Para a Igreja, o núcleo da
definição do pecado é relacional
Mais do que transgredir uma regra, o pecado é romper o
relacionamento com Deus
AP/Gregorio Borgia
Por Gilberto Borghi
Decidi escrever em nome do diálogo, mas não do jeito que geralmente se espera: escrevo para mostrar os benefícios que se obtêm do diálogo entre um católico e um laico.
Um amigo me enviou o artigo de Eugenio Scalfari publicado no jornal italiano La Repubblica.it [“A revolução de Francisco: ele aboliu o pecado”, ndr]. Li o texto e confirmei que, na Itália, todos somos técnicos da seleção de futebol, todos somos primeiros-ministros e todos somos teólogos. Todos, principalmente os matemáticos e os jornalistas. Como Bento XVI já tinha dito, eu acho que, também para Scalfari, poderíamos responder: "Só posso convidar você, decididamente, a ser um pouco mais competente".
A leitura que Scalfari nos oferece do papa Francisco e da história teológica do cristianismo não é uma interpretação pessoal dele, o que seria até legítimo. Ela é, basicamente, uma demonstração de falta de conhecimento.
"O pecado é um conceito eminentemente teológico, é a transgressão de uma proibição. Portanto, é uma culpa", afirma Scalfari, revelando o ponto de partida da sua argumentação. Bastaria ler o número 1850 do Catecismo da Igreja Católica para compreender que não se trata disso. "O pecado é uma ofensa a Deus: ele se ergue contra o amor de Deus por nós e afasta dele os nossos corações. Assim como o primeiro pecado, ele é uma desobediência, uma revolta contra Deus, causada pela vontade de ‘tornar-se como Deus’ (Gn 3,5), conhecendo e determinando o bem e o mal; o pecado é o amor por si mesmo até o desprezo de Deus".
Para a Igreja, o núcleo da definição do pecado é relacional, não jurídico. Não é a transgressão de uma regra: é o rompimento de um relacionamento, o relacionamento com Deus.
E essa diferença só pode passar despercebida ou subestimada por quem não conhece o significado de um relacionamento com Deus. É óbvio, então, que o ateu Scalfari só possa interpretá-lo daquela forma. Qual é a consequência disso? Que pecado e culpa acabam virando sinônimos. E o sentido de pecado acaba se confundindo com o de culpa. Eu posso aceitar que Scalfari afirme isso. Ele é um não-crente. Ou, talvez, um “homem à procura”, e fico muito feliz de que ele tenha encontrado no papa Francisco um interlocutor que lhe atraia a atenção.
Por outro lado, acho muito difícil aceitar que esta visão do pecado como transgressão de uma regra seja a base da ética de muitos católicos, de muitos que se dizem crentes. Apesar de Jesus Cristo, eles ainda têm uma visão de Deus semelhante à do próprio Scalfari, baseada no Antigo Testamento: "O Deus de Moisés é um juiz e ao mesmo tempo um executor da justiça". Esta afirmação é absolutamente parcial e redutiva.
A visão de Deus que cada um tem é a base a partir da qual, conscientemente ou não, cada um avalia e interpreta toda a realidade. O espanto de Scalfari se justifica diante das palavras, dos atos e dos gestos do papa Francisco. Do ponto de vista de Scalfari, a insistência do papa em um Deus misericordioso e infinitamente clemente é uma novidade absoluta trazida pelo próprio papa. E, assim, a novidade de Jesus Cristo, que revela o Deus misericordioso, se desconecta de todo o resto da revelação, criando um racha entre a graça e a natureza, uma divisão baseada na ideia de um Deus que torna irrelevantes as escolhas livres do homem. Tanto é assim que Scalfari não consegue entender o sentido da existência do inferno, que é a demonstração mais reluzente da liberdade do homem.
Muitos católicos, a este propósito, demonstram uma série de reações aparentemente opostas, mas que partem da mesma ideia de Deus que Scalfari cultiva, a do deus-juiz. Do medo, da intolerância, da raiva, porque, de acordo com eles, o desvio de Francisco é o de ter-se vendido ao relativismo à moda de Scalfari. Eu me pergunto se as pessoas que têm essas reações realmente já experimentaram o sentido da relação de amor e de misericórdia de Deus para com elas ou se continuam sentindo o pecado como culpa, o que acaba por trancafiá-las num egocentrismo autojulgador.
Decidi escrever em nome do diálogo, mas não do jeito que geralmente se espera: escrevo para mostrar os benefícios que se obtêm do diálogo entre um católico e um laico.
Um amigo me enviou o artigo de Eugenio Scalfari publicado no jornal italiano La Repubblica.it [“A revolução de Francisco: ele aboliu o pecado”, ndr]. Li o texto e confirmei que, na Itália, todos somos técnicos da seleção de futebol, todos somos primeiros-ministros e todos somos teólogos. Todos, principalmente os matemáticos e os jornalistas. Como Bento XVI já tinha dito, eu acho que, também para Scalfari, poderíamos responder: "Só posso convidar você, decididamente, a ser um pouco mais competente".
A leitura que Scalfari nos oferece do papa Francisco e da história teológica do cristianismo não é uma interpretação pessoal dele, o que seria até legítimo. Ela é, basicamente, uma demonstração de falta de conhecimento.
"O pecado é um conceito eminentemente teológico, é a transgressão de uma proibição. Portanto, é uma culpa", afirma Scalfari, revelando o ponto de partida da sua argumentação. Bastaria ler o número 1850 do Catecismo da Igreja Católica para compreender que não se trata disso. "O pecado é uma ofensa a Deus: ele se ergue contra o amor de Deus por nós e afasta dele os nossos corações. Assim como o primeiro pecado, ele é uma desobediência, uma revolta contra Deus, causada pela vontade de ‘tornar-se como Deus’ (Gn 3,5), conhecendo e determinando o bem e o mal; o pecado é o amor por si mesmo até o desprezo de Deus".
Para a Igreja, o núcleo da definição do pecado é relacional, não jurídico. Não é a transgressão de uma regra: é o rompimento de um relacionamento, o relacionamento com Deus.
E essa diferença só pode passar despercebida ou subestimada por quem não conhece o significado de um relacionamento com Deus. É óbvio, então, que o ateu Scalfari só possa interpretá-lo daquela forma. Qual é a consequência disso? Que pecado e culpa acabam virando sinônimos. E o sentido de pecado acaba se confundindo com o de culpa. Eu posso aceitar que Scalfari afirme isso. Ele é um não-crente. Ou, talvez, um “homem à procura”, e fico muito feliz de que ele tenha encontrado no papa Francisco um interlocutor que lhe atraia a atenção.
Por outro lado, acho muito difícil aceitar que esta visão do pecado como transgressão de uma regra seja a base da ética de muitos católicos, de muitos que se dizem crentes. Apesar de Jesus Cristo, eles ainda têm uma visão de Deus semelhante à do próprio Scalfari, baseada no Antigo Testamento: "O Deus de Moisés é um juiz e ao mesmo tempo um executor da justiça". Esta afirmação é absolutamente parcial e redutiva.
A visão de Deus que cada um tem é a base a partir da qual, conscientemente ou não, cada um avalia e interpreta toda a realidade. O espanto de Scalfari se justifica diante das palavras, dos atos e dos gestos do papa Francisco. Do ponto de vista de Scalfari, a insistência do papa em um Deus misericordioso e infinitamente clemente é uma novidade absoluta trazida pelo próprio papa. E, assim, a novidade de Jesus Cristo, que revela o Deus misericordioso, se desconecta de todo o resto da revelação, criando um racha entre a graça e a natureza, uma divisão baseada na ideia de um Deus que torna irrelevantes as escolhas livres do homem. Tanto é assim que Scalfari não consegue entender o sentido da existência do inferno, que é a demonstração mais reluzente da liberdade do homem.
Muitos católicos, a este propósito, demonstram uma série de reações aparentemente opostas, mas que partem da mesma ideia de Deus que Scalfari cultiva, a do deus-juiz. Do medo, da intolerância, da raiva, porque, de acordo com eles, o desvio de Francisco é o de ter-se vendido ao relativismo à moda de Scalfari. Eu me pergunto se as pessoas que têm essas reações realmente já experimentaram o sentido da relação de amor e de misericórdia de Deus para com elas ou se continuam sentindo o pecado como culpa, o que acaba por trancafiá-las num egocentrismo autojulgador.
A diferença entre o sentimento de culpa e o sentido de pecado está precisamente nisto. O sentimento de culpa é o autojulgamento negativo de uma consciência que se relaciona apenas consigo mesma, olhando para uma regra externa. Essa postura rouba energia da pessoa, que só consegue se dizer: “Isso não está certo, eu errei”. Numa próxima vez, ela repetirá o mesmo comportamento. É uma questão individual, de mim para comigo, em que a relação com Deus não existe. Já o sentido de pecado só existe a partir da experiência da relação com Deus, e não antes dela. É quando Deus pode me perdoar que eu me percebo pecador, não antes! Antes eu sou apenas culpado. O sentido de pecado, portanto, nos oferece energia, a energia para nos abrirmos à relação de confiança com Deus. É quando perguntamos: “Falta muito para chegar em casa?". E Deus responde: "Não se preocupe, você vai conseguir". Numa próxima vez, teremos mais chance de não repetir o mesmo comportamento.
A revolução de Francisco não consiste, portanto, em extinguir o pecado, mas em recolocar esta diferença no centro da questão, dando ao pecado o seu verdadeiro sentido.
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