sexta-feira, 23 de maio de 2014

Será possível ser-se cristão sozinho?


 
Do Guia do Catecismo do Primeiro Ano da Catequese
 
 
 
 
 

 sozinho ?

 
 
sozi


A pergunta não teria, possivelmente, razão de ser se, de facto, não houvesse pessoas que, pelo menos na prática de vida, vivem ou procuram viver a sua relação com Cristo de um modo mais ou menos solitário. E dá a impressão de que são cada vez mais.

Por várias razões, umas fazem-no provavelmente influenciadas pelo individualismo crescente da sociedade em que se vive, sobretudo em grandes aglomerados populacionais. Quantas pessoas, a viver no mesmo bairro, na mesma rua e até no mesmo prédio, não se conhecem nem se falam. Quando muito saúdam-se, quando se encontram.

A isso está provavelmente associada uma deficiente ou até falsa noção de liberdade. Ser livre é, para muitos, fazer o que se quer. E o que se quer é, na maioria dos casos, o que apetece a cada um. Quando os outros interferem nesses apetites ou interesses pessoais, são ignorados ou até desprezados, senão mesmo combatidos. Procura-se o outro, quando se tem necessidade dele e não quando ele tem necessidade de nós. Os resultados de uma tal atitude estão à vista: separações, mesmo no seio de famílias; xenofobia e racismo; solidão, sobretudo entre idosos e crianças; luta exclusivista pelos próprios direitos; corrupção, etc..

Há outros, nomeadamente cristãos, que apenas se servem da religião como de uma espécie de mercadoria, para satisfazer necessidades de ordem mais ou menos espiritual. É aquilo a que podemos chamar o consumismo religioso.

Daí o desinteresse ou medo em integrar-se e comprometer-se em comunidades cristãs. Saltita-se de um lugar ou de uma igreja para a outra, à procura daquela que melhor corresponde aos gostos pessoais. Tudo isso, facilitado pelos meios de transporte e comunicação cada vez mais rápidos e confortáveis.

Sem entrar no íntimo das pessoas que assim vivem e actuam, podemos, a partir do seu comportamento, perguntar se de facto vivem a verdadeira fé. Não há dúvida de que esta tem de começar por ter uma dimensão pessoal. Ninguém pode acreditar em Deus por mim. Mas, se eu creio firmemente no Deus de Jesus Cristo, tenho também de acreditar na sua Igreja. Acreditar, entendido no sentido de confiar e confiar-se a Deus e, por Ele, aos outros. É impossível amar verdadeiramente a Deus sem amar também os outros, todos os outros... que Deus tanto ama, como nos mostra sobretudo em seu Filho Jesus Cristo.


Para nos apercebermos disto, basta seguirmos o processo de evangelização descrito nos Actos dos Apóstolos. Logo no primeiro anúncio feito por Pedro, acompanhado dos restantes Apóstolos, na manhã do Pentecostes: pela conversão e adesão de fé, confirmada pelo Baptismo, «juntaram-se a eles cerca de três mil pessoas», que passaram a ser «assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fracção do pão e às orações» (Act 2, 41-42).

Actividades, todas elas centradas no mesmo Evangelho: do ensino dos Apóstolos fazia parte sobretudo a mensagem salvífica de Jesus Cristo, como mostram mais tarde os restantes livros do Novo Testamento; a união fraterna resultava da adesão ao amor de Jesus Cristo, manifestado sobretudo na sua morte e ressurreição; na fracção do pão celebrava-se, com base na Última Ceia, o memorial actualizante da morte redentora de Cristo; as orações, se dirigidas a Deus, passavam a ser feitas pela mediação de Jesus Cristo.

Era tal a união com Cristo, que Paulo, escrevendo às suas comunidades, lhes chamava “Igreja de Deus Pai e do Senhor Jesus Cristo” (1 Tes 1,1), ou “Igreja de Deus”, constituída pelos “santificados em Jesus Cristo” (1 Cor 1, 2) ou simplesmente “santos em Cristo” (Fil 1, 1; cf Ef 1,1; Col 1, 2) ou ainda “chamados a ser de Cristo” que o mesmo é dizer “chamados a ser santos” (Rom 1, 6). A relação de pertença a Deus, própria da sua condição de santos, devia-se à medição salvífica de Jesus Cristo.

Dai também a sua identificação da Igreja como “Corpo de Cristo” (1 Cor 12, 27; cf Ef 1, 23; 4, 4; 5, 23; Col 1, 18; 2, 19): não apenas porque os seus membros, na diversidade das suas funções e seus dons, estavam, à maneira do corpo humano, unidos pelo mesmo Espírito “para proveito comum” (1 Cor 12, 7); mas também e sobretudo porque o pão que partiam na celebração eucarística “é comunhão com o Corpo de Cristo; por isso é que uma vez que há um único pão, nós, embora muitos, somos um só corpo, porque todos participamos desse único pão”(1 Cor 10,16-17). Eesse pão é o seu corpo, istoé, a sua pessoa, entregue na cruz para nossa salvação (cf 12, 24).

Se a Igreja é assim o corpo visível de Cristo na terra, se é o sacramento universal da sua salvação, então pode chegar-se a seguinte conclusão:




3. É na Igreja que encontramos Jesus Cristo

Encontrámo-lo de um modo visível, isto é, na visibilidade da vida da sua Igreja, na medida em que nela os cristãos realizam entre si o mandamento do amor a que são exortados por Cristo, precisamente na Última Ceia (cf Jo 13, 34-35; 15, 17).

De facto, é para a união fraterna que convergem todas as restantes actividades da Igreja: pela adesão da fé ao Evangelho e seu aprofundamento na catequese somos orientados para a oração e a celebração, particularmente da Eucaristia, em que a fé é posta em prática e fortalecida, “uma fé que actua pelo amor” (Gal 5, 6). O que significa também que é da fé, alimentada pela Palavra e pela celebração, que depende a união do amor entre nós.

Sendo assim, e no dizer dos nossos Bispos, “a comunidade cristã é o sujeito, o ambiente e a meta da catequese. Na verdade, a vida cristã é um facto comunitário, recebe-se, aprende-se e vive-se na Igreja, mistério da comunhão. Na vida da comunidade, a fé cristã torna-se um acontecimento vivido e actual, incarnado em pessoas, testemunhado em gestos e formas de viver. Nas actividades eclesiais da comunidade que realizam a missão pastoral global, a Palavra de Deus alcança a sua plena realização como Palavra proclamada no anúncio do Evangelho, celebrada na liturgia e praticada no serviço fraterno da caridade. A comunidade cristã apresenta, deste modo, um testemunho vivido de fé no qual a catequese encontra a sua base de apoio” (Conferência Episcopal Portuguesa: Para que acreditem e tenham vida: orientações para a catequese actual, Edição do Secretariado Geral da Conferência Episcopal Portuguesa, Lisboa 2005, pp.20-21)

Que os catequistas, como membros e enviados das comunidades cristãs a que pertencem, tenham bem presente esta dimensão comunitária da catequese, nomeadamente no presente encontro.

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