sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

Boletim semanal da Paróquia de Santa Maria Maior - Barcelos - Mons. Abílio Alves Cardoso, Prior de Barcelos


0 ATEÍSMO É UMA ESCOLHA RACIONAL?

 TRÊS FAMOSOS ATEUS RESPONDEM

A pergunta que colocamos aqui deve ser bem entendida: não perguntamos se os ateus são racionais, coisa que seria absurda; nem mesmo perguntamos se os ateus são inferiores aos teistas, ou se a crença em Deus "não necessariamente torna uma pessoa melhor", como apareceu numa recente pesquisa no Brasil[1]. 0 que questionamos agora é se o ateísmo, enquanto sistema de pensamento, seja coerente. Mais precisamente, nos perguntamos se é sensato afirmar a não existência de Deus e contemporaneamente o relativismo. Poderia ser verdade que não haja nenhuma verdade e, ao mesmo tempo, ser verdade que Deus não existe?

Talvez haja quem pense que a questão aqui proposta seja absurda. E pode vir á mente do leitor a recordação do jovem Ivan, personagem de Irmãos Karamazov, que defendia que se Deus e as religiões não existissem, tudo passaria a estar permitido. Aquele personagem manifestava assim o desejo de uma libertação: ao livrar-se da crença em Deus, o homem ficaria livre de todo o dogmatismo, tanto teórico, quanto moral. A negação de Deus traria o fim da "lei natural" e do dever de amar o mundo e ao próximo. A mesma libertação quis experimentar F. Nietzsche ao declarar a morte de Deus, ou melhor, ao dizer que os homens o haviam assassinado. De modo que para eles a negação ou “morte" de Deus não estaria fundamentada no relativismo, mas seria a origem mesma do relativismo. A afirmação da não existência de Deus seria uma escolha, algo indiscutível impossível  de ser demonstrado a partir de verdades anteriores. E aceitá-lo seria assumir a crença num novo dogma que faria desmoronar todos os demais dogmas. 0 ateísmo fundaria assim o relativismo na moral e no conhecimento humano. Embora isso seja claro, é comum pensar que o relativismo funde o ateísmo; que as pessoas que não aceitam Deus, fazem-no porque não querem aceitar a existência da verdade, á qual deveriam se submeter. Isso é um absurdo. 0 ateísmo parte de uma afirmação que tem valor de verdade absoluta: Deus não existe. Se essa afirmação não fosse tomada pelos ateus como verdade, eles simplesmente deixariam de ser ateus. 0 relativismo para eles se dá somente nas "verdades" inferiores e todos deveriam se submeter ao imperativo único da nova moral: é proibido estabelecer regras morais.

0 interessante é que F. Nietzsche e outros conhecidos filósofos ateus reconheceram que afirmar o relativismo cognoscitivo e o ateísmo é em si mesmo contraditório. 0 motivo seria que o relativismo implica a afirmação da não existência de verdades absolutas; mas isso se funda, por sua vez, numa verdade absoluta: a não existência de Deus.

Sendo assim, a afirmação da não existência de Deus implica a afirmação da sua existência. Outros pensadores ateus que perceberam bem as contradições do ateísmo contemporâneo foram M. Horkheimer e Th. Adorno. De fato, eles diziam numa obra conjunta, A Dialética do iluminismo, citando a Nietzsche: «Percebemos "que também os não conhecedores de hoje, nós, ateus e anti metafísicos, alimentamos ainda o nosso fogo no incêndio de uma fé antiga dois milênios, aquela fé cristã que era já a fé de Platão: ser Deus a verdade e a verdade divina". Sendo assim, a ciência cai na critica feita á metafísica. A negação de Deus implica em si uma contradição insuperável, enquanto nega o saber mesmo>[2],

Esses autores, ateus e relativistas, que se reconhecem como "não conhecedores e anti metafísicos" alimentam a verdade de sua fé ateia naquela cristã, já presente em Platão: a fé na existência da verdade divina. De modo que só pode afirmar a não existência de Deus, quem aceita que há uma verdade absoluta, divina. Em outras palavras, só pode negar a Deus quem previamente o afirma. Por isso, o ateísmo, ao negar a Deus e a verdade das coisas (que é sempre relativa ao sujeito que a conhece e é progressiva), reivindica para si mesmo o caráter absoluto, próprio do mesmo Deus[3], estabelecendo assim um novo dogmatismo. Portanto, o ateísmo não existe; nada mais é do que uma espécie de idolatria que consiste no colocar-se a si mesmo e as próprias convicções pessoais, por mais contraditórias que possam ser, no lugar de Deus, o único que garante toda a verdade.

Pe. Anderson Alves, sacerdote do diocese de Petrópolis - Brasil. Doutorando em Filosofia na Pontifícia Universo delia Santa Crosse em Roma, In Zenitorg, 15.01.2013

[1] Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/poder/1206138 tendencia-conservadora-e-forte-ro- pais-diz-data folha.shtml (2) Cfr. F. NIETZSCHE, La gaia scienza. Mondadori, Milano 1971. p. 197; M. HORKHEIMER e THADORNO, Dialettica dell ill jminismo, Eiraudi, Torino 1966, o. 125.(3] Para a elaboração do presente texto me foram úteis as reflexões presentes em: U. GALEAZZI, II coraggio delia ragione. Tommaso d'Aquino e l'odierno dibatitto filosofico, Armando, Roma 2012, pp. 22-38.

 

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