Papa anima amigos do povo
O discurso do Papa Francisco, na passada quinta-feira, na
Bolívia, no encerramento do II Encontro Mundial de Movimentos Populares, foi de
grande coragem profética, exigindo mudanças reais no sistema global, que “impôs
a lógica do lucro a todo o custo, sem pensar na exclusão social nem na
destruição da natureza.” Denunciou-o porque “não o suportam os camponeses
(...), os trabalhadores (...), as comunidades (...), os povos (...) e nem
sequer o suporta a Terra.”
Em alternativa, o Papa Francisco pediu aos representantes
dos movimentos populares uma “globalização da esperança, que nasce dos povos e
cresce entre os pobres”, para “substituir esta globalização da exclusão e da
indiferença.”
Fez uma denúncia à “economia que mata”: “Quando o capital se
toma um ídolo e dirige as opções dos seres humanos, quando a avidez do dinheiro
domina todo o sistema socioeconómico, arruína a sociedade, condena o homem,
transforma-o em escravo, destrói a fraternidade inter-humana, faz lutar povo
contra povo e até, como vemos, põe em risco esta nossa casa comum.”
Preveniu os ativistas da alternativa a um capitalismo
selvagem: “Sabemos, amargamente, que uma mudança de estruturas, que não seja
acompanhada por uma conversão sincera das atitudes e do coração, acaba, a longo
ou curto prazo, por burocratizar-se, corromper-se e sucumbir.”
Para alcançar a mudança desejável, apontou três tarefas aos
movimentos populares: “Pôr a economia ao serviço dos povos” (“O destino
universal dos bens não é um adorno retórico da doutrina social da Igreja. E uma
realidade anterior à propriedade privada”); “unidade dos povos”, sobretudo na
América Latina (“nenhum poder efetivamente constituído tem direito de privar os
países pobres do pleno exercício da sua soberania e, quando o fazem, vemos
novas formas de colonialismo que afetam seriamente as possibilidades de paz e
justiça”); e “defesa da Mãe Terra” (remetendo para a sua recente encíclica
sobre a ecologia).
Solidário com movimentos populares, o Papa Francisco
concluiu: “Digamos juntos do fundo do coração: nenhuma família sem teto, nenhum
camponês sem terra, nenhum trabalhador sem direitos, nenhum povo sem soberania,
nenhuma pessoa sem dignidade, nenhuma criança sem infância, nenhum jovem sem
possibilidades, nenhum idoso sem uma veneranda velhice. Continuai com a vossa
luta e, por favor, cuidai bem da Mãe Terra.”
Os movimentos populares da América Latina e de outros
continentes, inclusive a Europa, já se tinham encontrado em Roma, sob os
auspícios do Papa Francisco, em 2014 (foi tema de uma crónica que assinei neste
espaço da VP, em 29 de outubro). Na Bolívia, o discurso histórico do Papa,
fundamentado na Doutrina Social da Igreja, foi a cereja em cima do bolo no
ativismo social de quem luta pela soberania popular.
Rui Osório
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