Aceitámos o
convite para falar sobre o Músico Filarmónico num ambiente celebrativo da
Associação do Grupo de Cultura Musical de Ponte de Lima. A ternura com que a
Senhora Presidente da Banda de Música de Ponte de Lima nos fez o convite, e a
referência de que o convite correspondia também a uma solicitação pessoal do
Senhor Major José Gonçalves, obrigou-nos a responder afirmativamente e a falar,
aqui, hoje, sobre o Músico filarmónico. As nossas palavras são, por isso, de felicitação
da Banda de Ponte de Lima pelos seus 223 anos, de homenagem, nunca demais
repetida e agradecida, ao Senhor Major, e de reconhecimento da figura fascinante
do Músico Filarmónico, objecto principal desta breve comunicação.
Esta
comunicação é fruto de algumas leituras, de conversas de trocas de impressões
com Hélder Magalhães, Maestro reputado da Banda de S. Martinho da Gandra e com Franklim
Fernandes, uma pessoa ligada à música e à Banda de Ponte de Lima. É fruto,
principalmente, das nossas vivências com “o músico filarmónico”.
De facto, desde
a infância, levados pelo pai, nos habituamos a ir à entrada das Bandas nas
Romarias da Ribeira Lima. A Entrada das músicas marcava, para alguns, a tomada
de posição sobre a qualidade das Bandas e a sua qualidade obrigava a voltar, à
festa, à noite, no arraial. Crescemos a apreciar a música filarmónica, junto do
povo, nas mais conceituadas romarias, e, há quase duas décadas, convivemos,
diariamente, com o Músico Filarmónico.
Na época em
que praticamente o ensino da música não existia, as filarmónicas foram das
únicas escolas gratuitas para os que nasceram longe da cidade. Tiveram, então,
como professores regentes de bandas e muitos deles sem formação superior. Longe
da escola e do conservatório, os músicos começaram a sua caminhada musical na
banda de música da terra. Como diz Vítor Paulo Pereira: “ Era sobretudo a
paixão que fazia correr os homens simples que, abraçados ao metal, levavam a
música para todo o lado. Para dentro das igrejas e para fora delas, sob intenso
sol ou debaixo das latadas. Tocavam em todo o lado e para todas as pessoas,
tanto para os humildes como para as autoridades, porque o grande desejo era
tocar. Tocavam até ao fim das forças e, em último caso, até quando o regente
mandasse”.
Então, o
músico filarmónico, como a maioria da população, raramente sabia ler e os
músicos profissionais, eram elementos das Bandas do Exército, da Guarda, da
Polícia, da Marinha e, mais tarde da Força Aérea, eram por isso, em número
muito reduzido. Desta elite saíram os maestros e regentes da maior parte das
bandas de música, com conhecimentos avançados que transmitiram aos executantes.
Temos tantas
figuras, antigas e recentes, na memória que facilitam a nossa comunicação e
exigem um estudo posterior mais desenvolvido. O músico filarmónico é, de facto,
um bom tema para o 223º aniversário da Banda de Ponte de Lima.
As bandas
filarmónicas funcionaram e funcionam como lugares de cultura e de criação de
laços de amizade. O Músico gostou e gosta de vestir a farda e de pertencer a um
grupo coeso. Na banda, sempre aprendeu e aprende a partilhar, a respeitar e a ter
solidariedade com os outros.
O músico e a
sua música, outrora, eram ouvidos e apreciados por um público, por vezes, com
pouca formação, sem conhecimentos básicos que avaliava a qualidade de uma banda
e apelidava-a de boa ou má em função das sonoridades e do número de músicos.
O músico
filarmónico, antigamente, muitas vezes, via a banda como um lugar de convívio.
Além disso, ir para a Banda era uma maneira de sair de casa, de conhecer novas
pessoas e terras. Às vezes, também para “comer e beber”. Ouvimos alguns músicos
afirmar que, de manhã, custava tocar, mas, depois do almoço, a “trompete até
falava”. “A música era importante, mas sem a barriga cheia para a tarde, seria
difícil aguentar o acompanhamento da procissão e o despique com a banda rival
que ninguém sabia até onde poderia ir. Por vezes, o despique era tão grande que
chegava a intensas e exaltadas discussões entre o público que rodeava o coreto.
Em algumas ocasiões, as coisas tornavam-se feias. Nessas alturas, a banda
tocava com mais força até as coisas se acalmarem.”
Apesar dos
diminutos recursos económicos e da pouca formação musical de base, muitos
músicos vingaram e que bem!
O músico
filarmónico foi sempre considerado “o artista do povo”. É certo que o talento e
a veia artística não nascem com todos. Sabemos que não é músico quem quer, mas
apenas os predestinados, isto é, quem possui o dom da assimilação da arte
musical. É também determinante o conhecimento do solfejo e da gramática
musical, com os seus acidentes, as suas claves, os seus tons e toda a teia que
envolve a música, sobretudo instrumental.
As bandas
filarmónicas são também o berço de músicos de grandes orquestras. Muitos
músicos que tocam nas orquestras sinfónicas, a nível de sopro, aprendem música
nas bandas.
A qualidade
das bandas filarmónicas tem vindo a aumentar não só pela formação dos maestros,
mas também pela qualidade dos arranjos e da composição de peças para
filarmónicas. A Banda filarmónica que atuava na rua e nos coretos toca hoje também
em auditórios e em salas de espetáculo com repertório próprio.
O músico
filarmónico actual é muito diferente. Os músicos, agora, influenciados pelos pais,
investem na formação e numa carreira musical e apercebem-se das influências e
das vantagens positivas que a música tem na sociedade em geral.
O músico
filarmónico de hoje, dá prioridade à sua apresentação artística, demonstrando o
que vai assimilando na sua escola de música, nas academias e conservatórios.
Procuram defender o seu prestígio, a competência dos seus professores, a
qualidade do ensino da escola que representam.
As academias e
escolas de música encheram-se de alunos que foram depois ingressando nas bandas
e substituíram velhos hábitos e acomodações. As bandas encheram-se de juventude
e de gente formada. Nas nossas bandas, é frequente encontrarmos executantes que
são alunos do Ensino Secundário, engenheiros, médicos, enfermeiros, professores,
advogados, alunos e professores de academias e conservatórios.
Há tempos,
fazia-se pouco investimento na formação de um músico feminino. Dizia-se, na
altura, que era diminuto o tempo em que as meninas permaneciam na banda, pois,
quando começavam a namorar, desistiam e, na altura de serem mães, suspendiam a
actividade musical e nunca mais voltavam. Hoje, nas bandas filarmónicas, há uma
forte presença feminina e de juventude. É agradável ver tanta gente nova nas
nossas bandas filarmónicas!
As bandas estão,
cada vez mais, dirigidas artisticamente por maestros novos, com formação
musical e pedagógica, cheios de vontade de avançar, com competências para
orientarem os músicos numa caminhada musical de voos elevados. As direcções das
nossas bandas escolhem para direcção artística maestros formados e alguns até ensinam
em institutos superiores.
O músico
filarmónico actual deve respeitar as bandas filarmónicas onde toca. É grande a
quantidade de músicos que está a sair com formação secundária e até superior das
escolas de ensino artístico. No país, existem poucas orquestras profissionais.
A conjuntura social não é boa para futuros professores de música. As bandas
filarmónicas permitem ao músico colocar em prática o que assimilou ao longo dos
anos de formação.
Em suma, a
música tornou-se uma opção na carreira profissional. São muitas as bandas que
fornecem os conservatórios e institutos superiores de música, nas várias
componentes sobretudo na instrumental. As bandas, por sua vez, ganharam
qualidade com a formação superior dos seus executantes eliminando-se assim o
fosso que existia entre as filarmónicas. A qualidade das bandas tem vindo a
aumentar graças à formação dos seus componentes.
Uma banda é
composta por músicos. Daí, a oportunidade do tema desta pequena comunicação:
“Músico filarmónico”. Foi ele que deu vida à Banda de Música de Ponte de Lima durante
223 anos.
Vivam os
músicos da Banda de Música de Ponte de Lima!
O Músico filarmónico gasta muitas horas nos
ensaios para depois tocar num concerto, num arruado, numa procissão.
Vivam os
músicos filarmónicos!
Neste tempo de
crise, é bom lembrar às comissões de festas, por exemplo, que procissão solene
tem de ter banda de música. Procissão sem banda ou bandas de música não é majestosa,
não é solene.
Vivam
os Músicos, maestros e dirigentes das bandas filarmónicas!
José António
Araújo de Freitas
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