MELGAÇO
DIA DO BRANDEIRO
Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza
José Rodrigues Lima
O Dia do Brandeiro faz parte do
calendário festivo de Melgaço.
Os homens do cajado firme e com
“os olhos cheios de memória e pensamentos lavados pela aragem”, os brandeiros
de longas caminhadas celebram as memórias seculares vividas na branda da
Aveleira, a mil e duzentos metros de altitude.
No dia 8 de Agosto o convívio
animado e o eco das concertinas chegarão aos contrafortes da serra da Peneda.
A comemoração de homenagem
cumpre com o preconizado na “Declaração Patrimonial” torna pública no dia 7 de
Setembro de 1996, inserida no Projeto Memória e Fronteira que concretizou a
ação “Brandas do Alto Minho”.
Os amigos das brandas comungarão
um património vivo, verificando as denominadas cardenhas. Trata-se de pequenas
construções de abrigo cobertas de líquenes, e são bem a imagem da aspereza
primitiva da vida das gentes serranas, frugal e dura, revelando uma tendência
ancestral inconscientes.
Os protagonistas serão os
brandeiros, estando previstas comunicações referentes à paisagem cultural realizada
por estudiosos da branda, e o testemunho do brandeiro Manuel Carvalho, um
octogenário com uma longa história de vida para contar.
É de referir que também as
mulheres subiam à branda.
ARTES DA SOLIDARIEDADE ATIVA
A Branda da Aveleira, conjunto
harmonioso da montanha, contem uma paisagem cultural com tons cinzentos e
acastanhados e diferentes aromas, onde o ar é mais brando e as águas
cristalinas e leves.
Os brandeiros que comungaram
estes pedaços de terra que estão densos de permanência e universalismo, foram
protagonistas e construtores de uma trama espessa e indissolúvel, onde os
fatores geológicos, geográficos, ecológicos e económicos operaram uma constante
simbiose que contribuiu para a coesão social, em que o ideário celtista deixou
marcas perduráveis.
“As artes da sobrevivência
conviveram com a arte de viver na solidariedade ativa”, de acordo com o
sociólogo António Joaquim Esteves.
Os homens do cajado firme,
verdadeiros serranos, seguiram anos a fio a rota da transumância, partindo da
parte baixa da freguesia da Gave para a Branda da Aveleira, acompanhados de
emoções misturadas com a aventura e inseridos numa comunidade agro-pastoril.
“Um lençol e duas mantas; alguns potes ou azados; duas broas e um presunto;
dois cabaços descascados e a chicolateira velhinha eram os trastes usados” e
constituíam o espólio que transportavam para permanecer de Maio a Setembro na
branda, olhando pelo “bibo” ou pela “rês”.
Homens possuidores de
mundividências sábias.
A quadra do saudoso brandeiro
José Maria Rodrigues define o território: “Da Peneda até ao Mouro, / Tudo é teu
oh minha terra; / Tens a frescura do rio / E o verde escuro da serra.”
CONVERSAS FORA DE TEMPO
Os apaixonados pelas terras altas e que apreciam descobrir a alma dos
lugares poderão ouvir conversas surpreendentes, mesmo de espanto…
Quem nasce no monete volta pró
monte, como o melro puxa à silvareira. O monte é mais bonito porque fica mais
perto do céu. Aqui há silêncio, ar puro, contacto com a natureza, não há
poluição… Aqui deixa-se correr o tempo, olha-se o gado e as flores lindas.
Bebe-se água fresca, dorme-se uma soneca e assobia-se um pouco. É bom!
Pela canícula o gado descansa
nos cortelhos; pela fresca o “bibo bai pró pasto”.
No fim do dia arranja-se “o
comer” e conversa-se com os outros brandeiro. E pronto, é “noute”, e temos de
dormir, pois de manhã cedo é preciso abrir os cortelhos para “o bibo” sair
outra vez, retouçando as ervas.
Isto é um sossego…
Aqui é a branda da Aveleira,
concelho de Melgaço. Lá em baixo encontram-se os ribeiros da Aveleira, do
Vidoeiro e do Calcado, juntando-se todos entre Antre-os-Portos, formando o rio
Vez. É na junção das águas.
Há muitas “estóritas” para
contar por “bia” dos gados, dos pastos, da pesca nos ribeiros, do Poulo das
Beiguinhas, do lobo, dos sustos que apanhamos… Bô! Bô!
Agora tenho mas é que ir buscar
as “bacas” e as cabras.
Não quero outra “bida” de Maio
aos fins de Outubro. Os brandeiros quando lhes apetece, e há forças, fazem
alguns labores com logões, arranja-se a couçoeira, conserta-se o tarambelho ou
arruma-se a bezerreira”
É por aqui. Cumprimos a
tradição.
SANTUÁRIO NATURAL
A branda da Aveleira é
considerada um santuário natural, atendendo à riqueza botânica com espécies de
valor cientifico considerável, das quais destacamos a abrótea, o vidoeiro, a
orquídea, o azevinho, o salgueiro branco, o piorno, a urze, o freixo, o
castanheiro, a calta, a angélica e outras.
Quanto a plantas como vestígio
da antiga florestação destacamos o cedro do Oregon e o pinheiro silvestre, para
além daquelas que oferecem possibilidades para a medicina alternativa. São de
referir ainda a variedade de gramíneas e rupícolas.
Num ambiente ecológico de rara
beleza e com olhares para lugares diferentes, acompanhados por estórias
variadas, somos levados a um verdadeiro retorno às origens.
Aqui verifica-se a trilogia
monte, água e gado.
TURISMO DE ALDEIA
Com intuito de preservar a
diversidade cultural existente na branda vários proprietários candidataram-se
ao programa LEADER II, recuperando doze cardenhas, adaptando-as a fim de serem
utilizadas pelos turistas que apreciam o silencio da montanha, os valores
significativos do património natural e cultural, dando assim descanso ao corpo
e paz ao espirito, possuindo condições para usufruição turística, a branda
responde a grupos sociais que privilegiam o contacto com a flora e avifauna ao
mesmo tempo que descobrem com surpresa caminhos íntimos da cultura.
Os brandeiros podem ser
considerados artistas que moldaram os pedaços de terra das altitudes,
conseguindo meios para a sua economia.
Podemos
dizer com António Aleixo: “ A arte é força imanente, / Não se ensina, não se
aprende, / Não se compra, não se vende, /
Nasce e morre com agente.”
Para
além da cultura da batata, do centeio e do feno, muitos brandeiros dedicam-se à
apicultura, sendo de referir que um possui 85 colmeias das quais extrai mel de
qualidade.
No
dizer do grande geógrafo Orlando Ribeiro, “Aqui se encontram também os últimos
restos de deambulações de gado grosso, outrora transumante, reduzidas às
oscilações periódicas dos cimos para os vales; e, as brandas e inverneiras da
serra da Peneda, um caso de povoamento desdobrado, pelas necessidades de
pastagem e da cultura, entre os campos e os lameiros de verão e o abrigo das
terras baixas exíguas durante o inverno – dupla migração anual que afeta a
população de algumas aldeias.”
MONGES NA SERRA
O
historiador M. A. Bernardo Pintor sustenta que os mosteiros cistercienses do
Ermelo e Fiães possuíam terra na zona da Aveleira.
Assim,
regista: “Ermelo possuía terra no Cando e na Pomba. Fiães igualmente em
Fervença, na Bouça dos Homens, assim como Ciche, em Campelo na Aveleira.”
A
opinião do citado historiador e de outros contributos levou a que o projeto
“Rota Cisterciense do Alto-Minho e Galiza” atravessasse o território da Branda
da Aveleira.
O
itinerário cultural tem inicio no Mosteiro do Ermelo, passando pelo de Fiães,
para na Galiza sinalizar o Mosteiro de S. Clodio de Leiro, alcançando o grande
conjunto monacal de Santa Maria de Osseira.
O
lema Ora et Labora (Reza e Trabalha)
é referência mística dos monges brancos através da história e bem evidenciada
no noroeste peninsular.
Nas
pegadas dos monges os brandeiros decalcaram os caminhos da montanha.
A
Rota Cisterciense para além de outros objetivos preconiza dar visibilidade ao
tecido histórico-cultural das comunidades que possuem marcas civilizacionais da
ação dos conjuntos monacais.
Assim,
pretende-se ligar o Vale do Lima ao Vale do Minho pela montanha, contribuindo
para o seu desenvolvimento e constatar a existência de laços antigos entre os
cistercienses do Alto Minho e Galiza, bem como fomentar as relações
transfronteiriças e desenvolver o turismo cultural e religioso.
DA CARTA DA TERRA À
ENCÍCLICA “LAUDATO SI”
O corpo doutrinal da recente
encíclica “Laudato Si” (Louvado seja) do Papa Francisco, por certo será
referenciada, bem como a Carta da Terra (Carta dos Povos – 2000).
“É fundamental buscar soluções
integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os
sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social;
mas uma única e complexa crise socioambiental.”
“A Carta da Terra convidava-nos
a todos, a começar de novo, deixando para trás uma etapa de autodestruição, mas
ainda não desenvolvemos uma consciência universal que o torne possível. Por
isso, atrevo-me a propor de novo aquele considerável desafio: como nunca antes
na história o destino comum obriga-nos a procurar um novo início (…). Que o
nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar de uma nova reverencia face à
vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação
da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida”.
Encíclica “Laudato Si”.
A TERRA ESTÁ ENRIQUECIDA COM A VIDA DOS
NOSSOS SEMELHANTES
Célebre no âmbito ecológico
ficou a carta do Chefe Seattle, escrita em 1854, endereçada ao então Presidente
Americano Franklin Pierce, como resposta ao projeto de compra de uma grande extensão de terra
índia, feita pelo grande chefe branco de Washington.
Destacamos do documento:
“Por fim, talvez sejamos irmãos…
Cada parcela desta terra é
sagrada para o meu povo…
Somos parte da terra e do mesmo
modo ela é parte de nós próprios. As flores perfumadas são nossas irmãs, o
veado, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos, as rochas escarpadas, os
húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencemos à
mesma família.
A água cristalina que corre nos
nossos rios e ribeiros não é somente água; representa também o sangue dos
nossos antepassados…
Que seria dos homens sem os
animais? Se todos fossem exterminados, o homem também morreria de uma grande
solidão espiritual, porque o que suceder aos animais também sucederá ao homem.
Tudo está ligado!
Devem
ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam são as cinzas dos nossos avós.
Ensinem aos vossos filhos que a terra está enriquecida com a vida dos nossos
semelhantes para que saibam respeitá-la. Ensinem aos vossos filhos aquilo que
temos ensinado aos nossos que A TERRA É NOSSA MÃE.
Tudo
o que acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra”
Os
brandeiros são homens de carácter firme, personalidades simbólicas, poéticas,
de sabedoria, possuidores de segredos que sabem cuidar da biodiversidade e
escutam sempre “o grito da terra”.
São
merecedores da nossa homenagem pois apontam caminhos patrimoniais não rompidos.
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