
à do pai unida;
Pai
e Mãe só são felizes,
Ambos
sendo uma só vida!
(Alfena, A terra e o seu povo)
(1)
0 Matrimónio implica um
compromisso e uma vida a dois em que os únicos responsáveis são os próprios
noivos; daí a quadra nº 18 e, então, adeus casa de meus pais, adeus ó janela
donde conheci ou apareci muitas vezes ao meu bem-amado; agora a vida vai
mudar, deixo de pertencer ao gaudio da vida solteira para assumir, com a respectiva
maturidade que alcancei, nova responsabilidade.
A
vocação ao Matrimónio é sublinhada pelas quadras 4 e 5.
(4)
Toma tento e acautela-te,
porque prometo amor eterno e sem ti a minha vida será uma
desgraça. Não me digas que não, que eu juro amor e amor com amor se paga.
(5)
A expressão do teu amor por
mim tem encantos mágicos, porque me dá vida e sem ele sinto não ser
nada.
(6)
Este amor encontra-se num
contexto muito amplo e, por isso, não pode ser de modo algum assunto a tratar
de ânimo leve, como sói dizer-se, rebenta como a semente e tem de crescer com o tempo,
não se podendo chegar precipitadamente a conclusões que podem vir a fracassar.
São conselhos práticos de sabedoria popular assim como: "Primeiro que
cases vê o que fazes" ou "Quem pensa não casa,quem casa não
pensa".
0
problema do Matrimónio é tão sério e tão importante na vida que pode ser
cegueira da realidade, como diz António Aleixo”Com os cegos me confundo,/ amor,
desde que te vi,/ nada mais vejo no mundo,/ quando não te vejo a ti.” Por
isso, os adágios referidos recomendarem, sobretudo, calma e serenidade dum
modo, às vezes, exagerado como o último rifão.
(2)
Trata-se de um problema tão
sério que, às vezes, surge medo do futuro, medo da falta de fidelidade no
juramento do amor.
A
quadra nº 3 recomenda, a partir da experiência, que a falta de fidelidade pode
levar à dissolubilidade do Matrimónio, jamais te vou procurar,embora não
fosse difícil encontrar-te, porque a flor perdida destoa e é fácil de
encontrar.
(7)
0 problema da
indissolubilidade matrimonial está na alma popular, até o nome do amor
permanecerá gravado no coração para além da morte, porque(9) um será a vida do
outro, um será o amor do outro, uma perfeita osmose, fazendo assim a unidade,
transpondo para a vida real a unidade da Trindade Santíssima - eras o ser do
meu ser (11) e choro a luz, a alegria e o prazer que
me dava o teu amor.
Só
Deus, de facto, nos (21) pode separar, pois o nosso coração é um só como a alma e o corpo são uma e única
realidade. É expressivo o adágio popular a propósito da indissolubilidade:
"Casamento e mortalha no Céu se talha".
(22)
Por isso, antes morrer
que deixar-te, quer nos encontremos fisicamente juntos, ou distantes em
qualquer parte.
(23)
Como uma só coisa que somos,
aqui tens o meu coração, se o matas,também morres, porque estás dentro
dele.
(10)
Ele é do meu coração, eu sou
do coração dele.
(8)
Esta unidade foi simbolizada
por um nó que demos na tua mão e na minha.
(25)
Ao dares-me o sim que me querias deste ao mesmo tempo um não que me não
deixais.
(26)Assim
te fizeste dono, proprietário do meu coração e não posso repartir o amor,
amando outro, porque já não é meu aquilo que sinto por ti.
(27)
Existe entre nós uma
comunhão total; por isso, és um proprietário que não precisa de chave para habitares
o meu peito, porque só tu tens essa liberdade devido ao juramento que
fizeste, ao prometimento que não podes falhar, com a ajuda de Deus.
(14)
Por Deus te mando pedir que não quebres o juramento que fizeste,pois
(15) é impossível haver quem de ti me aparte; se houver quem tenha esse poder,a
não ser Deus, então é melhor que me mate.
(16)
0 verdadeiro amor conjugal estende-se e cresce (17) até à morte, porque a
palavra que disseste é sagrada e sinto que me cativei e quanto mais vivo contigo
menos posso estar sem ti.
(20)
Este juramento é sagrado, porque: "Ao pé de Deus, na igreja, prometeste
ser mãe carinhosa e esposa modelar. "0 contrato do casamento leva
consigo o testamento" porque tal contrato leva o selo de Deus.
A
quadra n° 19 é uma recomendação ou conselho muito prático onde fica bem
manifesta a dificuldade de ajustamento das diferenças de idade e de riqueza.
Pela
respectiva dificuldade deve a rapariga (no caso) ter cuidado, pois não é o
muito dinheiro que faz a felicidade do Matrimónio, não é o ter, mas o ser do
outro que pode mais facilmente ser ajustado.
No
mesmo sentido se encontra o problema da idade - uma diferença acentuada da
idade entre os dois é sempre um risco na afinidade conjugal, pois,
ainda,"moça com velho casada, como velha se trata".
Outro
conselho da sabedoria popular está contido no rifão: "Duas pedras duras
não fazem farinha".
(28)
Entre esposo e esposa
estabelece-se assim uma aliança, a aliança conjugal simbolizada na roda
à volta do dedo que, embora seja leve, está sempre a lembrar o momento
do juramento, do contrato, o momento em que os dois se comprometeram a uma vida
de unidade e indissolúvel, comungando ambos das mesmas alegrias e tristezas
que a vida lhes trouxer.
Porque
nem sempre a vida lhes sorri, esta roda da vida que parece leve
vai cansando, vai-se fazendo pesada.
(29)
Assim, esta roda do dedo
me leva à prudência, pois sou convidado ao folguedo que me faz lembrar a
vida solteira e logo verifico que não posso trocar de par ou não posso rodar,
porque posso quebrar a unidade.
(30)
Na mocidade, na juventude
que era uma vida fogueirada e chamejante me senti chamado a viver
em fogueira constante ou arder para a vida inteira.
(31)
Na realidade, acontece que
nem sempre os sonhos da juventude se realizam e os olhos disso podem dar sinal,
chorando ao lembrar o passado aceso de fulgor e que o tempo, por vezes, vai
apagando.
No
entanto, esta dor que vem sempre depois, pode ser ultrapassada quando os
cônjuges vivem o ideal não fechado em si mesmos, mas aberto à sociedade, aberto
aos irmãos e a Deus. Quando esta transcendência imanente ao homem e ilimitada
se encontrar relacionada com os outros e com Deus, o egoísmo e o individualismo
humano ou conjugal será menor e a vida é bem mais fácil de encarar, ainda com
os seus reveses.
(32)
A finalidade do casamento
não é só a doação mútua dos esposos, assim como a unidade, mas é também a procriação
e o casal, quando se sente progenitor e gerador de novas vidas, nem só por isso
será feliz, mas sim quando ambos se sentem a viver uma só vida,
quando ambos são uma só vida.
MORTE
1.
Deus, quando estava na cruz,
Quase
morto a acabar,
Deu
uma palavra ao povo:
C Eu morro para vos salvar.
2.
Quem diz que mata a saudade
Não
quer dizer o que sente;
Porque
ela, na verdade,
C Dá cabo de muita gente.
3.
Se esperança já não tenho,
Para
que hei-de eu viver...
Para
andar sempre penando,
C Mais vale a pena morrer.
4.
Esta noite sonhei eu
Que
me morreu o meu bem;
Eu
sonhei, pedi a Deus
PC
Que me levasse também.
5.
Eu queria, se morresse,
Tornar
a ressuscitar
Para
vir do outro mundo,
C Depois a este contar.
6.
Eu queria ir ao Céu
Para
ver o paraíso,
Para
ver se lá encontro
C Gente nova com juízo.
7.
Santo António leve António
E o
Santo me leve a mim,
Lá
para o Reino da Glória
C Por muitos séculos sem fim.
8.
Ó águia que vais voando,
Por
esse mundo além,
Leva-me
ao Céu, onde eu tenho
C A alma da minha mãe.
Lc.
23,43; Jo. 17,20-24
Rom.
5,5
"Jesus,
lembra-Te de mim, quando estiveres no Teu Reino.
Lc.
23,43
"Em
Casa de Meu Pai há muitas moradas".
Jo.
14,2
Lc.
16,25,26,29 e 31
"Bendigo-Te,
ó Pai, Senhor do Céu e da Terra, porque escondestes estas coisas aos sábios e
aos entendidos e as revelastes aos pequeninos".
Mt.
11,25
"Eu
sou a Ressurreição e a Vida; quem acredita em Mim não morrerá jamais".
Jo.
11,25
"Possuímos
nos Céus uma Casa que é obra de Deus".
2
Cor. 5,1
9.
Eu pedi a morte a Deus,
Ele
disse que ma não dava;
Que
pedisse a salvação,
C Que a morte certa estava.
10. Se
algum dia ouvires dizer
Que
uma vala me deu fim...
Vai a
S. João e reza
C 0 Padre Nosso por mim.
11. 0
cemitério de Arga
Tem a porta de chumbo,
Onde se vão acabar
C As vaidades deste mundo.
12. Sabe
Deus de hoje a um ano
Onde
estará este meu corpo;
Ou
aqui ou noutro lado,
C Ou na sepultura morto.
13. Fui
à ermida dos amores,
Muitas
coisinhas fui ver,
Fui
ver como se morre
CG Sem acabar de
nascer.
14. Quando
o cruel sofrimento
Faz
nesta vida paragem,
Saibam
que neste momento
CG
Nosso sofrer é passagem.
15. Tenho
uma dívida à terra
E a terra me está devendo;
A terra paga-me em vida
C E eu pago à terra morrendo.
Sal. 117,18
"Santo
e salutar pensamento este de orar pelos mortos. Por isso, mandou oferecer o
sacrifício expiatório,para que os mortos fossem absolvidos do pecado".
2
Mac. 12,46
"Desviai
os meus olhos das vaidades, fazei-me viver nos Vossos caminhos".
Sal.
37
Jo.
14,1-6
Sal.
131,12
"Se
o grão de trigo morrer, dá muito fruto". Jo. 12,24
"Não
tinha o Messias de sofrer essas coisas para entrar na Sua Glória".
Lc.
24,26
Jo.
17,24
"Formastes-me
de terra, vestistes-me de carne; Senhor, meu Redentor, ressuscitai-me no
último dia".
Sal.
92
(5)
0 homem é um mistério e,
como tal, se descobre a si mesmo. Como não encontra na sua própria pessoa a
satisfação de todos os seus anseios,ele se inclina para valores transcendentais
e se encontra com o absoluto que é Deus. Aquilo que mais o atemotiza na vida é
o problema da morte, porque "para tudo há remédio, menos para a morte.”
Ao
mesmo tempo, supera os seus problemas mais cruéis, sobretudo, o problema de se
ver peranre a morte, acreditando numa vida para além desta que lhe pode dar a
satisfação de todos os seus desejos. No entanto, é sempre um enigma e todos
caminham para essa vida já que "contra a morte não há coisa forte"
e"quem de novo não vai, de velho não escapa", daí o desejo de tornar
a ressuscitar, isto é, de voltar de novo à vida terrena para desvendar o
mistério do outro mundo.
(2)
Pode-se morrer de doença, de
velhice, de acidente ocasional, mas a morte pode também chegar pela paixão,
pela saudade; a saudade dá cabo de muita gente, por isso, é
preciso matar a saudade, desabafando ou dizendo o que sente.
A
morte arrasta a saudade para os que cá ficam a viver as maravilhas e as
tristezas deste mundo terreno. Para não se ficar a viver de saudade, deseja-se
seguir de imediato o mesmo caminho daquele que Deus chamou (7), mas porque
"é no fim que tudo acaba" e a morte não deve ser pedida (9) há que dizer
o que sente, há, por exemplo, que adornar a sepultura do ente querido,
daquele que nos deixou saudade e continuar a lutar pela salvação (9).
Quantos,
ao chegar esta separação, aliás, passageira, abrem os olhos para a realidade
que andava tão esquecida e quantos, a partir dum momento de saudade eterna se
encontram de novo com Deus. É bem certo o aforisma: "Os mortos abrem os
olhos aos vivos".
(3)
A esperança é um lenitivo
para todos os que anseiam. Se não há esperança não há vida, a vida sem
esperança é uma vida desgraçada, mais vale a pena morrer.
De
facto, é a esperança o cimento das coisas com que se faz a vida do homem.
A
esperança lá vai continuando a ser uma mola real para a transformação da vida
humana à face da Terra, um motor de arranque para a vida do Além.
(6)
Continuará sempre entranhado
no espírito da curiosidade humana, o descobrir o futuro que, afinal, não é do
homem, mas de Deus, e descobrir o Céu para ver como ele é um paraíso,
era descobrir o mistério. Para o Céu só vai gente com juízo, isto é, só
vão os justos. 0 Céu fica lá nas alturas, fica além onde não chego e, por isso,
recorro à águia (à ave que voa mais alto) para que no seu voo livre me
levasse com ela a ver a alma da minha mãe que lá está e a minha não sei
quando para lá irá, pois a "morte é certa, mas a hora é incerta".
(9)
Só Deus pode "dar"
a morte, isto é, só Deus sabe quando Lhe teremos de prestar contas; por isso,
não interessa, nem se deve pedir a morte a Deus, porque Ele não a dá.
Deve-se pedir, sim, a graça da salvação, porque "a morte não poupa
nem o fraco, nem o forte" e "quem de novo não vai, de velho não
escapa" e o que interessa não é a morte, mas a salvação. Está aqui
patente a ideia de passagem. A morte e passagem.
(14)
0 sofrimento faz parar
o homem, mas o sofrimento redentor de Cristo venceu a morte, ressuscitando, e
aí o nosso sofrimento, enquanto participamos pelo Baptismo do acontecimento
pascal de Cristo, a Sua Paixão, Morte e Ressurreição, começou a ter um novo
sentido. 0 cruel sofrimento faz paragem nesta vida ao homem, mas esta
paragem, este sofrimento neste momento, redimidos em Cristo, é passagem.
A morte é dos sofrimentos mais cruéis. A morte é paragem para esta vida
terrena, é o fim duma caminhada para o Absoluto e o princípio, o começo duma
vida nova plenamente participada e realizada em Deus.
(11)
A morte é um acontecimento
que não falha para ninguém e apresenta-se como um problema igual para todos,
pois "a morte não poupa nem o fraco, nem o forte" e "à hora da
morte tudo acaba". Até mesmo os ricos, em vaidades deste mundo, ficam nus
na hora da morte, de nada lhes valendo os seus tesouros terrenos. Todos estão de
igual modo sujeitos à terra e à justiça misericordiosa de Deus.
(12)
"Feio no corpo, bonito
na alma" é um ditado popular que realça a importância da alma, do interior
das pessoas. Não é a "boniteza" que dá felicidade às pessoas, mas a
grandeza do espírito.
De
hoje a um ano sabe Deus onde estará este corpo
que é meu... Pode estar num ou noutro lado, ou na sepultura morto. 0
corpo morre, mas "quem não morre, não vê Deus"; é preciso morrer
para ver aquilo que transcende o homem e é resposta para as angústias da
pessoa.
(13)
Morrer sem nascer,
há aqui uma referência à morte prematura, se assim se pode dizer, à morte de um
inocente, de um jovem ou de pessoa nova. Como foi na ermida dos amores
aqui terá uma especial referência a casamentos duvidosos e ainda à morte
espiritual pelo pecado. A morte é consequência do pecado.
(1)
A pessoa de Jesus que era
divina-humana, era Deus. Com o gesto da Morte na cruz revelou ao povo
que a Sua Morte na cruz era para nos salvar.
A
grande esperança do cristão deve assentar nesta realidade, mas esta atitude de
Jesus não deixou de ser um mistério à volta do qual gravita agora toda a vida
cristã. A fé na salvação leva o povo a expressar-se, dizendo que "a quem
Deus promete não falta".
(10)
A necessidade da oração
pelas almas, a oração por quem já partiu é expressa nesta quadra. S. João é, na
Serra d'Arga, o centro da religiosidade popular da região; por isso, recomenda vai
a S. João e reza o Padre Nosso por mim. Se ouvires dizer que cheguei
ao fim na caminhada terrena que faço contigo, só te resta uma coisa,
rezar por mim.
Há
costumes interessantes dos quais gostaria de realçar o hábito de "botar as
almas", em Vitorino dos Piães, Ponte de Lima:
Alerta,
alerta: ...
A vida é
curta; a morte é certa...
Ó irmãos
meus!...
Filhos de
Jesus Cristo...
Rezai um
Padre Nosso...
E uma
Avé-Maria...
Pelas
benditas almas...
Do fogo do
purgatório!...
Quem assim
fizer...
(Serão,
pág. 32) Será por amor de Deus.
As
almas santas podem também interceder por nós a Deus; por isso, se diz, ao
entrar no cemitério, ou ao passar junto dele:
Ó alminhas santas
Dos que aí estão sós,
Vós já fostes como eu,
Eu hei-de ser como
vós.
Pedi ao Senhor por
mim,
MB
129 Como eu rogo ao Senhor por vós.
(4)
, (7) "Mais vale morte
que má sorte". "A morte com honra não desonra"- Santo António,
então, nos leve os dois. Manifestam estas quadras o desejo de unidade para
além desta vida.
(15)
Tenho uma dívida à terra
da qual fui formado; no entanto, a terra me deve o meu trabalho, a minha
acção, o desenvolvimento que lhe dou.
A
terra paga-me em vida com as suas belezas
naturais, com o fruto que vai dando ao meu trabalho; por isso, continuo em
dívida à terra e só lhe pagarei tudo quando à terra voltar: E eu pago à
terra morrendo.Estará aqui a razão do ritual popular,deitar terra
com o pé ou com a mão sobre o féretro, quando desce na cova?
A
morte é passagem para uma vida nova e a verdade é que o povo a supõe como uma
caminhada. São várias as expressões populares que dão esta ideia, mas a mais
interessante encontra-se em Gaviera (Serão, 96), Arcos de Valdevez, onde os
mortos são enterrados com botas novas, fortes, como efectivamente fossem
empreender uma grande viagem ou um grande trabalho na Serra da Gaviera. Este
costume era usado,também noutras localidades do Alto Minho, embora com algumas
variantes.
O
pranto feito à saída do féretro da casa, chega, às vezes, ao extremo.Nesse
pranto é bem patenteado o bem e o mal do defunto. São os amigos e os inimigos a
desabafar e a perdoar, pois não desce à cova sem ser perdoado pelos ofendidos.
Uma ou outra vez este pranto até se torna indiscreto: "0 meu querido home.
Tu às vezes batias-me. Mas eu perdoo-te".
É
crença popular que a alma, após a morte, tem de passar por uma ponte tão
estreita como um fio de seda. Se não consegue passar, cai no inferno ou no
purgatório, conforme a gravidade
dos pecados. Diz o Salmo 117,20: "Esta é a porta do Senhor; os justos
entrarão por ela".
Há,
em algumas partes, o costume de, durante a velada do cadáver, espetar um
alfinete no forro do caixão para que o morto se lembre dos vivos diante de
Deus.
A
propósito do Sacramento da Santa Unção, não se encontra nada no Cancioneiro
Popular, mas há costumes como o seguinte:
Ali vai, Divino Verbo,
Vestido
de carne humana
Visitar
a um enfermo
Que está mauzinho na
cama:
Deus
lhe dê memória e entendimento
CP 18 Para receber o Divino Sacramento.
Esta
"oração" é dita sempre que uma pessoa cruze ou aviste um sacerdote que
vá com o "Senhor aos enfermos" e administrar a Unção.
R_E_C_O_L_H_A___N_O___C_E_M_I_T_É_R_I_O
___D_E__V_I_A_N_A
1. Rosa
que chora
Flor
querida,
Rosa que ama
Flor perdida.
2. Eu
vos plantei
Com
todo o carinho,
Eu
sempre julguei
Que fôsseis
meninos.
3. Que
saudades eu tenho
Dessas
flores perdidas
Que
sempre foi em mim
Amor
e vida.
4. Alma
gentil que partiu
para
as regiões divinas,
de ti
deixaste saudade inolvidável
a
teus extremosos pais.
5. Pedrinho,
sorriste para a vida,
A
vida não te sorriu;
Agora
que nos deixaste
A
sorrir estás no Céu.
6. Deus
te chamou a viver com Ele
no
Seu Reino divino;
ausentaste-te
deste mundo,
mas
vives com Deus,
até
que um dia
Ele
nos vá chamando um por um
para
a tua doce companhia.
Deixaste-nos
saudades,
lágrimas,
dor e uma recordação
que
sempre perdurará no coração
dos
que te amam.
Bem
haja a tua alma para sempre.
Jo.
12,24
"...Não
tinha o Messias estas coisas,e assim entrar na Sua glória?"
Lc.
24,26
Jo.
12,24
"Possuímos
nos Céus uma Casa que é obra de Deus".
2
Cor. 5,1
"Alegrei-me
quando me disseram..."
Salmo
121,2
"Encheu-se
de riso a nossa boca e de júbilo a nossa língua".
Salmo
l2
"Vinde,
benditos de Meu Pai,..."
Mt.
25,34
"A
nossa pátria encontra-se nos Céus... "
Fil.
3,20
"Passámos
da morte para a vida, porque amamos os irmãos".
I
Jo. 3,14
7. Mártir foste na vida,
Do trabalho nada gozaste;
Deixaste saudade infinda
Daqueles que tanto amaste.
8. Em Ti confiei, Senhor,
até ao último instante
da minha vida sobre a terra.
9.
Sacerdote
de Cristo foi no templo,
Entre nós era um amigo de bondade;
Deixou na terra a luz do seu exemplo,
Levou ao Céu a nossa saudade.
10.Repousa e descansa
Que nós velaremos,
Até que no Céu
Nós a ti nos juntaremos.
11.Cedo partiste, é verdade
Nunca tal imaginamos,
Resta agora a saudade
Com que nós te recordamos.
12.Foi marido e pai exemplar.
Católico sincero,
que todos edificava com o seu exemplo.
13. Faleceste tão cedo, meu
filho,
Eu te dei todo o amor;
Agora que estás no Céu
Pede por nós ao Senhor.
14. Razão, irmã do amor e da
justiça...
E é
por ti que a virtude prevalece até um dia!
É
sempre dolorosa a despedida
de alguém a quem votamos terno amor!
Por
isso, te não disse adeus, querida,
quando parti, sofri a maior dor!
"...Se o grão de trigo morrer, dá muito
fruto".
Jo. 12,
"Confiei no Senhor,...
Salmo 115,10
"Felizes os mortos..."
Apoc. 14,13
Salmo 117,1
"Muitos nos que dormem no pó da terra,
acordarão".
Dan. 12,2
"Ocultastes estas coisas aos sábios e
prudentes e as revelastes aos pequeninos".
Mt. 11,25
"Felizes..." Salmo 119,1
"...Não haverá mais morte…"
Apoc. 21,4
15. E
uma despedida assim... para quê,
Se é temporário o nosso afastamento;
Se volta a ver-se o que ora se não vê…
Na etérea região do firmamento.
16. Até
um dia, sim?!
É o
mais sério dia
que poderá estar muito
perto
por determinação do
Criador!
Tu cumpriste bem já o
teu dever,
eu continuo ainda a
padecer
até que Deus nos volte
a unir... no amor.
17. Se
a virtude é dádiva de Deus,
então,
no Céu estás, alma bondosa,
porque
a virtude soubeste praticar.
18. De
nada vamos para nada.
Faz bem a todos,
tenta a bem com todos.
No Céu nos voltaremos
a ver.
19. Morreste?
Não.
Foi um sonho.
Anjos não podem morrer.
20. Vieste ao
mundo
Em
sofrimento.
Partiste.
Agora
resta-me
Ter-te no
pensamento.
21. Quem
nesta sepultura parar
um
Pai Nosso há-de rezar.
22. Um
nome para quê?
Uma cruz basta
para dizer o que a
vida foi.
23. Morreste
para o mundo.
No nosso coração tu
vives.
"Sou
peregrino na terra,..."
"Estai
preparados vós,também,porque na hora em que menos pensa: é que o Filho do Homem
chega".
Luc.
12,40
"As
Vossas mãos me fizeram e me formaram; dai-me inteligência para aprender os
Vossos Mandamentos".
"Felizes
os que seguem o seu caminho perfeito e andam na Lei do Senhor"
Salmo
119,1 e 73
"Não
haverá mais morte".
Apoc.
21,4
"Confiarei
no Senhor, mesmo quando me disse:
Sou
um homem de todo infeliz!"
Salmo
115,1
"...pedirei
a paz para ti".
Salmo
121,8
"Elevarei
o Cálice da Salvação, invocando o nome do Senhor".
Salmos
115,4 e 119,75
"Não
adormece nem dorme o guardião de Israel".
Salmo
120,4
24. Senhor,
lembrai-vos
daquele
que tão piedoso foi
para Convosco,
tão afectuoso e meigo
para os seus
e tão bom para todos
os que o conheciam.
25. A
morte foi uma cruz bendita
em que a última prece,
o último olhar foi
para Deus.
Orai por ele.
26. 0
sol, o mar,
os caminhos, os campos
floridos,
toda a obra do Senhor,
eram o seu enlevo.
Também tu serás sempre
o enlevo e o amor da
nossa vida.
27. Recordamos
com dor e saudade
quem tanto trabalhou
e terrível doença não
o poupou.
28. Querida
avozinha...
Deus te
guarde no Céu
como eu te
guardo no meu coração.
29. Américo,
partiste para Deus
Na primavera em flor,
Para que lá do Céu
Peças por nós ao
Senhor.
30. 0
mundo deixaste,
Para nós viverás.
Por ti pedimos a Deus
Que a tua alma
descanse em paz.
31. Ó
vós, que nos conheceis,
Por nossa alma rezai;
Que nós por vós
pediremos
Ao nosso eterno Pai.
"Lá
assentam os tribunais da justiça,..."
Salmos
121,5 e 119,1
"Levanto
meus olhos para Vós,..."
Salmo
122,1
"Abri
os meus olhos para ver as maravilhas da Vossa Palavra".
Salmo
118,8
"Os
que esperam em Vós, Senhor, não serão confundidos".
Salmo
24,3a
"0
Senhor lembra-se de nós e abençoa-nos,..."
Salmo
113,20
"Por
amor de meus irmãos e amigos, pedirei a paz para ti".
Salmo
121,8
32. Partiste
tão cedo, minha filha,
Nós te demos todo o
amor;
Agora que estás no Céu
Pede por nós ao
Senhor.
33. E
a vós, companheiros meus,
Se eu nunca mais
voltar,
Dizei por mim adeus...
Aos campos, à praia e
ao mar!
34. A
morte coroou-te a vida de glória.
morreste pela Pátria.
Descansa em paz.
35. Para
ti, querida amiga,
Dos colegas da escola,
Pelo muito que
sofreste
Deus te dê o Céu por
esmola.
36. Tu,
que para o Céu voaste,
Ainda tão pequenina!
Quanta saudade
deixaste,
Querida Cátia
Cristina.
37. Combati
o bom combate,
terminei a minha
carreira,
Guardei a fé.
Por isso, me está
reservada a coroa de justiça
que o Senhor, como
justo Juiz,
me dará no último dia.
38. Quando
eu morrer, não quero
Nem flores, nem cruz
erguida;
Das flores só tive os
picos,
Cruz, chegou-me a da
vida.
39. Deixaste
saudade,
Deixaste perdão,
A tua bondade
E nossa devoção.
"Jovem.
Eu te digo: Levanta-te... "
Lc.
7,14
"A
nossa pátria está nos Céus,..."
Fil.
3,20
"Os
que n'Ele confiam, compreenderaão a verdade".
Sab.3,8
"...Alegremo-nos
e rejubilemos, porque nos salvou".
Is.
25,39a
"A
salvação do justo vem do Senhor".
Salmo
36,39a
"As
almas dos justos estão na mão de Deus".
Sab.
3,1
"Felizes
os que morrem unidos ao Senhor,..."
Apoc.
14,13
"Não
tinha o Messias de sofrer estas coisas..."
Lc.
24,26
40. Traçada
foi a morte na vitória,
Graças a Deus que nos
dá a vitória
Por Nosso Senhor Jesus
Cristo. (I Cor. 15,54-57)
41. Ó
crente, como vós no íntimo do peito,
Abrigo a mesma crença
e guardo o mesmo ideal.
0 horizonte é infinito
e o olhar humano é escrito.
Creio que Deus é
eterno e a alma é imortal.
Guerra Junqueiro
42. Aqui
cinzas escuras,
Sem vida, sem vigor, jazem
agora;
Mas esse ardor que as
animou outrora
Voou nas asas de
imortal aurora
Às regiões mais puras.
43. Não,
a chama que o peito ao peito envia
Não
morre, a extinta no etéreo gelo;
coração é imenso, a
campa fria
É pequena demais para
contê-lo.
44. Voltou
para Deus com toda a pureza
e
simplicidade do seu coração.
Passou a vida como o
lírio dos campos.
A sua memória é um
perfume.
46. Alfredo,
saiste do mundo dos vivos, partiste, mas não te esquecemos.
Como podemos acreditar
que morreste,
se tão vivo estás nos
nossos corações?!
47. Meu
querido filho, que te criei
Com muito carinho e
amor;
Morreste, foste p'ró
Céu,
Pede por nós ao
Senhor.
48. Pouco
importa chorar durante a vida, se podemos sorrir na hora extrema.
"A
minha alma tem sede de Vós; por Vós suspiro, como terra árida, sequiosa, sem
água".
Salmo
62,2
"A
morte foi absorvida na vitória"
I
Cor. 15,54
"…também
nós próprios, que já começámos a receber o Espírito, gememos dentro de nós à
espera da filiação adoptiva, da libertação do nosso corpo".
Rom.
8,23
"É
preciosa aos olhos do Senhor a morte dos Seus amigos".
Salmo
115
"Como
um pai se compadece de seu filho, assim o Senhor Se compadece dos que 0
temem".
Salmo
102,13
Salmo
125,2
49. Flores
brancas da cor da espuma do mar
"Joe" ao
Céu, dizei-lhe a ela
0 que eu vos digo a
rezar - uma oração,
A saudade que a gente
reza a chorar.
50. Já
deste mundo não eras
Flor tão cedo colhida
Helena, filhinha
querida,
Jamais serás
esquecida.
51. Carlos,
filho querido,
Que tão cedo a vida
deixaste;
Jamais te esqueceremos,
filho,
Pois parte de nós
levaste.
52. Aqui
aguardam as alegrias da ressurreição.
53. Dorme
teu sono, coração liberto,
dorme na mão de Deus
eternamente.
54. Que
a verdade respira livremente,
o sono da criança
libertar-se-á no infinito.
55. Teresa
Maria nasceu para Jesus.
56. No
mundo foste um grande
De trabalho com suor,
Para nos deixares tão
cedo
No meio de tanta dor.
57. Rui,
que o fruto que de nós ficou
mantenha sempre em mim
e em ti, que vives,
o amor que nos uniu e
une.
58. Luís,
o nosso amor floriu,
As nossas filhas
Manterão vivo em nós
0 amor que nos uniu.
59. Filho,
foste um mártir na terra.
Deus te recompense no
Céu.
"Nenhum
de nós vive para si mesmo…"
Rom.
14,7
"0
justo gozará de repouso, ainda que morra prematuramente".
Sab.
4,7
"Por
que motivo procurais entre os mortos Aquele que está vivo?
Não
está aqui: ressuscitou".
Lc.24,6a
"Consolai-vos,
pois, uns aos outro com estas palavras".
I
Tess. 4,1
"Minha
alma tem sede do Deus vivo"
Salmo
41,3a
"...é
grande no Céu a Vossa recompensa"
Mt.
5,12a
60. Tónica
querida, em nosso coração
Deixaste
saudade, tristeza e dor,
Porque
tu na vida foste
nosso maior
amor.
61. Eras
a nossa alegria,
Eras o nosso amor;
Por isso, pérola preciosa,
Te pomos na mão do Senhor.
62. Partiste...
a vida deixaste...
Teu sangue perdeste no nosso além-mar.
Na eterna memória um herói ficaste
E nós cá na terra por ti a chorar.
63. Querida
filhinha,
junto
ao Trono de Deus,
para
onde voaste,
nunca te esqueças dos
teus pais.
64. 0
justo é como a árvore
plantada
junto de águas correntes,
que a
seu tempo dá fruto,
cuja
folhagem é sempre verdejante.
65. Homenagem
de gratidão dos paroquianos de Monserrate
aos
seus zelosos e venerandos párocos,
cujas
vidas sacerdotais foram modelos de humildade e caridade.
66. Querido
Zé, deixaste-nos sós,
Quando
a vida nos sorria;
Oramos
por ti na terra
Para
que lá do Céu possas velar por nós.
67. Em
vida foste para nós estrada luminosa,
Durante
os sete anos por ti vividos.
Foste
a conduta da nossa felicidade,
Ternura
no ventre e na amizade,
Deixando
a dor... aos entes queridos.
"Oferecer-Vos-ei
um sacrifício de louvor, invocando, Senhor, o Vosso Nome".
Salmo
115,8
"Vinde
a Mim todos vós que vos afadigais e andais sobrecarregados, que eu vos
aliviarei".
Mt.
11,28
"Nós
sabemos que passamos da morte para a vida…"
I
Jo. 3,14
"...,o
justo completou uma longa carreira".
Sab.
4,13
"...,e
nenhum tormento os há-de atingir".
Sab.
3,1
"Leva-me
a descansar em verdes prados, conduz-me ás águas refrescantes…"
Salmo
22,2-3
"A
nossa pátria está nos Céus".
Fil.
3,20
68. 0
cajado, a goiva, a cruz,
0
trípico dum pastor,
Depois
mestre entalhador,
Sempre
aluno de Jesus.
69. Querido
Jorge,
Ficaste
nesse mar;
Os
que estão na terra
Por
ti rezam a chorar.
70. Saiu
da vida, mas não da nossa vida.
Como
poderemos acreditar que morreu
quem
tão vivo está nos nossos corações?
71. Chamavas-me
Teresa Isabel,
Nos
sete anos que vivi;
Agora
que estás no Céu
A Deus pedirei por ti.
72. Em
ti confiei, Senhor,
até
ao último instante
da
minha vida sobre a terra.
73. Morreste,
foste para o Céu
Com
sofrimento e grande dor,
Adeus,
filha querida,
Nem
sequer um adeus te dei
No
resto da tua vida.
74. Lembrar-nos-emos
sempre de ti
Como
tu te hás-de lembrar;
Um
adeus até ao dia
Em
que nos tornarmos a encontrar.
"0
senhor é meu Pastor: nada me falta".
Salmo
22,1
"...é
um santo e piedoso pensamento"
II
Mac. 12,45
Esta
recolha no cemitério de Viana, como em tantos outros cemitérios, dá-nos uma
visão teológica sobre a morte. No entanto, o cemitério é revelador por muitos
outros modos: as flores, as visitas, as velas, as sepulturas em si.
Nesta
recolha de pensamentos, verificamos que o povo chama ao Céu as regiões
divinas (4), lugar de sorriso, pois a sorrir estás no Céu. (5) Para
o Céu se vai, porque Deus chama: Deus te chamou a viver com Ele no Seu Reino
divino. (6) ,é uma graça que não se sabe quando acontecerá, pois até que
um dia Ele nos vá chamando um por um (6, 10, 11). Esta separação que,
aliás, é temporária - se é temporário o nosso afastamento (15), traz
uma saudade infinda (7). Apesar de haver um afastamento, há sempre algo que
fica a perpetuar a sua memória - Deixou na terra a luz do seu exemplo
(9). No entanto, este chamamento é pessoal e é feito aos justos: Em ti
confiei, Senhor, até ao último instante da minha vida (8). É tempo de
repouso e descanso - Repousa e descansa que nós velaremos (10). De Deus
vimos e para Ele vamos, se fizermos sobre a terra o bem - Faz bem a todos,
tenta a bem com todos (18). Não há morte para os que fazem o bem - Anjos
não podem morrer (19).
A
nossa vida é uma caminhada difícil, viemos e partimos- Vieste ao mundo em
sofrimento. Partiste (20) Uma cruz basta para dizer o que a vida foi
(22 e 27).
Só
deixas o mundo (30), de resto viverás (30) e descansa
em paz (30). Para que descanses em paz é preciso a nossa oração - Por
nossa alma rezai (31) e as almas são, ao mesmo tempo, intercessoras, junto
de Deus, por nós - Que nós por vós pediremos ao nosso eterno Pai (31), Pede
por nós ao Senhor (32), Dizei por mim adeus... (33). A morte é o
coroamento da vida em glória (34) e o Céu é-nos dado por esmola (35) - dom de
Deus ao justo. Para o Céu voaste (36). Aqui se exprime a ideia de
espírito. 0 Senhor será o justo Juiz e só posso esperar a recompensa ao
chegar ao fim da caminhada terrena, se tiver guardado a fé, se combater
o bom combate entre o bem e o mal (37).
A
vida é uma cruz (38), mas a saudade, o exemplo do perdão e da bondade,
cria nos vivos a devoção.(39).
0
que importa é sorrir na hora extrema (48).
0
crente traz no coração a crença, o ideal, a fé, que é
mistério do horizonte infinito e vinca a profissão em Deus eterno
e na alma imortal, confrontando com aquilo de que o homem é capaz - é
escrito (41).
Reduzidos
os corpos que serviram de tabernáculo a esta crença a cinzas escondidas no gelo
da terra, sem vida, voou na imortalidade a alma para as
regiões dos anjos e de Deus, porque o coração é imenso e a campa
fria é pequena demais para contê-lo (42 e 43).
A
pureza, a simplicidade voltaram para Deus e a sua memória deixa
odor (perfume) de santidade na terra (44). Não pode morrer aquilo que
continua vivo nes nossos corações (46).
No
juízo final todos voltarão à vida (52). Na sepultura, o justo dorme o sono
da paz, liberto da guerra do mundo, dorme na mão de Deus (53). Nascemos
para Deus (55). A vossa lembrança há-de manter-nos unidos no amor (57 e
58).
Bem-aventurados
sois vós, porque recebereis no Céu uma recompensa (59).Aquilo que nos
deste, nas Vossas mãos depomos, ó Senhor (61). Se o grão de trigo morrer, dará
muito fruto (64).
A
PASTORAL POPULAR
Antes
de apontar regras para uma acção pastoral eficaz, é necessário definir o que
entendemos por pastoral: "A praxis da missão da Igreja que se dirige ao
nosso povo como tal povo, com sua cultura e sua história". (1)
É
a praxis dinamizadora da história na sua marcha para a eternidade orientando-a
para uma plenitude humana.
A
pastoral não é só uma pedagogia e uma estratégia dirigida a um indivíduo, mas
dirigida ao conjunto de indivíduos, na sua totalidade, a que
chamamos"povo".
"Povo"
este que se diversifica pela cultura própria de uma zona geográfica e se
identifica com determinada sociedade, raça ou língua.
Eis
a pastoral que sempre teve como destinatário o povo, mas nem sempre se
identificou com ele. Por isso, o Concílio Vaticano II recomenda que a pastoral seja
menos pragmática e mais popular, que se tenha em conta a pedagogia moderna e os
problemas psicológicos e sociológicos dos povos, que se conheça melhor o seu
destinatário para que se execute uma pastoral capaz de atingir o homem na sua
globalidade de ser e estar num momento concreto da história e do mundo.
Encontra-se
como rescaldo na alma popular a sua própria Religiosidade e, no capítulo
anterior, verificámos expressões populares que são verdadeira teologia
católica.
Evidentemente
que assim como há uma Religiosidade Popular, de amplitude religiosa mais
alargada, há um catolicismo popular que provém da fé católica como religião
oficial ou organizada. Ao mesmo tempo, verificámos que há uma perfeita simbiose
entre cultura e catolicismo popular. É sobre esta cultura diversificada e
catolicismo que nos interessa para este trabalho.
"A
Religiosidade Popular é uma realidade demasiado variada e complexa e resulta
extremamente difícil fixar seus limites com certa precisão científica'.(2)
A
pastoral tem de partir do conhecimento das motivações religiosas do povo,
sobretudo, das de carácter devocional, como os "sacramentos
populares"(Baptismo, Eucaristia, Matrimónio e Morte), como aquela que se
prende com o relacionamento do homem com Deus, quando Este lhe responde às suas
necessidades humanas, como aquela outra que evidencia o Cristo, que morreu na
Cruz, e a necessidade que o homem sente da protecção, favores, graças e de
experimentar estas vivências nos ritos, nos símbolos e, ainda, outras devoções
particulares.
(1) Religiosidade
Popular,Equipo Seladoc,Ed. Sígueme - Salamanca 1976, pág. 94.
(2) Religiosidade
Popular y Pastoral, Ed. Cristandade, 1979, pág. 20.
Há
que reconhecer que na sua Religiosidade o povo tem muitos "Cristos"
:Senhor dos Aflitos, dos Milagres, do Socorro, da Prisão, da Saúde, da Boa
Lembrança. do Resgate, do Alívio, dos Mareantes, da Cana Verde, etc... que tem
muitas "Nossas Senhoras": Senhora da Agonia, de Fátima, da Cabeça, da
Boa Morte, do Crasto ,de Ao Pé da Cruz, das Neves, das Boas Novas, da Peneda,
da Conceição, da Rocha,do Amparo, da Bonança, da Aparecida, da Ajuda, da
Abadia, do Sameiro, do Minho,da Piedade, etc... que, às vezes, os santos têm
mais valor que Cristo e Nossa Senhora: S.Bento, S. João, S. Silvestre, S.Brás,
Santa Justa, Santa Luzia, Santa Marta ,Santo António, Santa Marinha, Santa
Bárbara, S. Sebastião, S. Vicente, Santo Ouvidio, etc ...
Cada
uma destas devoções, com a sua motivação, com a sua história às vezes a
redondar em lenda que nem por isso deixa de ter o seu interesse e um fundo de
verdade no mais recôndito da alma popular.
Na
maioria dos casos as pessoas vêem mais nestas motivações: 0 poder de Cristo,
esquecendo a Sua humanidade e a Sua mensagem como algo que deve ser encarnado
agora na vida de todos os dias; 0 poder de Nossa Senhora e dos santos,em vez da
necessidade de os imitar nas realidades do mundo de hoje.
A
pastoral tem de antever as diversas culturas dos povos - a nacional, a
regional, a particular e a doméstica. É forçoso à boa pastoral ser acção
extensiva a todas as diversas culturas. Não pode fechar-se com as elites, com
as comunidades de base, sob o perigo de se circunscrever aos cultivados na sua
fé, aos convertidos e nada mais. Ela tem de ser missionária,por vontade de
Cristo, que ordenou: "Ide, pois, ensinai todas as nações, baptizando-as
em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". (Mt. 28,19)
Tem,
forçosamente, de ir ao encontro dos outros, das maiorias e da massa, também.
"A
evangelização supõe, evidentemente, uma sabedoria prudencial e uma mística
missionária, e a percepção da Religiosidade Popular em toda a sua
globalidade". (1)
Cristo
não veio para destruir, mas para completar e salvar o que estava perdido.
A
pastoral tem de ser extensiva a uns e a outros, às pequenas comunidades e às
grandes massas. As comunidades de base a pastoral tem de as informar e preparar
concomitantemente para serem fermentos na massa dos alheios, dos
indiferentes,dos marginais da fé. A pastoral tem de preparar as pequenas
comunidades para uma melhor inserção no povo anónimo, pois só assim serão
capazes de ser evangelizadoras e de cumprir e participar na missão profética de
Cristo libertador dos pobres e dos oprimidos, dando-lhes a novidade de uma face
nova da Igreja que tem as suas exigências, a partir dos pobres e abandonados.
(1)
Religiosidade Popular y
Pastoral, Ed. Cristandade, 1979, pág. 16
Não
pode a pastoral de hoje esquecer que a Religiosidade tem muito de carácter
afectivo, intuitivo, concreto e nao se rege pela lógica do raciocínio. Recebe
a Religiosidade um forte influxo feminino, pois são, sobretudo, as mulheres que
mais praticam, as que têm de algum modo nas suas mãos a primeira transmissão da
fé às criancinhas.
A
pastoral tem de ter em conta o valor que a Religiosidade Popular dá às coisas
benzidas, às imagens, às estampas, aos lugares sagrados, às velas, à água benta
e às bênçãos. Ela é itinerante e vai aos templos, aos santuários, aos lugares
religiosos, muitas vezes, para cumprimento de promessas que fez com interesse
por benefícios divinos recebidos.
Ela
é orante e aceita a vida, desdobrando-se em sacrifícios,em solidariedade com os
problemas dos outros. Dá um sentido novo ao pobre, ao enfermo, à criança, ao
velhinho,e à morte dedica-lhe um culto especial,convicta do "mais
além".
Tem
de reconhecer ainda o valor que a Religiosidade dá às festas, mesmo, estando
este valor escondido sob expressões folclóricas que são, todavia,muito do seu
gosto popular e "uma Religiosidade não se conhece só pelas suas
manifestações, mas, sobretudo, pelas atitudes, motivos e valores envoltos
nestas manifestações".
0
pastoralista tem que descobrir esses motivos e valores, antes de se lançar em
renovações pastorais carregadas de extremismo, condenando, à priori, sem tratar
primeiramente de salvar o que está perdido...
A
pastoral tem que ter em conta as culturas populares: a do urbano,do rural e do
operário.
Na
aldeia, a relação com Deus é mais ligada à subsistência, enquanto na cidade o
homem tem a percepção de Deus, nas realidades da sua vida social: sistema de
produção, legislação vigente, Estado, emprego, sindicato.
Enquanto
que na aldeia a Religiosidade é mais ritual e, por isso,mais rica em
simbologia, na cidade manifesta-se, sobretudo, nas atitudes de valor cristão,
menos ritualista e mais pobre em significações perante a vida, a morte, o futuro,
o trabalho, a família, a insegurança, a injustiça, a libertação,é menos sistemática,
reduzindo-se a "momentos da vida", como: nascimento, doença, tragédia
e morte.
Na
cidade, perde-se a simbologia bíblica do Reino de Deus. Onde está o fogo da
lareira? Onde está a água do poço ou da fonte? Onde está a igreja-templo? Onde
está o caminho tortuoso e difícil de escarpar? Onde está a vinha com os sarmentos?
Onde está a mesa onde come toda a família? Onde estão as parábolas?
A
água entra entubada dentro de casa, como o fogo. A igreja-templo é ofuscada,
tantas vezes, no meio-ambiente pela urbanização local. 0 caminho transformado
em planos e direitos arruamentos. A vinha não existe. A mesa modifica-se pela
refeição ligeira e dispersa por "snackbares",
"selfservices" e restaurantes ou pensões. As histórias, as lendas e
os contos desapareceram, pois tudo entra em casa feito não pela iniciativa de
todos, mas apenas de alguns, despersonalizando as relações humanas entre uns e
outros. Os encontros são menos abundantes e. quando existem, são anónimos,de
gente que se cruza na rua a correr ou se acotovela inconscientemente nas casas
comerciais, nos edifícios públicos, nas gares,todos com pressa de estar em casa
ou noutro lado apenas com os "seus" - amigos e familiares.
Não
há vida de testemunho cristão. Vive-se no prédio com muitas famílias, mas a
conversa é sempre a mesma e mensal - luz das escadas, ascensor, limpeza da
entrada e renda. Nem para isto há diálogo, há contacto pessoal, há identificação
suficiente para um verdadeiro testemunho evangelizador.
Há
indivíduos que se encontram todos os dias, às mesmas horas, nos mesmos locais,
mas apenas se olham como seres indiferentes, no transporte público,na rua, no
jardim, no prédio, no trabalho,
na casa comercial, "fazenda pública" e, quantas vezes, até no remplo
ou a caminho dos actos de culto.
Sendo
assim, onde está o fermento que deve ser uma comunidade de base.que deve ser um
cristão autêntico no meio da vida social?
A
massa existe, está à vista de todos, mesmo o mais cego do corpo pode encontrar
a massa, o que não encontrará, será o espírito, fruto do calor humano iluminado
pela fé e pelo amor. Esta situação é sinal duma crise na Religiosidade Popular,
que traz novos problemas aos pastoralistas.
A
pastoral tem de contar com estas diferenças de cultura e de motivações sob o
perigo de fracassar à partida. Não poderá haver uma pastoral para a cidade,
esquecendo que nesta há diferentes tipos de comunidade - os que fazem
comunidade a partir do desporto, do cinema, do trabalho, da habitação... que as
motivações dos operários não são as mesmas das profissões livres, dos que vivem
na cidade ou dos que vivem no mundo rural, uns e outros, por vontade própria ou
contrariados no meio-ambiente em que vivem.
A
pastoral deve empenhar-se por recolher os valores existentes, desenvolvê-los,
encarnando-os na vida quotidiana.
PARA
A PASTORAL DUMA PARÓQUIA
Vou
referir a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima, que se encontra a meu cargo, mas
não se trata de excluir aqui quaisquer paróquias, pois tenho consciência de
que ela se insere num grupo de paróquias da cidade de Viana do Castelo, do
arciprestado, da diocese, do Minho e do País.
São
mais os aspectos que as une do que aquilo que as divide. No entanto, refira-se
que a Paróquia de Nossa Senhora de Fátima tem quinze anos de existência como
comunidade paroquial e, por isso, se vai vivendo uma esfera nova de Religiosidade
Popular da sua gente, pois até ali encontrava-se afastada do centro da paróquia-mãe
e naturalmente dividida pelo caminho de ferro, perfeita guilhotina , sobretudo,
dos incautos, no meio da cidade.
Tem,
hoje, esta nova comunidade paroquial consciência de comunidade,consciência de
ser um povo com a sua própria identidade paroquial - citadina. Para ganhar este
corpo sócio-religioso não se pode esquecer, em primeiro lugar, a sua alma
religiosa e, em segundo lugar, a acção do seu lider religioso, Dr. António da
Costa Neiva, na qual trabalhou quase quatro anos, sucedido pelo Padre Rogério
Fernandes da Cruz, na qual trabalhou sete anos. A acção pastoral destes líderes
ficou marcada, sobretudo, pela descoberta do sentir, do pensar e do viver
desta comunidade para a tornar consciente da sua própria identidade à qual
procurei depois dar o melhor que pude para que se fizesse corpo paroquial
inserido na vida eclesial.
Sobre
as acções que desencadeei, não me interessa falar delas, nem como exemplo, pois
cada comunidade tem as suas próprias características.
Contudo,
quero frisar a dificuldade da "cura de almas" nesta nova comunidade
constituída, em grande parte, por bairros bem distintos na sua etnografia.
Assim,
temos: 0 Bairro da Bandeira, que abrange a Papanata e Quelhas anexas, cujo
burgo é antiquíssimo, em Viana, onde vivem os que aqui tiveram as suas raízes
familiares noutra eras, assim como a Rua José Espregueira. Aqui habitam os
trabalhadores da pesca artesanal, do comércio e da indústria, na maioria, e de
serviços.
0
Bairro do Liceu, que abrange as ruas Manuel Fiúza Júnior, S. João de Deus, Dr.
João da Rocha Páris e parte da Avenida Capitão Gaspar de Castro,onde habitam os
trabalhadores de serviços (profissões liberais), trabalhadores da função
pública, na maioria, e bancários que vieram das aldeias e doutros pontos da
cidade .
0
Bairro Jardim, na maioria, habitado por trabalhadores da indústria e do
comércio, e que abrange também a Rua H, a Estrada da Abelheira até à Capela do
Senhor do Alívio e a Rua Padre Américo.
0
Bairro da Cruz das Barras, habitado, sobretudo, por trabalhadores de serviços,
de indústria e de comércio.
0
Bairro da Abelheira é um lugar bastante fechado com características culturais
muito distintas do resto da Paróquia e da cidade,onde habitam, na maioria,
trabalhadores rurais, por conta própria e doutrem, de comércio e de indústria.
É
o povo da Abelheira o mais antigo de toda a cidade. Daí o seu etnos muito
característico e, além disso, proveniente de uma raça talvez germânica.São pessoas
muito alentadas, fortes, com um pé grande e "mulheres com cara de
homem", como já ouvi classificar.
0
Bairro da Socomina, onde predominam as profissões livres (serviços) e os que,
contrariados, ou não, vieram da aldeia para a cidade.
0
Bairro dos Capitães do 25 de Abril, onde se encontra quase a mesma situação do
anterior, embora se encontre a uma distância não relativamente
perto.
A
zona da Bandeira é uma zona completamente tradicionalista-intriguista,
supersticiosa e indiferente a qualquer inovação. Difícil de se integrar na vida
paroquial, talvez, devido às inovações introduzidas na vida paroquial noutros
tempos e ao acabamento com a festa de "Santa Filomena". 0 centro da
Religiosidade Popular gravita à volta,da "Igreja das Carmelitas",
hoje a paroquial de Nossa Senhora de Fátima e à volta da igreja do Seminário
Carmelita aqui instalado. Não deixa, no entanto, de ser sensível à fé.Mais ou
menos conhecem-se bem uns aos outros. ,
A
zona do Liceu é completamente fria perante o problema religioso. A sua prática
religiosa é dispersa pela cidade. Os seus habitantes conhecem-se pouco entre
si.
A
zona do Bairro Jardim é tradicionalista, mas à espera e atenta às inovações;
admiram-nas, mas têm dificuldades em se comprometerem. Pode considerar-se uma
zona pobre. É sensível ao mistério. Conhecem-se muito bem mutuamente.
A
zona da Abelheira é tradicionalista, "rude" na sua cultura. Fechada e
desconfiada. 0 centro da sua Religiosidade Popular anda à volta da Capela de
Nossa Senhora das Necessidades, com autonomia na administração do culto, da
missa dominical. Conhecem-se todos muito bem e formam como que uma tribo.
As
outras zonas são religiosamente frias e os seus habitantes não se conhecem, à
excepção do Bloco da Celnorte, onde habitam trabalhadores de uma empresa
fabril, mas que se conhecem apenas a nível do trabalho onde se encontram.
Nesta
Paróquia assim tão diversificada na sua cultura, na sua situação sócio-religiosa,
etnográfica, na sua forma de luta pela vida de cada dia... como actuar, qual a
acção pastoral eficiente que possa responder e reavivar o rescaldo da
Religiosidade Popular existente na alma deste povo que, apesar de tão
diverso,mesmo perante o mistério do sagrado, se apresenta ainda como uma comunidade
paroquial?
É,
sem dúvida, difícil a resposta. Creio, todavia, que ela, sendo difícil, não é
impossível.
No
capítulo anterior apontei algumas directrizes que uma boa acção pastoral deve
ter e todas elas devem ser tidas em conta para a renovação pastoral desta
paróquia de Nossa Senhora de Fátima.
Há,
à volta desta comunidade paroquial, os convertidos à fé, os que vivem uma fé
esclarecida verdadeiramente comprometidos na Paróquia e provenientes de
todos
os bairros. 0 número destes não é satisfatório em relação à população
local(cerca de 7000 habitantes).Há os indiferentes, os que
praticam o mínimo, alimentando uma Religiosidade primária e que não aceitam
compromissos paroquiais,porque se sentem vacilantes e indiferentes, às vezes,
perante as actividades dos outros. Isso talvez não lhes diga nada, até porque
têm a sua fé pouco cultivada e demasiado ritualista, confrontada com a fé dos
outros mais libertada de ritos e convertida a novas atitudes de vida,
sobretudo, em ordem à fé. Estes são os que aparecem, sobretudo, às festas que
os outros organizam.
Há
ainda no contexto dos indiferentes aqueles que a sua prática se reduz
simplesmente à presença em funerais, em baptizados, em casamentos e comunhões.
À
margem existem os alheios, os que não querem saber da Igreja e o que sabem dela
é, às vezes, correspondente a aspectos "negativos" que algum dia ouviram
dizer ou, por acaso, até observaram pessoalmente.
Devem
ser os alheios, os não crentes, os ateus, os professos de outras religiões, os
pagãos, o principal objectivo da nossa preocupação evangelizadora, ao mesmo
tempo que para lá chegar, devemos passar pelos indiferentes.
Não
podem, sob qualquer pretexto, os comprometidos na vida paroquial fugir a esta
preocupação; antes pelo contrário, terão de ser fermento e, para tal , precisam
duma inserção na massa dos indiferentes e alheios capaz de manter com eles um
contacto pessoal, evangelizador e testemunhante.. Só assim serão verdadeira
Igreja missionária de Cristo.
É,
sobretudo, neste aspecto que nesta comunidade paroquial se tem falhado; talvez
se caia demasiado no elitismo do grupo sem se ir ao encontro dos outros.
Poder-se-ia chegar mais longe, se acontecesse o contrário.
É
possível que falte o testemunho dos comprometidos na vida de todos os dias,
mas... isso é prova e faz parte de um povo peregrino que ainda não chegou à
plenitude da sua caminhada terrena. Todos os que estão integrados compreenderão
o fracasso das forças humanas que escandalizará, quantas vezes, farisaicamente,
os de fora. Nunca é demais recomendar, todavia, o testemunho de vida aos que
mais dão de si,à comunidade em geral. A vida de grupo deve ser vida motora da
alma paroquial e, por isso, tem que ser testemunhante da vida de Cristo e
geradora de novos grupos, de novos cristãos. Nunca poderá ser o grupo um quisto
na comunidade,anquilosado em si mesmo, sob o perigo de destruir em vez de
construir o Reino que deve anunciar.
UM
PLANO DE PASTORAL
Conforme
se tem vindo a descrever, determinar qual vai ser o programa pastoral duma
comunidade é assunto que compete, nas suas linhas gerais, à Igreja. Ela é, por
vontade de Cristo, a detentora do depósito da fé e, como tal, é a primeira a
estar atenta às transformações culturais para melhor esclarecer os pontos
fundamentais da fé, purificando-os das más interpretações dos indivíduos ou
dando -lhes uma linguagem diferente e apropriada a uma nova cultura.
É
ela que tem, em primeiro lugar, a palavra sobre as inovações, os carismas, não
para os destruir, pura e simplesmente, condenando, por exemplo, mas para
investigar e apontar as bases fundamentais, as linhas mestras para uma pastoral
eficaz.
Deve
haver um plano universal, um plano nacional e um plano regional. A comunidade
paroquial, seguindo as bases traçadas pela hierarquia da Igreja, deve ela
mesma, com o seu pároco, descobrir as linhas de acção mais apropriadas à cultura,
ao ethos, com o qual se identifica.
Só
a partir daqui, o pároco pode ter elementos que o ajudem a determinar com os
paroquianos a programação pastoral.
No
entanto, quando ao pároco se apresenta uma comunidade com zonas distintas nas
suas motivações perante o mistério, uma comunidade verdadeiramente diversificada
na cultura, o caso é mais complicado. Isto acontece, sobretudo, nas paróquias
citadinas, como o caso concreto que apresentei, da Paróquia de Nossa Senhora de
Fátima.
Seria
vantajoso recorrer a grupos de zonas constituídos por indivíduos
verdadeiramente comprometidos na vida da Igreja paroquial e os preparar com uma
pastoral adequada para uma transcendente evangelização dos indiferentes e dos alheios
da sua zona, inserindo-se evangelicamente entre estes, de uma forma verdadeiramente
identificada com a respectiva cultura zonal.
Portanto,
teria de recorrer a meios técnicos ao alcance e pessoas devidamente preparadas
para execução de um plano de pastoral que, ano a ano, teria os seus objectivos
principais.
Servir-se-ia
da imprensa privada da paróquia, da imprensa regional e até da nacional, dos
meios audio-visuais, etc, etc...
Recorreria
às expressões populares próprias de cada zona, como, por exemplo, às marchas
populares, ao folclore, aos concursos disto ou daquilo, a actividades
desportivas, aos encontros informais, aos convívios, etc... Porque não, por
exemplo, neste Ano Santo da Redenção, que deve pautar a acção pastoral nas
nossa comunidades levar a efeito, em ordem à catequese, concursos de quadras
populares, subordinadas ao mote "Abri as portas ao Redentor" ou a
apresentação de trabalhos sobre a Redenção, concursos de fotografia,
subordinado ao tema "Redenção", exposições com os respectivos
resultados, a feitura de calendários de bolso com uma frase a propósito, assim
como autocolantes que todos os dias vão às mãos e aos olhos dos indivíduos, a
feitura de dísticos e painéis sobre a "Redenção" para os expor nas
ruas da cidade, na igreja, em todo o lado.
Se
a pastoral esquecer que tem de sair à rua e entrar nas casas e limitar-se a uma
catequese de sala ou de templo, nunca mais poderá chegar às celebrações
litúrgicas em plenitude. Não interessarão os esquemas litúrgicos preparados por
mãos tão sábias, se não houver uma catequese que chegue ao coração das pessoas
tais quais elas são.
Se
se meter dentro das salas de catequese e da igreja, continuará a manter os
convertidos ou os meios-convertidos e aqueles a converter estes, será mais
longe e mais difícil a sua missionação, se é que ela existe, deste modo.
0
que se diz a propósito da catequese sobre a "Redenção", dir-se-ia, sobretudo,
em ordem à vivência do que este assunto "Redenção" implica na vida
das pessoas. Por exemplo, a celebração especial do dia de Ramos, da semana
santa e do dia de Páscoa.
Depois
de uma catequese bem feita e animadora (e teria de ser inovadora para alguns),
não seria difícil a transformação do ritmo normal "ordinário" dos
anos anteriores, um ritmo diferente e "extraordinário" nas
celebrações da Penitência e, consequentemente, do tríduo pascal, neste Ano
Santo.
Em
ordem, ainda, à catequese, que será o motor de tudo o resto, porque não
valer-se o pároco de um festival de folclore ou de música rock, se a fé, a
religião tem de estar na vida dos indivíduos e eles estão no folclore ou na
música rock também?...
Não
compreendo como muitos pastoralistas se empenham, sobretudo, em procurar
celebrações exclusivamente de carácter religioso, se o povo precisa do profano
para entender o religioso. Como vamos nós falar de "Redenção" e
fazer-lhes crer que a "Redenção" do Homem compromete a vida, se
quisermos retirar o Homem da vida?
Aliás,
não seria necessária a"Redenção", se não fosse o profano. 0 que é
preciso é que, depois da "Redenção", não ande nas trevas, mas na luz,
ou como Jesus disse: "Já não estou no mundo, mas eles estão no mundo,
enquanto Eu vou para junto de Ti". (Jo. 17,11)
A
"Redenção" deve levar o homem ao pleno conhecimento de Deus, como
único Deus verdadeiro, de Jesus Cristo enviado por Deus à plenitude da alegria
e a libertação do mal que o mundo oferece.
Tenho
entre mãos preciosos esquemas de celebrações de culto a propósito da
"Redenção", mas faltam esquemas populares, pelos quais o povo até é
capaz de ir, de se animar e chegar às mesmas celebrações de culto.
Deixando
ficar o Ano Santo da Redenção, vamos a um esquema geral de pastoral paroquial
para uma paróquia dividida em várias etnias.
PROGRAMAÇÃO PASTORAL
OBJECTIVO
|
CATEQUESE
|
MEIOS
|
PESSOAS
|
VIVÊNCIA
|
MEIOS
|
PESSOAS
|
ANO SANTO DA REDENÇÃO
|
REDENÇÃO
|
Conferências
Filmes
Concursos
Exposições
Imprensa
Meios audiovisuais
Calendários
Horários escolares
Video
Festivais
Restauração de marchas
populares
Autocolantes
Peregrinações
|
Indivíduos de fé esclarecida, preparados, comprometidos na vida
paroquial, das diversas zonas, numa comissão paroquial coordenadora.
Orientados por um esquema geral da paróquia, executariam um plano de zona, em
ordem à catequese sobre a Redenção, podendo multiplicar-se noutras comissões
de zona, mesmo com indiferentes ou alheios. Deste modo, apareceriam novidades
e dar-se-ia possibilidades ao povo de deixar manifestar a sua sabedoria
popular a propósito da Redenção e, ao mesmo tempo, se fariam receptivos a uma
catequese preparada.
|
Expressão, em celebrações litúrgicas e em testemunho de vida do
problema Redenção.
|
Preparação de esquemas litúrgicos apropriados e sua celebração.
Celebração da Palavra. Celebração do Sacramento da Penitência. Celebração da
Eucaristia.
Peregrinações
|
Indivíduos da Comissão Coordenadora e outros com
preparação litúrgica.
|
B=I=B=L=I=0=G=R=A=F=I=A===C=0=N=S=U=L=T=A=D=A
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RELIGIOSIDADE
POPULAR
Trabalho de ARTUR
RODRIGUES COUTINHO,
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SIGLAS
C.
|
|
- CANCIONEIRO DA SERRA DA
SERRA DE ARGA
|
'ARGA
|
A. A.
|
|
- ANTÔNIO ALEIXO
|
|
C. P.
|
|
- CANTIGUEIRO POPULAR
|
|
M. B.
|
|
- MONDIM DE BASTO
|
|
C/S
|
|
- CANTAI AO SENHOR
|
|
C. S.
|
P.
|
- CANCIONEIRO DOS SANTOS
|
POPULARES
|
C. G.
|
|
- CANCIONEIRO GALEGO
|
|
S. V.
|
S.
|
- SANTIAGO DE VILA SECA
|
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