Carta de um cristão à Europa
“Sem humanismo cristão, não há Europa, você não
existe, entende?”
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© JOSÉ ALFONSO
Após entregar a J. Mayor Oreja o Prêmio de “Ajuda à
Igreja que Sofre” (AIS), o conselheiro da instituição, Jaime Noguera, escreveu
esta carta à sua “querida Europa”, seriamente ameaçada de morte:
Querida Europa:
Amor e desamor convivem nas minhas mãos. Confusão me chega a rios ao Mediterrâneo salgado, azul e cálido que corre pelas minhas veias, com o aroma do pão recém-saído do forno e o perfume do trabalho tranquilo.
Gosto da vida, da reflexão aberta, da comunicação dos sentidos, da manifestação dos sentimentos e, acima de tudo, de saber que o homem é o verdadeiro destinatário do esforço do homem que busca Deus.
Por isso, estou confuso. O J. Mayor Oreja, ao receber o prêmio AIS de defesa da liberdade religiosa no último dia 10 de maio, recordou que nós, cristãos, somos minoria na Europa, e convidou-nos a trabalhar como tais. Somos a consciência da Europa. E temos de fazer que se perceba isso. Mas estamos em minoria e em desvantagem.
Os cristãos moram no lugar ao qual peregrinam todas as pessoas que buscam realmente o descanso da paz. Nesses lugares, há luz: é uma luz espaçosa, limpa, franca; é uma luz amável; é uma luz generosa; é uma luz que pertence a todos, porque ninguém quer se apropriar dela... Não se pode envasar, homologar, etiquetar nem vender essa luz.
Fico surpreso diante da capacidade que você tem, Europa, de olhar para fora e pontificar sobre o que os outros deveriam fazer, ao mesmo tempo em que desconhece boa parte do seu interior: você conhece bem o seu bolso, conhece bem sua cabeça; mas não conhece o seu coração e está ficando sem um rosto.
“Assim é melhor – você diz –, porque, carecendo de traços, não há por que preocupar-se com a beleza.” Ou seja, hoje (maio de 2014), não se pode propor dentro de casa o que se pode dizer (baixinho) no exterior. Tudo o que carrega o nome de “cristão” é estigmatizado, reprovado ou rejeitado na Europa.
Sei que você gosta da beleza. Gosta de contemplá-la, admirá-la, possuí-la; mas tem medo de senti-la. Você a compra por peso para guardá-la, mas se equivoca. Tem uma habilidade especial para entender qualquer negociação como uma oportunidade para, identificada a postura mais adequada, provocar o confronto, ceder o menos possível e vencer.
É por isso que damos tantos socos uns nos outros. Enquanto continuarmos construindo a partir dos interesses enfrentados e não com o coração aberto, estaremos fabricando uma máquina ao invés de gerar um ser. Os seres são gerados em atos de amor. E, querida Europa, por enquanto você provém de um ato de desamor.
Se continuar assim, não só a beleza, mas a nobreza também será esquecida. As abordagens contemporâneas colocam os valores no final das ações: não existem, vão sendo construídos e dependem das circunstâncias ou dos interesses.
Os gregos antigos concebiam os valores como algo pré-existente a toda ação e que marcava seus limites. O cristianismo, do ponto de vista filosófico, constrói sobre eles – cristianismo gerador da cultura e vida europeias – e nos fala da justiça do bem, dos caminhos do bem, da sabedoria que é o amor.
O império da razão utilitarista está a ponto de destruir o que está há tantos séculos em construção: a concepção da Europa. O relativismo cultural e social, impregnando tudo, nos conduzem ao abandono dos referenciais, porque nos dá medo de ser etiquetados de tais ou quais. Por que estamos nos tornando tão covardes?
Europa, você não percebe que está se tornando uma mera imagem virtual? Por que você não quer se construir de verdade? Claro que, para isso, é importante recordar que o homem que acredita em Deus está no centro da tua própria existência. Sem humanismo
Querida Europa:
Amor e desamor convivem nas minhas mãos. Confusão me chega a rios ao Mediterrâneo salgado, azul e cálido que corre pelas minhas veias, com o aroma do pão recém-saído do forno e o perfume do trabalho tranquilo.
Gosto da vida, da reflexão aberta, da comunicação dos sentidos, da manifestação dos sentimentos e, acima de tudo, de saber que o homem é o verdadeiro destinatário do esforço do homem que busca Deus.
Por isso, estou confuso. O J. Mayor Oreja, ao receber o prêmio AIS de defesa da liberdade religiosa no último dia 10 de maio, recordou que nós, cristãos, somos minoria na Europa, e convidou-nos a trabalhar como tais. Somos a consciência da Europa. E temos de fazer que se perceba isso. Mas estamos em minoria e em desvantagem.
Os cristãos moram no lugar ao qual peregrinam todas as pessoas que buscam realmente o descanso da paz. Nesses lugares, há luz: é uma luz espaçosa, limpa, franca; é uma luz amável; é uma luz generosa; é uma luz que pertence a todos, porque ninguém quer se apropriar dela... Não se pode envasar, homologar, etiquetar nem vender essa luz.
Fico surpreso diante da capacidade que você tem, Europa, de olhar para fora e pontificar sobre o que os outros deveriam fazer, ao mesmo tempo em que desconhece boa parte do seu interior: você conhece bem o seu bolso, conhece bem sua cabeça; mas não conhece o seu coração e está ficando sem um rosto.
“Assim é melhor – você diz –, porque, carecendo de traços, não há por que preocupar-se com a beleza.” Ou seja, hoje (maio de 2014), não se pode propor dentro de casa o que se pode dizer (baixinho) no exterior. Tudo o que carrega o nome de “cristão” é estigmatizado, reprovado ou rejeitado na Europa.
Sei que você gosta da beleza. Gosta de contemplá-la, admirá-la, possuí-la; mas tem medo de senti-la. Você a compra por peso para guardá-la, mas se equivoca. Tem uma habilidade especial para entender qualquer negociação como uma oportunidade para, identificada a postura mais adequada, provocar o confronto, ceder o menos possível e vencer.
É por isso que damos tantos socos uns nos outros. Enquanto continuarmos construindo a partir dos interesses enfrentados e não com o coração aberto, estaremos fabricando uma máquina ao invés de gerar um ser. Os seres são gerados em atos de amor. E, querida Europa, por enquanto você provém de um ato de desamor.
Se continuar assim, não só a beleza, mas a nobreza também será esquecida. As abordagens contemporâneas colocam os valores no final das ações: não existem, vão sendo construídos e dependem das circunstâncias ou dos interesses.
Os gregos antigos concebiam os valores como algo pré-existente a toda ação e que marcava seus limites. O cristianismo, do ponto de vista filosófico, constrói sobre eles – cristianismo gerador da cultura e vida europeias – e nos fala da justiça do bem, dos caminhos do bem, da sabedoria que é o amor.
O império da razão utilitarista está a ponto de destruir o que está há tantos séculos em construção: a concepção da Europa. O relativismo cultural e social, impregnando tudo, nos conduzem ao abandono dos referenciais, porque nos dá medo de ser etiquetados de tais ou quais. Por que estamos nos tornando tão covardes?
Europa, você não percebe que está se tornando uma mera imagem virtual? Por que você não quer se construir de verdade? Claro que, para isso, é importante recordar que o homem que acredita em Deus está no centro da tua própria existência. Sem humanismo
cristão, não há Europa, você não existe, entende?
O homem não é uma mera ferramenta. O homem é o fim da Criação, o presidente dos seus desvelos, o destinatário do esforço do homem. O homem é a nação e a pátria da Europa, e não o contrário. Este é fundamentalmente o seu problema. Porque se está construindo algo à margem do homem; porque se está construindo sobre falsos mitos e não sobre verdadeiros princípios; porque se está forçando o homem em benefício de alguns homens.
Eu me sinto esgotado. Minha querida Europa, tenho a sensação de levar anos sonhando com tocar sua força geradora, com beijar suas mãos livres, com desfrutar da sua conversa e, no entanto, estivemos nas mãos de alguns jogadores que apostaram com aquilo que não era seu e deixaram dívidas imensas no cassino – isso sim, em nome de outros. Você me entende?
São esses mesmos que, quando já não têm argumentos, lhe perguntam onde está esse seu Deus que permite a guerra, as crucificações na Síria, o sequestro de duzentas meninas na Nigéria.
Eu aprendi de Mireille Al Farah (síria e cristã), que faz seu doutorado em Barcelona, onde mora exilada, que é preciso recordar o que o Evangelho diz, “porque não sereis vós que falareis, mas o Espírito do Pai falará em vós” (cf. Mt 10, 20); e confiar em que o Espírito Santo responderá àquilo que nós não sabemos responder. Por enquanto, rezo para pedir perdão e implorar ajuda.
Aguardo, ansioso, pela sua resposta. Do sabor azul e com sal nos lábios e nas mãos, envio-lhe minha saudação.
Jaime Noguera Tejedor
jaimenoguera@telefonica.net
(Artigo publicado originalmente por Alfa y Omega)
O homem não é uma mera ferramenta. O homem é o fim da Criação, o presidente dos seus desvelos, o destinatário do esforço do homem. O homem é a nação e a pátria da Europa, e não o contrário. Este é fundamentalmente o seu problema. Porque se está construindo algo à margem do homem; porque se está construindo sobre falsos mitos e não sobre verdadeiros princípios; porque se está forçando o homem em benefício de alguns homens.
Eu me sinto esgotado. Minha querida Europa, tenho a sensação de levar anos sonhando com tocar sua força geradora, com beijar suas mãos livres, com desfrutar da sua conversa e, no entanto, estivemos nas mãos de alguns jogadores que apostaram com aquilo que não era seu e deixaram dívidas imensas no cassino – isso sim, em nome de outros. Você me entende?
São esses mesmos que, quando já não têm argumentos, lhe perguntam onde está esse seu Deus que permite a guerra, as crucificações na Síria, o sequestro de duzentas meninas na Nigéria.
Eu aprendi de Mireille Al Farah (síria e cristã), que faz seu doutorado em Barcelona, onde mora exilada, que é preciso recordar o que o Evangelho diz, “porque não sereis vós que falareis, mas o Espírito do Pai falará em vós” (cf. Mt 10, 20); e confiar em que o Espírito Santo responderá àquilo que nós não sabemos responder. Por enquanto, rezo para pedir perdão e implorar ajuda.
Aguardo, ansioso, pela sua resposta. Do sabor azul e com sal nos lábios e nas mãos, envio-lhe minha saudação.
Jaime Noguera Tejedor
jaimenoguera@telefonica.net
(Artigo publicado originalmente por Alfa y Omega)
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