CAMINHOS MONACAIS
ROTA CISTERCIENSE
CONGREGA PADRES DA SERRA
José
Rodrigues Lima
O projecto da Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza em construção teve novo
impulso com adesão dos padres que exercem o ministério nas localidades do
itinerário cultural e místico.
Manifestaram expressiva parceria
Belmiro Amorim, pároco do Ermelo; Custódio Branco, pároco do Soajo; César
Maciel, pároco da Gavieira; Raul Fernandes, pároco de Parada do Monte e Manuel
Domingues, pároco de Fiães.
Na branda de Santo António do Vale
de Poldros concretizou-se uma sessão para estudar como levar avante a Rota
Cisterciense que liga o Mosteiro de Santa Maria do Ermelo (Arcos de Valdevez), ao
Mosteiro de Santa Maria de Fiães (Melgaço). Projectou-se, ainda, a Via
Cisterciense com carácter transfronteiriço, rumando em terras da Galiza pelo
antigo Mosteiro de Santa Maria da Franqueira (Caniça), Mosteiro de Santa Maria
de São Clódio (Leiro), atingindo a grande abadia de Santa Maria de Osseira, na
província de Orense, onde se sente o acolhimento.
“No acolhimento dos pobres e
peregrinos ponham-se especial cuidado e solicitude” (…) (Regra de São Bento –
cap III).
É de sublinhar que todos os
mosteiros referenciados têm fundação no século XII.
Para além de outros objectivos,
como sejam a revitalização do património material e imaterial tendo também um
olhar humanista e místico, pretendeu-se assinalar os cinquenta anos da
proclamação de São Bento Padroeiro da Europa, concretizada pelo Papa Paulo VI
em 24 de Outubro de 1964.
“É com toda a razão que São Bento
é louvado como missionário da Paz, formador da unidade, mestre da cultura e,
principalmente grande promotor da vida cristã e organizador da vida monástica
ocidental.
Com a cruz, as letras e o arado
por si mesmo e pela acção dos seus filhos atraiu à civilização cristã muitos
povos. (…)”
São Bernardo de Claraval,
carismático monge, alma da Europa cristã do século XII, conselheiro de papas,
reis e senhores, foi um dos impulsionadores da devoção mariana.
A influência da Abadia de São
Bernardo de Claraval é fulcral na expansão de nova ordem cisterciense.
VISITA DO ABASE DE
CLARAVAL
O Mosteiro de Santa Maria de
Fiães e o de Santa Maria do Ermelo receberam as visitas canónicas de D. Edme de
Saulieu, abade de Claraval, que se fazia acompanhar pelo secretário Fr. Claude
de Bronzeval, acontecimentos que ocorreram entre 20 e 27 de Janeiro de 1533.
“Devido a ser inverno e a temer
falta de segurança no percurso directo de Ermelo a Fiães a comitiva que tinha
vindo de Ponte da Barca a Ermelo voltou pelo Vale e Arcos de Valdevez, seguindo
por Choças, Extremo, Barbeita, Melgaço e Fiães.
A ligação directa entre ambos os
mosteiros menos temerosa para quem estava habituado aos caminhos da serra, era
de Ermelo por Soajo a Adrão e Miradouro e dali em alternativa pela Peneda ou
pelo Cando, Branda da Aveleira a Lamas de Mouro” (Bernardo Pintor, 1981).
Prosseguindo por Alcobaça e
Adadela para encontrar o mosteiro de Fiães.
O relato da visita do Abade de
Claraval foi redigido em latim e D. Maur Cocheril traduziu-o para francês na
obra bilingue “Peregrinatio hispanica” (1970).
Aliás, é de referir a grande obra
de M. Cocheril referente aos cistercienses em território português, sendo de
destacar a edição “Routier des Abbadyes Cisterciennes du Portugal” (Paris,
1978).
Os monges cistercienses
cingiam-se a uma rígida clausura, pelo que o mosteiro tinha de ser
auto-suficiente.
“Assim, a escolha do local era
fundamental. O modelo de implantação do cenóbio exigia um lençol de água
próximo e consequentemente um solo circundante fértil.”
Um dístico anónimo regista que “São
Bernardo amava os vales, São Bento os montes, São Francisco as aldeias e Santo
Inácio as grandes cidades. Assim se traduz de forma paradigmática a preferência
dada pelos cistercienses às zonas baixas dos vales irrigados.” (Teixeira, 1999)
Através da história surgem
excepções por razões de vária ordem.
As marcas dos cistercienses estão
bem vincadas no Noroeste Peninsular e são merecedoras de um olhar patrimonial
consistente, pois “o desenvolvimento deve ter em conta a continuidade da vida
cultural dos povos”, como se preconiza em textos da UNESCO.
MEMÓRIAS COM LUZES
Ao percorrer os antigos caminhos,
veredas e atalhos, seguimos as pegadas dos homens “de lugares do infinito”, que
sendo habitantes da terra continuamente falavam com os habitantes do céu, num
tempo sem tempo.
Os mosteiros com o rico e
diversificado património histórico, antropológico, artístico, agrícola e
inclusivé tecnologia hidráulica, e a irradiação cultural e espiritual
conduzem-nos por memórias com luzes que apontam condutas éticas, estéticas e
transcendentais.
O ambiente que se respira na área
de um conjunto monacal e os sons dos sinos das torres, bem como os timbres das
sinetas das portarias ou dos claustros, levam-nos a sentir emoções e a olhar
para mais além, para o alto, ultrapassando os camones do tempo e do espaço.
Os apelos feitos através dos
sentidos, do tacto, do paladar, do olfacto, da visão e da audição
transportam-nos para o sentido místico, refrescando a alma como se víssemos o
invisível. O canto das aves no claustro ou nas granjas une-se ao canto
gregoriano das horas litúrgicas.
“Cada época deve reinventar para
si um projecto de espiritualidade.”
A regra de São Bento (Regula Sancta) e a “Carta de Caridade”
são obras que apaixonaram através dos séculos multidões incontáveis de monges e
onde a “lectio divina” os levava a
uma contemplação muda e silenciosa.
“Quando os monges, durante séculos e séculos,
impressionaram com a sua marca uma terra,
ainda que não ficasse da moradia dos monges
senão uma pedra que se desagrega,
senão um grão de areia que se esboroa,
a pedra, a areia falam dos monges.
Mesmo que a pedra e o grão de areia por seu turno desaparecessem,
a terra, a velha e nobre terra,
a terra sobre a qual os monges se debruçavam,
o vale em que rezavam,
as árvores que plantaram
continuariam a falar deles.
Porque, durante séculos e séculos os monges impressionaram com a sua
marca uma terra”
(Dom Maur Cocheril)
“A arte é nostalgia de Deus”
escreve Mira Schendel.
“Não precisa pintar aquilo que se
vê, nem aquilo que se sente, mas aquilo que vive em nós.”
“O invisível atravessa
profundamente a humanidade, e os processos lentos, vertiginosos imperceptíveis
ou nomeáveis.” (T. Mendonça)
A arte é sem dúvida epifania do
mistério. Os mosteiros são “mistério”.
A arte românica, a gótica e outras
manifestações artísticas são testemunhas seculares do “Ora et Labora” (Reza e Trabalha) com tons cativantes e sons de paz
e universalidade.
A Rota Cisterciense do
Alto-Minho-Galiza tem como grande objectivo dar visibilidade ao rico património
antropológico, histórico, artístico e místico, bem assinalado nas povoações com
conjuntos monacais.
Os peregrinos desejosos de
“caminhos íntimos da beleza, da verdade e da bondade”, reconhecerão a acção
civilizadora, cultural e espiritual dos monges brancos através dos séculos, bem
patente no Alto-Minho e Galiza.
José Rodrigues Lima
93 85 83 275
Agradecemos ao Prof. Doutor José
Marques a gentileza do mapa inserido no texto.
- Marques, José, “O Mosteiro de
Fiães”, Braga, 1990.
- Ossvald, Walter, “Mosteiros
Cistercienses em Portugal, Porto, Edições Afrontamento, 2012.
- Nascimento, Aires A., “Cister –
Documento primitivos”, Lisboa, Edições Colibri, 1999.
- Bravo, Hipólito de Sá,
“Monasterios de Galicia”, Leon, Editorial Evereste, 1992.
- Regra de São Bento, Mosteiro de
Singerverga, Edições Ora et Labora, 1992.
- Bronseval, Frére Claude de,
“Peregrinatio hispanica”, Paris, P.U.F., 1970.
- Braz, António Manuel da Silva,
“O mosteiro e a igreja de Ermelo – Património cisterciense esquecido no tempo”,
Braga, Faculdade de Teologia, 2009.
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