Baltazar Areias jaz, há alguns dias, nos cuidados
intensivos do hospital. Foi largado na urgência pela família (um filho de
quarenta e oito anos, uma nora um ano mais nova e dois netos às voltas com as
voltas da vida, em busca de emprego ou meras ocupações precárias).
Chegou ali de ambulância, a meio da noite, com
sintomas fortes de acidente vascular cerebral: confusão mental, violentas
dores de cabeça, prostração geral, desfaleci- mento. Por isso, difícil não foi
â equipa de emergência médica diagnosticar a situaçio e tomar as pn- meiras
medidas de socorro Com oitenta e dois anos, Baltazar tem levado uma vida de
cão. Viúvo desde os sessenta, só encontrou nesta situação atribulações e
ausências. E da perda da mulher sempre costumava desabafar aos amigos que lhe
fez imensa falta: Sempre era a
minha bengala.
A família nunca teve (ou não quis ter) tempo
para o aturar. E dele dizia ser um chato, um resmungão, um empecilho, um coisinho.
Os maus tratos de ordem psicológica que lhe infligiam seguramente mais
dolorosos e devastadores eram que qualquer mau trato físico. E, daí, que ainda
ao hospital não tenha voltado, desde essa noite fatídica em que o derrame
cerebral o vitimou. Nem sequer uma simples informação, mesmo que fosse através
de um telefonema rápido, se dispôs a colher junto da unidade hospitalar.
Baltazar Areias é mais um caso de abandono
hospitalar. Certas famílias, porque não têm vontade, condições ou
conhecimentos para tratar deles, entregam os seus idosos (os estorvos),
nestas e noutras instituições, com moradas e números de telefones inexistentes
ou falsos. E, assim, a estes idosos só lhes resta a solidão, o abandono, a
angústia da ausência dos seus entes mais próximos e queridos.
Vítimas fáceis de uma sociedade hedonista,
relativista, desumaniza- da e egoísta, cada vez mais idosos vão para debaixo
da ponte ou permanecem sozinhos em casa, à espera do fim, quantas vezes, trágico.
Os casos de idosos encontrados mortos, já há meses ou, até, anos nas suas
residências, são notícia freqüente na comunicação social
Todavia, esta é uma situação de gritante
injustiça e crueldade humana. A legislação que protege a velhice, neste nosso
país, não está completa. Enquanto a proteção à infância dá algum apoio oficial
aos pais, por exemplo, para que possam faltar ao trabalho e manter os seus
vencimentos e demais regalias para assistir a um filho doente ou deficiente,
na terceira idade tal não acontece. E muitas famílias, quantas vezes
desestrutura- das ou sem meios materiais e humanos para largarem o trabalho e
apoiar os seus idosos, obrigadas são a estas macabras soluções de abandono e
crueldade.
É urgente, pois, uma ação legislativa,
eticamente solidária e humanista, que proteja a terceira idade e, ainda mais,
as nossas crianças. Até, para que cumpridos estritamente sejam os artigos
69.°e 71.° da Constituição da República. Então, até de hoje a oito.
Dinis Salgado, in D.M.
B
|
altazar Areias jaz, há alguns dias, nos cuidados
intensivos do hospital. Foi largado na urgência pela família (um filho de
quarenta e oito anos, uma nora um ano mais nova e dois netos às voltas com as
voltas da vida, em busca de emprego ou meras ocupações precárias).
Chegou ali de ambulância, a meio da noite, com
sintomas fortes de acidente vascular cerebral: confusão mental, violentas
dores de cabeça, prostração geral, desfaleci- mento. Por isso, difícil não foi
â equipa de emergência médica diagnosticar a situaçio e tomar as pn- meiras
medidas de socorro Com oitenta e dois anos, Baltazar tem levado uma vida de
cão. Viúvo desde os sessenta, só encontrou nesta situação atribulações e
ausências. E da perda da mulher sempre costumava desabafar aos amigos que lhe
fez imensa falta: Sempre era a
minha bengala.
A família nunca teve (ou não quis ter) tempo
para o aturar. E dele dizia ser um chato, um resmungão, um empecilho, um coisinho.
Os maus tratos de ordem psicológica que lhe infligiam seguramente mais
dolorosos e devastadores eram que qualquer mau trato físico. E, daí, que ainda
ao hospital não tenha voltado, desde essa noite fatídica em que o derrame
cerebral o vitimou. Nem sequer uma simples informação, mesmo que fosse através
de um telefonema rápido, se dispôs a colher junto da unidade hospitalar.
Baltazar Areias é mais um caso de abandono
hospitalar. Certas famílias, porque não têm vontade, condições ou
conhecimentos para tratar deles, entregam os seus idosos (os estorvos),
nestas e noutras instituições, com moradas e números de telefones inexistentes
ou falsos. E, assim, a estes idosos só lhes resta a solidão, o abandono, a
angústia da ausência dos seus entes mais próximos e queridos.
Vítimas fáceis de uma sociedade hedonista,
relativista, desumaniza- da e egoísta, cada vez mais idosos vão para debaixo
da ponte ou permanecem sozinhos em casa, à espera do fim, quantas vezes, trágico.
Os casos de idosos encontrados mortos, já há meses ou, até, anos nas suas
residências, são notícia freqüente na comunicação social
Todavia, esta é uma situação de gritante
injustiça e crueldade humana. A legislação que protege a velhice, neste nosso
país, não está completa. Enquanto a proteção à infância dá algum apoio oficial
aos pais, por exemplo, para que possam faltar ao trabalho e manter os seus
vencimentos e demais regalias para assistir a um filho doente ou deficiente,
na terceira idade tal não acontece. E muitas famílias, quantas vezes
desestrutura- das ou sem meios materiais e humanos para largarem o trabalho e
apoiar os seus idosos, obrigadas são a estas macabras soluções de abandono e
crueldade.
É urgente, pois, uma ação legislativa,
eticamente solidária e humanista, que proteja a terceira idade e, ainda mais,
as nossas crianças. Até, para que cumpridos estritamente sejam os artigos
69.°e 71.° da Constituição da República. Então, até de hoje a oito.
Dinis Salgado, in D.M.
Sem comentários:
Enviar um comentário