A ARTE NATALÍCIA COMO EPIFANIA DO MISTÉRIO
Texto e Fotos
O Inverno é o
período do ano em que as pessoas estão mais voltadas para o espírito.
A temperatura é
mais fria e a luz solar mais reduzida, e por isso os grupos humanos passam mais
tempo no espaço doméstico. O convívio familiar é mais extenso e vive-se com
maior intimidade.
Existem
diferenças no estilo de vida, dependendo do meio rural ou urbano.
Se na cidade se
liga o aquecimento, na aldeia ele é produzido pela lareira loozalizada no
centro ou no canto da cozinha, onde se queimam os bons cepos de raízes que
ajudam a prolongar as horas nocturnas em conversas de família, reavivando
memórias, fazendo comentários a acontecimentos da comunidade aldeã, ou
projectando celebrações para alegria de todos aqueles que se sentem ligados
pelo mesmo sangue, e no respeito pelo tronco patriarcal.
A quadra
natalícia aproxima ainda mais a família. Os que durante o ano permanecem longe
dos seus por diversos motivos procuram um retorno às origens para o encontro
muitas vezes desejado.
DAR AS BOAS
FESTAS
Se o Natal é o
período dedicado à família, ele também é o tempo de ser bom… Como diz o poeta,
“como é bom ser bom”!
Se na época
natalícia há mobilidade social, também há ternura.
Há rituais que
se cumprem com mais afecto, como oferecer e receber lembranças.
O uso de dar as
boas festas é muito antigo. Nas “Fastos”, Ovídio pergunta a certa altura a
Jano: “E donde vem que nas calendas tuas/ nos demos mutuamente as
Boas-Festas?...”
Além das
reuniões familiares estabeleceu-se no costume de se fazerem visitas aos amigos.
Os servos iam apresentar cumprimentos festivos aos seus senhores, deles
recebendo por vezes qualquer lembrança, derivando possivelmente o termo “dar ou
receber as broas”.
Conta-se que a
velha rainha Mary de Inglaterra tinha o dom especial de contemplar no Natal
cada uma das numerosíssimas pessoas que a visitavam com uma lembrança adequada
ao seu gosto.
Um dia, alguém
perguntou com que antecedência ela começava a dedicar-se à tarefa de as escolher.
Sorrindo, respondeu. – A partir de 26 de Dezembro de cada ano!
A rainha de
Portugal, D. Maria Pia, logo “depois das Janeiras”, como dizia, convidava os
íntimos para o almoço onde cada um descobria, sob o seu guardanapo, um bonito
presente.
A troca de
boas-festas por escrito só surgiu em tempo relativamente moderno.
Aceita-se que o
costume se deve ao artista inglês W. T. Dobson. Em 1845, enviou a algum amigo
uma cópia litografada de um cartão de sua autoria sobre o espírito do Natal. A
originalidade da mensagem agradou e foi imitada.
Os primeiros
cartões impressos na Inglaterra eram muito simples, uma acha de lenha, os sinos
e os cumprimentos tradicionais.
O costume passa
aos estados Unidos da América cerca de 1874. A partir daí os cartões de Boas
Festas apresentam os mais diversos motivos, alguns muito longe de qualquer
inspiração religiosa ou do espírito natalício.
O ESSENCIAL
É INVISÍVEL PARA OS OLHOS
Sain-Exupéry, no
famoso livro “O Pincipezinho”, escreve que “só se vê bem como coração, o
essencial é invisível para os olhos”.
Captar o
acontecimento histórico do Natal de Jesus Cristo que marcou o calendário,
seja-se ou não crente, é reconhecer o projecto desenhado pelo profeta Isaías:
“Ele espalhará a justiça entre as nações… Sendo manso não clamará, nem fará
excepção de pessoas. Fará a justiça conforme a verdade…”
“A história é o
sextante e a bússola dos estados, os quais, agitados pelos ventos e correntes,
se perderiam na confusão senão pudessem verificar a sua posição”, escreveu
Nevins. Por outro lado atribui-se a João XXIII: “A História da Igreja não é um
museu de antiguidades cristã, mas sim como uma fonte que deita água viva que
mata a sede de uma aldeia”.
A arte
representou sempre a memória colectiva da humanidade.
Não foi o
Ocidente a inventar o próprio conceito de arte, como também o de uma obra
destinada a ser fruída, interpretada, e concebida como objecto de reflexão
estética.
Em termos
genéricos nos sistemas não europeus, o objecto artístico é um símbolo do
absoluto, confundindo-se com o mistério e o sagrado, e integrando-se numa
relação profunda entre o homem e os cosmos.
Conforme F.
Gonçalves depois do século VI, as composições artísticas sobre o nascimento de
Jesus tornaram-se frequentes no Oriente, sobretudo nos livros iluminados da
Síria e da Palestina. É através das miniaturas dos códices siríacos que a cena
da Natividade passa à Arte Bizantina e ao Ocidente bárbaro.
Aqui, desde a
época carolíngia que o modelo levantino começa a ser imitado pelos
iluminadores. Assim se difunde o tipo iconográfico da Natividade em que estão
presentes os dois animais do estábulo, ladeando a figura do recém-nascido. O
homem repete-se, no Oriente e no Ocidente, em frescos, mosaicos e miniaturas de
marfim.
O presépio
merece atenção de Fra Angélico, Ghirlandajo, Jerónimo Bosch, Van de Goes,
Leonardo da Vinci, Durer e outros notáveis artistas.
Merecem
referência, os famosos, presépios de Machado de Castro, Alexandre Guisti e
António Ferreira, bem como todos os barristas, inclusive os de Barcelos,
abundantemente coloridos, onde não faltam os carros de bois e pastores, dando
lugar a um sentido imaginário dos artesãos.
Todas as aldeias
do Alto-Minho armam o presépio na igreja paroquial, contribuindo para o encanto
das crianças e dos adultos. O Menino Jesus a sair no andor, transportado pelas
crianças aquando as procissões festivas, são uma constante em todas as
paróquias.
Nas terras do
Alto-Minho existem diversas manifestações artísticas referentes ao mistério do
“Verbo Encarnado”.
Assim, são de
referir o fresco representando os três Reis Magos (século XIII/XIV) na Igreja
Paroquial de Chaviães, Melgaço, e a Sagrada Família de marfim na aldeia do
Luzio, concelho de Monção.
No concelho de
Viana do Castelo, os presépios de Machado de Castro em S. Lourenço da Montaria,
a Senhora do Ó ou Senhora da Expectação no Mosteiro de Carvoeiro, a Senhora do
Parto na freguesia de Nogueira, a Nossa Senhora do Leite, em Vila de Punhe, são
outros testemunhos.
Na cidade
podemos contemplar dois belíssimos nichos, mesmo na “Rua de Viana”.
É uma residência
com portaria do século XVIII na qual se abriu, talvez no século XIX, um portal
largo. A fachada incorpora dois nichos, esculpidos em alto relevo, que provem
da casa dos fins do século XV. À nossa esquerda o Anjo Gabriel saúda a Virgem,
e, como se lê na facha que tem na mão, dizendo AVÉ MARIA. No nicho, do lado
direito, Nossa Senhora de pé, sob dossel, ladeado de talha florida, que
simboliza a Fonte de Vida, recebe a mensagem.
Porém foi no
antigo Convento de Santa Ana que encontramos a melhor representação relacionada
com o Natal.
Aqui obtivemos a
confirmação “a arte é a epifania do mistério”.
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