MEMÓRIAS DE
MARFIM
ARTE
NATALÍCIA
José
Rodrigues Lima
Peregrinamos
pelo património do Alto Minho. O nosso destino foi a aldeia do Luzio, no
concelho de Monção. Após a pesquisa no Arquivo Municipal, onde encontramos
abundante documentação, metemo-nos à estrada, tendo chegado ao centro da aldeia
ao princípio da tarde.
No percurso
enchemos os olhos com belas paisagens, onde os soutos de carvalhos são
significativos. Alicerçados na documentação e nas conversas da boa gente do
Luzio, apreciamos a sua memória colectiva que vai desde o antigo couto,
passando pela arte barroca, até às imagens em marfim, preciosidades raras e
duma beleza fascinante.
O rio Gadanha
que nasce nos Anhões tonaliza o ambiente da aldeia, onde o chilrear da
passarada é uma constante.
Os sons
pesados do sino conjugavam-se com o ambiente natural, envolvendo-nos na vida
campestre inserida na Serra da Anta.
Como chegar
Da vila de
Monção tomem a estrada na direção dos Arcos de Valdevez.
Aparecendo a
sinalização de Lordelo, meta à esquerda para passar em Anhões, e de imediato
avistar, do alto, a aldeia do Luzio namorada pelo sol.
A aldeia situa-se
a 13 Kms da vila raiana.
O rio Gadanha
divide a aldeia do Luzio formada pelos seguintes lugarejos: Ínsua, Portal,
Paço, Outeiro, Luzenças, Pisado, Calastreiro, Trozinhos, Leirado, Igreja, Casbeiro,
Tois, Bouças. Beçada, Fonte e Casal.
Nestes sítios encontramos casas graníticas com
soluções arquitetónicas dignas de registo, sendo de referir a Casa do Paço e um
belo portal de cantaria trabalhada com rigor, obedecendo a risco definido.
Também podemos
descobrir a aldeia partindo do alto do Extremo. Constatamos um Minho diferente,
aquele dos caminhos patrimoniais não rompidos, onde sentimos “o mítico e
conhecemos a história”.
Chama cósmica do rio Gadanha
As águas do
rio Gadanha descem da aldeia dos Anhões saltitando de açude em açude.
À nossa mente
vem a figura simpática do Padre Zé dos Anhões, do Senhor do Benfim. O seu
perfil físico e psicológico irradiava bonomia, e tornou-se uma referência no
concelho de Monção e não só.
Passou mais de
cinquenta anos nestas paragens que ficam junto do rio, percorrendo-as a pé e a
cavalo…
Os que o conheceram
podem dizer da sua sabedoria prática, da filosofia de vida e das suas miragens
das aldeias que pastoreou. Uma personagem a reter na história da aldeia.
O cancioneiro
regional acompanhava-nos. E assim, a natureza leva-nos a recordar:
Não há pau
como o de carvalho,
Que é um pau
de três frutos;
Dá bolota, dá
bogalho,
Também dá maçã
de cucu.
Pinheiro,
dá-me uma pinha,
Ó pinha dá-me
um pinhão;
Menina, dá-me
os teus olhos
Que eu dou-te
o coração.
Dizes que
arruda amarga,
Quem vo-la deu
a comer?
Os segredos do
meu peito.
Quem vo-los
deu a saber?
Olhar…olhar…
Não se pode
andar pelo concelho de Monção sem conhecer o poeta João Verde. Ele engrandeceu
a sua terra em prosa e em verso, e legou-nos os livros, “Ares da Raia”, ”Musa
Minhota” e “N`Aldeia”, para além de poemas diversos.
Ele chamava a
atenção para a sua terra:
Quem vem a
Monção e vê,
Estas
paisagens sem par;
-Não sabemos
bem porquê-
Fica a olhar,
a olhar, a olhar…
Noutro poema
diz:
Vamos pois
aldeia fora
À procura de
saúde,
Q´eu prefiro a
vós do açude
À cidade
estouteadora
Arte em Marfim
“As coisas
estão muitas vezes onde não se julgam”, é frase corrente nas aldeias. Pois
ficamos surpreendidos com a arte trabalhada em marfim.
As pessoas
cautelosas, devido ao roubo consumado, manifestam certa reserva em mostrar as
pequenas imagens de marfim.
O membro da
Comissão Fabriqueira, Manuel Rodrigues Fernandes, proporcionou, com muita
gentileza, a observação das imagens que fotografamos. A história que envolve as
imagens é linda de se ouvir
Conta-se que
numa grande casa, de uma boa família da aldeia, houve em tempos recuados um
enorme incêndio, tendo o fogo levado todo os haveres e morrido as pessoas
queimadas, salvando-se apenas um rapazito da família.
O miúdo teria
ido para frade, e mais tarde ter-se-ia dedicado à missionação no Oriente, na
Índia Portuguesa ou Macau.
Este
missionário, talvez no início do século XIX, começou a enviar imagens
esculpidas em marfim para a sua terra natal.
Deste modo foi
chegando um bonito presépio que foi furtado. Enviou, ainda, aquele apóstolo do
Oriente, uma maravilhosa Sagrada Família, uma Senhora da Conceição ou Senhora
Mãe de Deus, conforme invocação do povo, e um crucifixo.
Ficamos
maravilhados com a arte, a devoção e o apreço que os habitantes do Luzio nutrem
pelas verdadeiras relíquias.
Esta singular
história contada com emoções à mistura, revelou-nos um universo denso de
simbologias que passam pela capela de de N.ª Sr.ª do Desterro, com inscrição de
1821.
As referidas
imagens em marfim encontram-se bem guardadas em cofre seguro.
Por certo
nesta quadra natalícia recordamos de Gil Vicente:
“Da rosa
nasceu a flor
Para nosso
Salvador:
Virgem
Sagrada!
Nasceu a rosa
do rosal,
Deus e Homem
natural:
Virgem
Sagrada”
Boas Festas.
Anexo:
Fotografia
Sagrada Família de marfim .
José Rodrigues
Lima
93 85 83 275
jrodlima@hotmail.com
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