Reformados,
eméritos, etc.
Crónica de
Anselmo Borges
no DN de
sábado 22 de Novembro
Há muito
que me pergunto porque é que uns são reformados, outros jubilados, outros eméritos,
outros pensionistas ou aposentados. Pus-me no encalço das palavras, à procura
do seu sentido originário. O que aí fica é o resultado, confesso que um pouco
apressado, desse exercício.
1. Claro
que reformado vem de reforma. A reforma que, em certos contextos, aparece mais
imediatamente é a Reforma protestante. Aqui, porém, ela tem que ver com a
situação de ir para a reforma e receber uma reforma, que é, em princípio, um
quantitativo em dinheiro. Reformado é, pois, o que passou à reforma, por ter atingido
uma certa idade e trabalhado um certo número de anos, com os respectivos
descontos, ou porque ficou pura e simplesmente incapacitado para o trabalho. De
modo estranho, reforma vem do latim reformare, com o significado de voltar à
primeira forma, restabelecer, alterar, e reformado é o que torna à sua primeira
forma, mas também o desfigurado, modificado.
Quem diria
que pensionista tem na sua raiz o verbo latino pensar e (pensar e pesar)? De
facto, pensar e, palavra vinculada a pendere, em latim, significa pesar, no
sentido de comparar pesos. Daí, pensar significa pesar razões, para entender,
julgar e decidir. No caso de pensão, lá está o facto de pesar uma mercadoria e
ter de pagá-la e, daí, pensionista como aquele ou aquela que recebe uma pensão.
Entre nós,
os bispos, ao chegarem aos 75 anos, tornam-se eméritos, palavra que também se
pode aplicar, sobretudo noutros países europeus, aos professores
universitários. Emeritusé o particípio do verbo latino emerere, merecer, ter
cumprido um serviço, ganhar algo a partir daí. O emérito é merecedor de um
determinado status (pense-se, por exemplo, no Papa emérito Bento XVI) ou
recompensa por ter terminado ou concluído adequadamente o seu serviço. Na Roma
Antiga, emeritus aplicava-se concretamente ao veterano retirado do exército,
mas também a outros casos. De qualquer modo, deve-se recompensar o mérito; mas
será que ele existe em todos os casos?
O
aposentado remete para o verbo latino pausar e, que significa parar para
descansar, pousar, repousar. O hóspede "pousa" na casa de um amigo.
Quem peregrina pela vida tem direito a pousar, repousar, descansar, fazer
pausa, aposentar-se, cessando o trabalho.
Nomeadamente
os magistrados e os professores universitários são jubilados. A palavra vem do latim
jubilare, que significa lançar gritos de alegria, - originariamente, referia-se
aos gritos e silvos dos camponeses para comunicar entre si e chamar o gado -,
mas também tem que ver com a palavra hebraica yobel, som da trombeta a anunciar
o jubileu, festa judaica que se celebrava cada 50 anos e que trazia a
libertação e o repouso inclusivamente às terras. No jubileu cristão, o Papa
concede indulgências especiais. A jubilação nasce da conexão entre o retirar-se
após o ciclo do trabalho realizado e dos serviços prestados e a consequente
satisfação - dizem as más línguas que, por vezes, no caso dos professores, o
júbilo é sobretudo dos estudantes, que se vêem libertos de alguém incompetente,
porque sabe pouco ou não sabe ensinar.
2. Apesar
das diferenças nas categorias, nos títulos e sobretudo no quantitativo, por
vezes miserável e escandalosamente diferente, da reforma, todos - pensionistas,
eméritos, jubilados, aposentados-são sobretudo isso: reformados.
Claro, a
reforma pode trazer alegria e o tal júbilo, porque se deixa de trabalhar com
horários e todo o peso institucional e se pode repousar, fazer outras coisas
que nunca se tinha podido fazer, ler, reflectir e recordar a vida e dedicar-se
mais à família e aos amigos e recolher os frutos de uma vida preenchida. Mas
ela pode também trazer o aumento dos achaques, uma solidão amarga e corrosiva,
e, de qualquer modo, lembra a todos que se está na última fase da existência e
que o futuro neste mundo será cada vez menos pujante. Decisivo é então
esforçar- se por manter a actividade física, mental, social, criar a sedução
por novos interesses e talvez dar a Deus o lugar que nunca teve. É preciso
viver sempre intensamente cada instante do milagre exaltante do mundo e do
existir.
3. Mas é
preciso reconhecer também que há algo de cínico e sarcástico na palavra
jubilação (em Espanha, usa-se para todos) , sobretudo quando se pensa como são
tratados os reformados, os tais que a sociedade abandona porque são velhos, e
deixaram o trabalho por invalidez e velhice, considerados agora socialmente
inúteis, porque não produtivos, e, por isso, colocados em depósitos à espera do
fim.
Cá está: em
tempos de crise, os governos, para a austeridade, têm sempre facilmente à mão
os reformados, com este ou aquele nome, porque pouca ou nenhuma falta fazem -
podem até ser considerados um peso para os outros e sobretudo para o erário
público -, e, assim, nem protestar podem, muito menos com uma greve, porque
ninguém precisa deles. Que júbilo!
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