LENDA
DE COVAS – Vila Nova de
Cerveira
Cerveira
Quem não ouviu já falar de lendas? Que não ouviu ou não leu já essas
pequenas narrações, fruto da imaginação popular, que felizmente têm sobrevivido
de geração em geração chegando até nós? Regra geral, elas estão associadas a
determinadas localidades, sendo as aldeias rurais do interior do pais as que
maior riqueza patrimonial “lendária” possuem. Como tal, Covas também tem a sua
lenda. Convido-vos, por breves momentos, a fechar os olhos e a viajar no
imaginário:
Há muitos, muitos anos, há tantos
anos que a memória dos livros não conseguiu registar, havia um extenso e
verdejante planalto situado algures entre o Rio Minho e o Rio Lima. Esse
planalto era rodeado de exuberante floresta constituída por enormes soutos de
carvalhos, sobreiros e castanheiros onde viviam livremente esquilos, gatos
bravos, raposas, lobos e inúmeros outras espécies de animais. Havia, também, um
enorme prado, a perder de vista, onde cervos e cavalos selvagens pastavam
livremente. Um número sem fim de nascentes de água convergiam para um rio que,
entre desfiladeiros e percorrendo um sinuoso leito, dividia o planalto de
norte a sul. Era aí que, no centro desse planalto e nesse ambiente imaculado,
vivia uma numerosa
família. O seu patriarca, homem de
longos cabelos e barbas brancas, era ferreiro. Com a ajuda da forja, da bigorna
e do precioso e enorme martelo com que moldava o ferro, fazia armas para a
caça e para a guerra, utensílios para a agricultura, para o lar e adornos. Não
havia ninguém nas planícies que circundavam o planalto que trabalhasse tão bem
o ferro como ele. Por isso, muitos eram aqueles que o procuravam para comprar
ou mandar fazer objectos. Para responder a tantas solicitações, contava com a
ajuda dos seus dois filhos mais velhos. Enquanto eles cuidavam da oficina, a
esposa e as filhas cuidavam das lides doméstica e do cultivo da terra. Os restantes
filhos e familiares adultos dedicavam- se às tarefas mais pesadas e à caça. As
crianças brincavam livremente pelo prado.
Certo dia, Já enfermo e vendo que a
hora da morte se estava a aproximar, o velho ferreiro chamou toda a família.
Deitado no seu leito, dirigiu-se aos seus dois filhos mais velhos e
disse-lhes:
-Sempre mantive esta família unida e
em paz apesar da vossa divergência de feitios, motivo que me preocupa e me leva
a pedir que cumprais este meu último desejo. Como sabeis, só tenho um martelo
para trabalhar o ferro. Foi ele o sustento de todos nós durante dezenas de
anos. Poderia ter feito um outro igual, pois tinha engenho e arte para tal. Não
o fiz e ireis compreender porquê. Quero que ele continue a ser o vosso
sustento, como também quero, e acima de tudo, que ele seja motivo de união
entre vós. A partir de hoje, cada um de vós vai partir com a sua mulher e os seus
filhos para um dos extremos deste planalto onde deverá construir a sua casa e a
sua oficina de ferreiro. Um viverá a norte, o outro a sul. O martelo será
utilizado pelos dois, em dias alternados. Todas as manhãs, ao cantar do galo, o
que tiver o martelo em sua posse atirá-lo-á pelo ar para o seu irmão que já
deverá estar acordado para o apanhar. Ele manter-vos-á unidos. A restante
família deverá permanecer aqui. O meu corpo deverá ser enterrado debaixo do
sobreiro onde está a bigorna e que me protegeu do sol nas tardes quentes de
verão.
Após estas palavras e com a voz cada
vez mais ténue, pediu que lhe fossem buscar o martelo e que lho colocassem
sobre o peito. Dirigindo-se novamente aos seus dois filhos mais velhos,
disse-lhes num murmúrio:
-Colocai as vossas mãos sobre o meu
peito e sobre o cabo do martelo e prometei-me que, enquanto viverdes, fareis o
que vos acabo de pedir.
Os filhos assim o fizeram, jurando
cumprir os desígnios de seu pai. Este, fechando os olhos, expirou.
Os dias, os meses e os anos foram passando.
Os dois irmãos e as suas famílias, embora distantes, encontravam-se frequentemente!
Viviam em harmonia e o pedido do velho ferreiro era cumprido à risca. Todas as
manhãs, ao romper da aurora e quando o galo contava, o martelo sobrevoava todo
o extenso planalto de um extremo ao outro, passando de irmão para irmão. No
entanto, também os dois irmãos começaram a sentir o peso dos anos. Os cabelos e
as barbas, de pretos começaram a ficar grisalhos e de grisalhos a ficar
brancos. As suas costas até então erectas, começaram a curvar-se e a força dos
seus braços e das suas pernas a fraquejar. E esses sinais foram por demais
evidentes quando o martelo arremessado não chegava à mão do irmão que o aguardava,
caindo algures do decurso do seu trajeto, fazendo na sua queda uma cova. À
medida que o tempo ia passando e os dois ferreiros iam envelhecendo ainda mais,
a queda do martelo foi-se tornando mais freqüente, dando origem a mais e mais
covas. Quando esses dois velhos ferreiros morreram, os seus familiares
resolveram voltar a viver todos juntos, como no tempo do velho patriarca.
Saltando de alegria com a decisão que lhe iria possibilitar ter mais
brincadeiras com os seus primos, uma das crianças que assistia à conversa,
exclamou:
- Então vamos viver todos juntos, lá
para baixo, nas covas?
E a partir desse dia, essas covas
feitas pelo pesado martelo que formaram pequenos outeiros em seu redor, como
são o caso dos lugares hoje identificados por Outeiro do Tojo, Outeirinho,
Outeirais, Outeiro, Trás do Lombo e Lomba, deram o nome à aldeia onde vivemos e
a que orgulhosamente chamamos COVAS!
João Caldas/Janeiro 2010,
In Serra e Vale de Fev.13
Sem comentários:
Enviar um comentário