Por: P.e João Seabra
“O segrede profissional dos padres ultrapassa o da confissão. As leis em
vigor dizem que os sacerdotes não podem ser interrogados pelas autoridades
acerca de factos que conheceram no exercido do seu mundus. As pessoas vêm falar
connosco sobre a sua vida, pedir ajuda... Recebo 7, 8 pessoas por dia na minha
paróquia, e a maioria não vem para ser ouvida em confissão. As pessoas
contam-me coisas porque partem do princípio que vou guardar reserva sobre elas.
A lista dos valores pelos quais parece que vale a pena sacrificar o
segredo de confissão é muito longa. Mas a igreja tem como valor maior que todo
o pecador pode dirigir-se ao seu pároco e contar-lhe os seus pecados - e que
isso está abrangido por um sigilo inviolável. Isto é um serviço à paz das
consciências, à união das famílias. A inviolabilidade deste segredo é tão forte
que a pena de violação do sigilo é a excomunhão reservada ao Santo Padre. Na
igreja Católica o segredo da confissão não cede perante nenhum outro valor. E
não está prevista nenhuma exceção.
Nunca conheci um padre que tivesse violado o segredo da confissão.
Perante casos mais graves, se alguém me confessasse, por hipótese, intenção de
matar a mulher, o que faria seria não lhe dar e absolvição, ameaçá-lo com as
penas do inferno - e calar-me muito bem calado. Graças a Deus nunca me
aconteceu. Penso que se me acontecesse ficaria muito perturbado com Isso e
rezaria a Nosso Senhor para que resolvesse a questão. Mas sei que há uma coisa
que não poderia fazer: telefonar á mulher a dizer que o marido a ia tentar
matar. O código diz claramente que não posso revelar o pecado. Em 32 anos de
trabalho, nunca tive a tentação de violar o segredo da confissão.
Estou acautelado pela lei civil a não ter de prestar declarações, em
tribunais ou inquéritos públicos. Dou-lhe um exemplo: na véspera da famosa fuga
de Peniche, em 1960, em que fugiram dez reclusos presos por oposição à
ditadura, todos eles, à exceção de Álvaro Cunhai, pediram para falar com o
capelão da cadeia, o padre monsenhor Bastos. Após a fuga, a monsenhor Bastos
nunca ninguém perguntou rada. Mem os agentes investigadores, nem o diretor da
PI DE, nem o ministro da Justiça, nem o dr. Salazar - ninguém.
Não sei como fazem os outros padres com os segredos que lhes confiam,
mas eu esqueço-me. O que chega a ser até um pouco embaraçoso. Não faço por
esquecer, mas a verdade é que me esqueço da maioria. Por vezes, há coisas
graves, terríveis, que não consigo esquecer facilmente. Nessas ocasiões, rezo,
rezo, rezo. Peço a Deus que me faça humilde e não me permita arvorar-me em juiz
dos meus irmãos, que não sou. Já houve confissões que me deixaram profundamente
perturbado e aflito, consciente dos limites da humanidade, oran- te e ajoelhado
diante de Deus. Não sou uma máquina registadora de pecados.
A confissão não faz de nós terapeutas da alma. É um momento sagrado de
encontro entre o pecador e Deus que perdoa, em que o sacerdote é instrumento
da misericórdia de Deus. Não nos cria nenhum direito sobre a alma do penitente.
A contrição verdadeira (arrependimento pelos pecados) passa-se num santuário
do coração onde eu não tenho direito de entrar. Só Deus consegue entrar aí. Não
me permito recusar a absolvição a uma pessoa por não me parecer verdadeiramente
arrependida. A definição de santo é essa mesma, a de um pecador que não
desiste de se arrepender. Ser um repositório de segredos é difícil. Mas é mais
belo que difícil. Porque a luz de alívio no rosto do pecador absolvido é mais
bela do que tudo o mais”.
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