O papa São
Gregório Magno (540 - 604), a partir das cartas de S. Paulo, enunciou os sete
pecados capitais que hoje estão inscritos no catecismo da Igreja Católica: gula,
avareza, soberba, luxúria, preguiça, ira e inveja. Para combatê-los, a mesma
Igreja criou as vulgarmente designadas virtudes, para servirem de antídotos
contra os males causados por estas paixões mundanas,
É assim
apregoado que, contra a gula, se deve usar a temperança; contra a avareza, a
generosidade; contra a soberba, a humildade; contra a luxúria, a castidade;
contra a preguiça, a diligência; contra a ira, a paciência; contra a inveja,
a caridade. Todos os que tiveram educação catequética ficaram servidos de um
guia espiritual, indispensável para combater os perigos de uma sociedade que
evoluiu muito rapidamente para o cientismo, o racionalismo de base
pragmática e materialista, e para o individualismo de matriz hedonista e
egocêntrica.
Não admira,
pois, que, agora, a técnica e a ciência sobrepujem a religião e a metafísica,
que o estudo das humanidades decaia, que a espiritualidade interior estiole, e
que a educação das paixões, por que tanto se bateram doutores da Igreja e reformadores
antigos, seja abandonada. A ideologia vai cedendo ao rela- tivismo laxista e
permissivo, e o livre arbítrio, condicionado pela massificação da sociedade
contemporânea, deixa de poder julgar de forma judiciosa toda e qualquer
questão moral. Por sua vez, a cultura, em geral, orienta-se cada vez mais para
os sentidos, se não mesmo para as glândulas, já que nesses meios se fala tanto
de adrenalina.
Os tempos que
correm são, pois, de desenfreado materialismo, e é o poder infrene das paixões
que domina o mundo, atrás das quais cada vez mais homens e mulheres correm, e
por vezes se atropelam, na ânsia de satisfazerem, mais do que as suas necessidades
imediatas, todos os seus prazeres, nalguns casos conseguidos de modo vicioso ou
compulsivo. Esta decadência sócio-moral torna-se sistêmica, pois a
secularização da sociedade deliu quase por completo a noção de pecado, e o
relativismo cultural dos novos tempos retirou valor ao conceito de culpa.
Todavia, tanto
a consciência do pecado como a da culpa são essenciais para a formulação dos
juízos de valor que classificam a natureza dos nossos atos, não só à luz de
uma ética própria, mas também à luz das obrigações contraídas perante os
outros e a sociedade. A perda do sentido da transgressão e a ausência de julgamento
impedem o homem contemporâneo de identificar o erro em si, e impelem-no a
endossar aos outros a origem do mal ou males que o possam atingir na sua
individualidade e na sua liberdade. Está bom de ver que os pecados capitais arrastam
o homem para o materialismo e, frequentemente, o cegam, e as virtudes que se
lhes opõem orientam o homem para a espiritualidade, e o pacificam.
A esta crise
moral que afeta profundamente as sociedades ocidentais veio juntar-se uma
grave crise material que está a pôr em causa a segurança sócio-económica das
pessoas e dos próprios estados. Quer num campo quer noutro, as paixões
destrutivas são responsáveis pela manifestação de males terríveis que atingem
a humanidade de forma dramática. Veja-se o caso da avareza dos especuladores
financeiros que, por causa de uma sede incontrolável de dinheiro, atiraram
grandes bancos para a falência, tendo alguns deles sido resgatados pelos
Estados à custa do dinheiro dos contribuintes.
A humanidade
seria mais próspera e estaria mais defendida destas crises econômicas que
assolam os indivíduos e as famílias se a vida pública e privada tivesse mais
virtude e menos paixão. A corrida ao dinheiro que atualmente se verifica no mundo
lembra as corridas que já se fizeram, noutros tempos, às especiarias, aos
escravos, ao ouro, às matérias primas... Todas esses corridas acabaram mal
para quem as praticou porque, se por um lado, permitiram o enriquecimento de
alguns, por outro causaram o empobrecimento geral da população, devido ao
abandono do esforço produtivo.
Esta economia
viciosa, centrada na maximização do lucro e no locuple- tamento individual,
deveria ser substituída por uma economia virtuosa, centrada na justiça social
e na equi- tativa distribuição da riqueza nacional. Mas, infelizmente, tal
evolução não parece possível.
O Harpagão de
Molière metia toda a fortuna num cofre, que depois escondia no quintal! Onde
metem o dinheiro os avarentos dos novos tempos?
Fernando Pinheiro, escritor, in Diário do Minho
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