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Opinião
25 de
Junho de 2014
O “acordo” não serve para
unificar, nem para simplificar; nem sequer serve para os fins políticos
internacionais que Antônio Sartini e outros como ele pretendem.
Em
entrevista publicada na sexta-feira, dia 13 de Junho, no jornal Público, o
director do Museu da Língua Portuguesa de São Paulo, Antônio Sartini, declarou:
“Acho
portanto muito justo que esta língua [portuguesa] se torne oficial nos organismos
internacionais. É lógico que esse processo sempre gera descontentamentos
[devido ao acordo ortográfico]. Mas para que ela seja oficial é preciso que
seja coesa, pelo menos na sua forma culta, normativa. Ela não se tornou oficial
até hoje porque há uma forma de escrever no Brasil, outra em Portugal... Para
chegarmos a uma forma única, alguém tem de abrir mão de alguma coisa - e isso
deixa as pessoas desconfortáveis”.
Em
virtude destas declarações, graves pelas responsabilidades lingüísticas e
pedagógicas de quem as proferiu, vimos chamar a atenção para os seguintes
factos objectivos:
1. A língua inglesa possui
mais do que uma forma de escrever, com diferenças sensíveis entre cada uma (por
exemplo, entre a norma adoptada nos EUA e a adoptada no Reino Unido), e isso
não a impede de ser a língua mais divulgada no mundo, língua oficial de quase
todos os organismos internacionais.
2. O “acordo ortográfico” que
Antônio Sartini refere na entrevista, como está cientificamente comprovado,
leva ao AUMENTO das divergências entre as ortografias de Brasil e Portugal.
Antes do "acordo", escrevia-se recepção e detectar nos dois países.
Depois do “acordo", nasceram novas palavras em Portugal, rece- ção e
detetar, criando uma divergência ortográfica onde existia convergência. Isto
sucede em centenas de casos. Logo, o dito “acordo” não somente não contribui em
nada para “chegarmos a uma forma única”, como possui exactamente o efeito
oposto.
3. Os organismos
internacionais, ao contrário do que sugere Antônio Sartini, não ficam a ganhar
rigorosamente nada com o “acordo". Este não supera, nem sequer reduz, as
divergências ortográficas antigas entre as variantes brasileira e portuguesa.
Basta pensar na ONU e na OMS, por exemplo. Com ou sem este “acordo",
continuará a ter de decidir-se entre República Checa (pt)/ República Tcheca
(br), Islão (pt) / Islã (br), Madrid (pt)/ Madri (br), Moscovo (pt)/ Moscou
(br), SIDA (pt)/ AIDS (br), etc. Qual a versão a escolher? Não há “forma
única" possível na ortografia da língua portuguesa. O “acordo”, precisamente
onde o director do Museu da Língua Portuguesa Sartini afirma ser mais
necessário, continua a ser um desacordo.
4. As pessoas que se sentem
“desconfortáveis” com o mesmo “acordo ortográfico” não se sentem assim por
terem de “abrir mão de alguma coisa”. É a verificação das falhas descomunais
na sustentação lingüística deste "acordo ortográfico”, bem como a
verificação dos efeitos desastrosos que o “acordo" está a provocar no
ensino-aprendizagem, que tem levado à recusa deste por grande parte dos sectores
mais ilustrados de Portugal e Brasil. O “acordo” tem criado as maiores
confusões em crianças e adultos, tem levado a situações de perda absoluta de
referenciais históricos, prosódicos e etimológicos da Língua, e nem sequer
conseguiu criar correctores ortográficos para computador que sejam coerentes
com ele e entre si. Maior desacordo do que aquele obtido com este “acordo” é
difícil, senão impossível, de imaginar.
Noutro
ponto da entrevista, Antônio Sartini afirma que “essa reforma [ortográfica] vai
oficializar alguma coisa que na prática já vinha existindo. Interessa-nos muito
mais essa evolução natural, essa prática do que a cristalização trazida por uma
reforma ou um acordo”. Na verdade, o actual “acordo ortográfico” não reflecte
qualquer evolução natural da língua. Ele foi antes orquestrado por um número
muito reduzido de pessoas, em circunstâncias verdadeiramente penosas, para não
dizer fraudulentas. Para informações sobre o processo levado a cabo no Brasil,
recomendamos a audição da entrevista ao Prof. Sérgio de Carvalho Pachá,
ex-lexicógrafo-chefe da Academia Brasileira de Letras e testemunha do processo,
cuja ligação segue aqui: http://www.youtube.com/watch7v~_wlluG3yRs
O
“acordo" não serve para unificar, nem para simplificar; nem sequer serve
para os fins políticos internacionais que Antônio Sartini e outros como ele
pretendem. Pelo contrário: acaba por ser prejudicial em todos esses aspectos. A
conclusão só pode ser que o dito “acordo ortográfico" é um péssimo serviço
criado aos países e às pessoas que falam e escrevem a língua portuguesa.
Antônio
de Macedo, Cristina Pimentel, Helena Buescu, Hélio J. S. Alves João Barrento,
José Luís Porfírio, José Pedro Serra, Maria do Carmo Vieira Maria Filomena
Molder, Paula Ferreira, Pedro da Silva Coelho, Rui Miguel
Duarte,
Teolinda Teolinda
P.S. ACORDO DO DESACORDO, na minha opinião, não está bem.
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