domingo, 1 de dezembro de 2013

Reflexões sobre a "Evangelii gaudium": a revolução da ternura








 

 

 


Evangelii gaudium: a Igreja não precisa ter medo do diálogo

A "abertura na verdade e no amor" é a chave que o Papa Francisco oferece para o diálogo com crentes de outras religiões e com não crentes

Alvaro Real

 

Com a exortação apostólica"Evangelii gaudium", o Papa Francisco lança um apelo aodiálogo "com os Estados, com a sociedade e com outros crentes que não fazem parte daIgreja Católica".

O Pontífice mostra que "aIgreja não tem soluções para todas as questões particulares", mas destaca que "acompanha as propostas que melhor correspondam à dignidade da pessoa humana e ao bem comum", além de propor, “com clareza, os valores fundamentais da existência humana, para transmitir convicções que possam depois traduzir-se em ações políticas”.

Este é o diálogo que ele propõe:

Com a razão e as ciências

“A fé não tem medo da razão; pelo contrário, procura-a e tem confiança nela, porque 'a luz da razão e a luz da fé provêm ambas de Deus' e não se podem contradizer entre si”, explica o Papa Francisco, que mostra que o diálogo é "um caminho de harmonia e pacificação", já que a sociedade “pode ser enriquecida através deste diálogo que abre novos horizontes ao pensamento e amplia as possibilidades da razão”.

Para o Santo Padre, não se trata de “deter o progresso admirável das ciências”; ele inclusive chega a dizer que, quando uma determinada conclusão que a razão não pode negar se torna evidente, "a fé não a contradiz".

Os crentes não podem "pretender que uma opinião científica que lhes agrada – e que nem sequer foi suficientemente comprovada – adquira o peso de um dogma de fé”, adverte o Bispo de Roma, mas também constata que, “em certas ocasiões, porém, alguns cientistas vão mais além do objeto formal da sua disciplina e exageram com afirmações ou conclusões que extravasam o campo da própria ciência”.

Com outras religiões cristãs

“Devemos abrir o coração ao companheiro de estrada sem medos nem desconfianças, e olhar primariamente para o que procuramos: a paz no rosto do único Deus”, explica o Papa Francisco, que considera o ecumenismo como “uma contribuição para a unidade da família humana”.

Na exortação, ele mostra a gravidade do “contra-testemunho da divisão entre cristãos” e recorda como os missionários da Ásia e da África “referem repetidamente as críticas, queixas e sarcasmos que recebem por causa do escândalo dos cristãos divididos”.

“Os sinais de divisão entre cristãos, em países que já estão dilacerados pela violência, juntam outros motivos de conflito vindos da parte de quem deveria ser um ativo fermento de paz”, acrescenta o Santo Padre, que dá como exemplo odiálogo com os irmãos ortodoxos: “Nós, os católicos, temos a possibilidade de aprender algo mais sobre o significado da colegialidade episcopal e sobre a sua experiência da sinodalidade”.

Com o judaísmo

Papa Francisco dá grande importância à relação com os judeus, e chega a expressar que “não podemos considerar o judaísmo como uma religião alheia”. “Juntamente com eles, acreditamos no único Deus que atua na história, e acolhemos, com eles, a Palavra revelada comum”, explica, pedindo diálogo e amizade; e lamenta, "sincera e amargamente, as terríveis perseguições de que foram e são objeto, particularmente aquelas que envolvem ou envolveram cristãos".

“A Igreja também se enriquece quando recolhe os valores do judaísmo”, acrescenta o Papa, mas reconhece que “algumas convicções cristãs são inaceitáveis para o judaísmo, mas a Igreja não pode deixar de anunciar Jesus como Senhor e Messias”.

Há pontos de união “que nos permitem ler juntos os textos da Bíblia hebraica e ajudar-nos mutuamente a desentranhar as riquezas da Palavra, bem como compartilhar muitas convicções éticas e a preocupação comum pela justiça e o desenvolvimento dos povos”.

Com outras religiões não cristãs

A "abertura na verdade e no amor" é a chave que o Papa Francisco oferece para odiálogo com crentes de outras religiões não cristãs, no que considera que deve ser “uma conversa sobre a vida humana”: “Um diálogo, no qual se procurem a paz e a justiça social, é em si mesmo, para além do aspecto meramente pragmático, um compromisso ético que cria novas condições sociais.”

O Pontífice alerta sobre um “sincretismo conciliador” que “seria, no fundo, um totalitarismo de quantos pretendem conciliar prescindindo de valores que os transcendem e dos quais não são donos”.

No documento, Francisco explica como deve ser uma verdadeira abertura: “Implica conservar-se firme nas próprias convicções mais profundas, com uma identidade clara e feliz, mas disponível para compreender as do outro e sabendo que o diálogo pode enriquecer a ambos".

Não se trata de um "sim a tudo", porque seria uma forma de enganar o outro, explica o Papa, que une a evangelização ao diálogo inter-religioso: eles "se sustentam e se alimentam reciprocamente".

Com o islã

Papa Francisco quer enviar uma mensagem carinhosa ao islã: “Os escritos sagrados do islã conservam parte dos ensinamentos cristãos; Jesus Cristo e Maria são objeto de profunda veneração e é admirável ver como jovens e idosos, mulheres e homens do islã são capazes de dedicar diariamente tempo à oração e participar fielmente nos seus ritos religiosos”.

Mas sua mensagem também é de luta contra o fanatismo: "Rogo, imploro humildemente a esses países que assegurem liberdade aos cristãos para poderem celebrar o seu culto e viver a sua fé, tendo em conta a liberdade que os crentes do islã gozam nos países ocidentais!”

“Frente a episódios de fundamentalismo violento que nos preocupam, o afeto pelos verdadeiros crentes do Islão deve levar-nos a evitar odiosas generalizações, porque o verdadeiro Islã e uma interpretação adequada do Alcorão opõem-se a toda a violência”, explica o Santo Padre, querendo evitar, assim, qualquer tipo de estereótipo.

Com os não crentes

Também aos não cristãos, o Papa mostra que “a ação divina neles tende a produzir sinais, ritos, expressões sagradas que, por sua vez, envolvem outros numa experiência comunitária do caminho para Deus”. Porém, explica que eles “não têm o significado e a eficácia dos sacramentos instituídos por Cristo”.

“O mesmo Espírito suscita por toda a parte diferentes formas de sabedoria prática que ajudam a suportar as carências da vida e a viver com mais paz e harmonia”, explica o Papa Francisco, que se dispõe a aprender também com estas experiências: “Nós, cristãos, podemos tirar proveito também desta riqueza consolidada ao longo dos séculos, que nos pode ajudar a viver melhor as nossas próprias convicções”.

Diálogo e liberdade religiosa

Papa Francisco finaliza sua mensagem sobre o diálogo mostrando a importância da liberdade religiosa: “Um são pluralismo, que respeite verdadeiramente aqueles que pensam diferente e os valorizem como tais, não implica uma privatização das religiões, com a pretensão de as reduzir ao silêncio e à obscuridade da consciência de cada um ou à sua marginalização no recinto fechado das igrejas, sinagogas ou mesquitas”.

Nesta parte, ele critica os intelectuais e jornalistas que “caem, frequentemente, em generalizações grosseiras e pouco acadêmicas”, os políticos que “aproveitam esta confusão para justificar ações discriminatórias”, e os que desprezam "os escritos que surgiram no âmbito de uma convicção crente”.

“Como crentes, sentimo-nos próximo também de todos aqueles que, não se reconhecendo parte de qualquer tradição religiosa, buscam sinceramente a verdade, a bondade e a beleza, que, para nós, têm a sua máxima expressão e a sua fonte em Deus”, conclui o Papa Francisco, mostrando como o “Átrio dos Gentios” pode ser “um caminho de paz para o nosso mundo ferido”.

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