As confissões do padre Dias
Padre Manuel Gomes Dias é uma das mais emblemáticas e
acarinhadas personalidades limianas. Visionário e de ideias diferentes para a
sua época, afirma que as posições que tomou lhe trouxeram "muitos
dissabores", mas garante: "nunca me arrependi de nada do que
fiz".
Lúcia Soares Pereira
Nasceu a 4 de Maio de 1933, em Fornelos, na casa do Monte da
Madalena, onde os seus pais moravam e eram responsáveis por "um
bufete" que dava apoio a quem fosse visitar a capela e o monte. Filho de "pais
simples", tinha 10 irmãos.
Diz que a sua relação a Ponte de Lima é
"umbilical" e considera ter sido "um rapaz pouco brincalhão, mas
bom mocinho". "Vivia na Madalena e vinha abaixo à vila, mas depois
entrei no seminário, com 12 anos", recorda padre Manuel Gomes Dias.
"Não havia mais nada. A minha vocação era ser médico,
mas as freiras disseram que tinha jeito para padre. Não sei onde viram o jeito,
mas lá fui eu", diz entre risos. Sublinha que casar e constituir família
não era sua pretensão, já que "para casar tinha os irmãos". Quanto a
paixões recorda uma, quando andava no Colégio D. Maria Pia, mas sustenta que
"não tinha idade para namorar". "Nunca me prendi a nada. Não
apareceu ninguém e eu também não tinha coragem de aparecer", confessa
padre Manuel Dias.
Aos 12 anos ingressa, então, no seminário, onde continua os
seus estudos até ser ordenado sacerdote, a 15 de Agosto de 1958, com 25 anos.
"Foi o cónego Correia que me encaminhou para o seminário. Aceitei bem.
Nunca me arrependi de nada do que fiz", garante.
A sua primeira paróquia foi na Seixa da Peneda, em Sistelo,
Arcos de Valdevez, onde esteve durante três anos. Porém, a integração não foi
fácil. "Estava lá contra vontade. Não tinha nada. A estrada estavam a
fazê-la e só se passava de motorizada", comenta padre Manuel Dias,
ressalvando que Sistelo "era uma boa terra, uma terra linda agora".
Ia de "carreira" até Cabreiro e depois andava
"cinco quilómetros para chegar a casa". O primeiro meio de transporte
que comprou foi uma mota para fazer o percurso, sendo que "passava a vida
na Madalena". "Eu estava sempre em casa.
As segundas vinha para baixo se não tivesse trabalho. Era
uma vida livre", recorda, contando um episódio em que surgiu a vontade de
comer bolinhos de bacalhau e andou quilómetros para saber a receita.
"Uma vez, vivia sozinho, apeteceu-me bolinhos de
bacalhau, meti-me a cozinhar, comecei a fazê-los mas não sabia fazê-los. Peguei
na motorizada e vim perguntar à minha mãe. Andei 44 quilómetros para saber como
se faziam. Ela deu-me a receita, voltei e fiz, mas nunca saíram grande coisa.
Para mim serviam", diz com humor.
Seguiram-se as paróquias de Serdedelo e Boalhosa, em Ponte
de Lima, perto de casa. "Para a Boalhosa ia a pé, para a Armada ia de
motorizada", conta, referindo que a parte mais difícil era realizar
funerais na Armada. "Inventei de se começar as chamar os bombeiros para
levar os
caixões no jipe. As pessoas para não levarem a pé
chamavam-nos e pagavam. Mesmo já com estrada, as pessoas continuaram a
chamá-los", recorda padre Manuel Dias.
Foi em Serdedelo que o seu interesse pela etnografia começou
a desenvolver-se, mas já antes, aquando da sua permanência em Arcos de
Valdevez, iniciou-se a "observar" os ritos e rituais. "Nos Arcos
havia carpideiras. Uma vez, ia começar um enterro, mas um homem veio e
mandou-me esperar porque elas já tinham ensaiado. Comecei a achar piada àquilo,
copiei, passei os prantos e publiquei. Lixei-me com os de Serdedello que
levavam tudo a mal naquela altura", comenta.
Devido a problemas com a comunidade, acabou por sair de
Serdedelo e foi para a Labruja, onde gostou de estar. "Saí de Serdedelo
por causa da torre da igreja. A igreja não tinha torre e então fiz uma planta
para a torre e os da Junta de Freguesia disseram que estava bem. Quando
acabámos, as pessoas não gostaram e chamaram os pedreiros para deitar abaixo o
remate da torre. Fiquei furioso", notou.
Mas os problemas também aconteceram, porque alguns
paroquianos fizeram queixa de posições tomadas pelo padre Manuel Dias.
"Saí e fui para a Labruja. O bispo que estava em Braga aconselhou-me a não
sair do concelho e a ir para a Labruja. Com a maldade que me fizeram aceitei a
solução", revela.
Foi nesse local, onde deixou "muitos amigos", que
padre Manuel Dias "inventou" a realização da feira do gado.
Depois de Labruja seguiu-se Nogueira, em Viana do Castelo,
onde permaneceu até 2008, festejando na paróquia as suas "bodas de
ouro" sacerdotais. Saiu pouco depois devido a doença.
Estudioso e historiador
Conhecido como estudioso e historiador de tudo que esteja
relacionado com Ponte de Lima, mantém ainda o seu espírito crítico. Com a
requalificação de vários edifícios emblemáticos, padre Manuel Dias acusa a
autarquia limiana de "destruir para construir", retirando as
características de muitos locais e edifícios.
Sobre a casa onde nasceu, recentemente recuperada e onde
funciona um restaurante, afirma "que não devia estar assim".
"Não tenho tristeza, tenho pena. Ela está bem, mas não deveria estar
assim. Devia ter sido conservada", sustenta, acrescentando que em Ponte de
Lima há "muita coisa descaracterizada".
O sacerdote esteve ligado à Comissão de Arte e Cultura
Diocesana, garantindo que não se faziam obras "sem a comissão ver".
"Eu aprovei esta casa", conta sobre a Casa Sacerdotal, em Darque,
onde reside.
Fez o curso de Arqueologia, em Braga, mas sustenta que
"nada trouxe de novo", até porque antes mesmo de se formar arqueólogo
já tinha descoberto diversas mamoas. "Tinha olhinhos. Em Ponte de Lima
havia 18 mamoas conhecidas e eu passei para 68", regista, adiantando que
per¬to da Casa Sacerdotal também já descobriu uma e que está na origem do nome
Darque.
Padre Manuel Dias sempre foi uma referência para muitos
historiadores e investigadores que procuravam os seus conselhos e pediam
informações.
"Queriam castigar-me, mas comigo não faziam
farinha"
O prelado reconhece, também, ter sido um homem visionário e
um sacerdote com posições diferentes na sua época, o que lhe causou
"muitos dissabores". "Vestia de cinzento quando foi permitido,
mas andava tudo contra mim. Sou ideologicamente de esquerda e integrei o
Movimento Democrático Português. Tive muitos dissabores, mas eu ficava-me a
rir. Eles já se foram e eu ainda estou aqui. Comigo não faziam farinha e nunca
se meteram comigo. Mas queriam castigar-me por algumas opiniões e
decisões", revela padre Manuel Dias.
Mentor do Cortejo Histórico
"O Domingo das Feiras Novas não tinha nada. Era só para
passear. Tinha visto um cortejo em Viana do Castelo com gente de Ponte de Lima
e achei que tinha piada fazer-se um nas Feiras Novas. E fez-se e melhor que
Viana", comenta padre Manuel Dias que "escolhia as pessoas e
revistava todos os figurantes". "Não saía sem eu ver. Os quadros eram
a história de Ponte de Lima", relembra, considerando que "se perdeu a
seriedade da coisa". "Agora é um carnaval", lamenta.
Padre Manuel Dias conta que o arcebispo de Braga não
autorizava a procissão numas Feiras Novas se "não houvesse um dia dedicado
à religiosidade" mas sem música profana. "Um dia fomos a Espanha
contratar uma banda e o senhor disse que também era orquestra. Na minha
malandrice, pus-me a pensar. Podia haver procissão se houvesse orquestra depois
da meia-noite, porque já não era no mesmo dia", conta entre risos.
"Agora é um abuso, estragaram tudo", diz padre Manuel Dias.
Apesar de viver na casa sacerdotal, comenta que recebe
"algumas visitas" e garante que nunca colocou a sua fé em causa.
"A minha vida é a minha fé e a minha fé é a minha vida", finaliza
padre Manuel Dias.
Altominho nº 1138 – 16 de Outubro de 2013
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