Até as
prostitutas vos precederão no Reino de Deus
Manuel José Ribeiro
Última crónica tinha como título "As mulheres e as
religiões" e, sobre esse tema, relatava as pesquisas que tive de fazer
para provar a seriedade do seu conteúdo. O título da presente crónica também
não é invenção minha. Fui buscá-lo a uma sentença de Jesus Cristo, a que
retirei a palavra "publicano” e acrescentei, para dar mais força
expressiva, a palavra "até". Quem quiser ter uma noção das
circunstâncias dessa frase poderá consultar o Evangelho de Mateus no capítulo
21, 23-32. A sentença textual de Jesus é esta: "Em verdade vos digo: os
publicanos e as prostitutas preceder-vos-ão no Reino de Deus". Se tivermos
em conta a quem Jesus dirigiu estas palavras fortes, poderemos concluir muita
coisa. Estas palavras foram dirigidas aos Príncipes dos Sacerdotes, à poderosa
e interesseira classe sacerdotal do Templo de Jerusalém, quando encontraram
Jesus a ensinar e, de imediato, aqueles lhe perguntaram com que direito Jesus
ensinava e quem lhe tinha dado a autoridade para isso! Se da palavra prostituta
(ou meretriz ou puta] ninguém tem dúvidas quanto ao seu significado e à
baixíssima posição social que "a mais antiga profissão do mundo"
sempre ocupou, resta-me acrescentar que os publicanos eram odiados (isso mesmo,
odiados) pelo povo de Israel, pois eles, além de cobradores de impostos para os
Reis e para os Imperadores Romanos, também retiravam largas somas de dinheiro
para si próprios. Umas e outros, já se vê, eram fortemente desconsiderados.
Portanto, se para Jesus até as mulheres mais desacreditadas
socialmente — as meretrizes — eram mais dignas do que a classe sacerdotal do
seu tempo (intelectualmente autoconvencida, soberba, poderosa, ciosa dos seus
privilégios, gananciosa), qual seria a consideração de Jesus Cristo pelo comum
das mulheres, das esposas e mães, que eram maltratadas quer pela Lei de Moisés
e, claro, pelo poder patriarcal e machista dos homens do seu tempo? Obviamente:
Jesus tinha pelas mulheres a mais elevada consideração!
E, de imediato, ocorre-me a pergunta (a mim e, muito
provavelmente, aos leitores que me seguem). E tem justificação plausível o
tratamento discriminatório (no mínimo) que a "classe sacerdotal" do
cristianismo, a partir das imperiais cidades de Roma e Constantinopla, deu às
piedosas mulheres cristãs? Nenhuma justificação. Jesus foi uma pessoa fora do
comum, de elevadíssima inteligência e, realmente, de uma infinita bondade. Mas
não deixou códigos alguns e muito menos manuais de doutrina ou de comportamentos
de qualquer espécie, designadamente sobre matéria sexual, e fez tudo para banir
os preconceitos do seu tempo. O único mandamento foi o do Amor (amai-vos os aos
outros como eu vos amei) e a única oração foi a do "Pai-nosso que estais
no Céu". No dia em que escrevo esta crónica (o Domingo do Corpo de Deus),
é indubitável a posição de Jesus em relação a toda a humanidade e, claro, às
mulheres. Trata-se do episódio da Última Ceia (instituição da Eucaristia), nas
vésperas das celebrações pascais judias:" Isto é o meu corpo, o sangue da
Aliança, que é derramado por toldos" (Marcos, 14, 22-24)
Os próprios evangelhos canónicos (aqueles que são usados e
autorizados pelas Igrejas Cristãs) narram vários episódios e transcrevem muitas
palavras de Jesus que desmentem categoricamente esse comportamento
discriminatório em relação às mulheres, tratamento esse que foi norma e prática
da hierarquia religiosa (masculina) até aos nossos tempos. Se a esses episódios
dos evangelhos canónicos juntarmos outros que vêm referidos nos chamados
evangelhos apócrifos (secretos, escondidos), torna-se claríssimo que, nessa
matéria, a doutrina (o dever ser) das Igrejas Cristãs (de uma parte delas,
designadamente o Catolicismo) não é coerente com os ensinamentos de Jesus. Mas
salvo melhor opinião.
Julga-se que é o momento de mudar algo (ou muito) sobre o
papel das Mulheres na orgânica da Igreja. Há que pôr fim à demonização da
mulher e trazê-la para o seio da comunidade cristã sem horrendos preconceitos e
ultrapassadíssimas cautelas. O clero masculino (todo ele) só teria vantagens
nessa aproximação natural, às claras. Os crentes católicos esperam que o Papa
Francisco, depois do Sínodo dos Bispos sobre a Família, se vai concentrar no
arejamento da orgânica clerical, exclusivamente machista ainda nos tempos
actuais, e, portanto, parcialmente representativa da Humanidade: "O sangue
da aliança foi derramado por TODOS", ensinou Jesus.
(NOTA: a maior parte das edições dos Evangelhos, que
consultei sobre o episódio da Última Ceia, refere, para minha surpresa (embora
não total, mas, mesmo assim, perturbadora), as expressões "sangue
derramado por muitos homens" (Mateus), ou "derramado por muitos"
(Marcos), ou "sangue derramado por vós" (só os discípulos?), em
Lucas. Em que ficamos? Num tempo em que as informações correm mais velozes e
todo o mundo tem acesso às mesmas, torna-se imperioso que alguém explique estas
estranhíssimas incongruências).
(Bibliografia base: os Evangelhos e o livro "Jesus e as
Mulheres”, de Françoise Gange, Editora Vozes, de Petrópolis, Brasil)
(manuelribeirojor@gmail.com)
A aurora do Lima – 18 de Junho de 2015
Sem comentários:
Enviar um comentário