O CARNAVAL NO ALTO MINHO
O ENTERRO DO PAI VELHO, DANÇA DOS CARPINTEIROS E MECADAS
A
festa cíclica do Carnaval está presente no meio rural e urbano. Porém, é nas
comunidades tradicionais que o encontramos mais genuíno, projectando-nos na
ancestralidade, na memória colectiva e no inconsciente cultural.
REGENERAR O MUNDO
No
dizer de Roger Caillois, a festa pretende restaurar o caos primordial,
reactualizar as cosmogonias, teatralizando e mimando os gestos dos deuses e
antepassados, porque o tempo mítico da desordem é um tempo criador, e
necessariamente será também renovador do cosmos envelhecido. “A festa é assim
celebrada no espaço-tempo do mito e assume a função de regenerar o mundo”.
As
teses referentes à origem do Carnaval podem-se sintetizar em quatro:
vegetalista, celta, greco-romana e medievalista.
Existem
indicadores que convidam a encarar o carnaval moderno como uma espécie de “eco
moribundo” das festas antigas do tempo das Saturnais.
O
grande antropólogo Caro Baroja, autor do livro “El Carnaval”, verdadeira bíblia
deste ciclo festivo, escreveu que “quando o homem acreditou de uma forma ou de
outra que a sua vida estava submetida a formas sobrenaturais surgiu o Carnaval”.
O mesmo investigador afirma que “o Carnaval merece respeito”, estudo e análise,
não só como fonte de grandes criações plásticas, sendo de mencionar Brueghel e
Goya, mas também musicais, recordando Schuman, Berlioz e Paganini.
DEITAR FORA O INVERNO
Mircea
Eliade mencionando um texto do século VIII, afirma que as populações alemãs “in
mense Februario hibernum credi expellere”, que tem a seguinte tradução: “no mês
de Fevereiro deve-se deitar fora o Inverno”.
De
acordo com J. Heers, o Carnaval começou por ser uma procissão como tantas
outras, uma dança de primavera que, quase de certeza, recuperou antigas
memórias ligadas aos cultos pagãos de outrora, dos deuses campestres e das
forças da natureza. Alguns autores não hesitam em evocar, com a maior
naturalidade, a tradição das Bacanais, das festas da terra, do vinho e das
florestas. Sublinham-no por interpretação etimológica ao fazer derivar
directamente a palavra do latim do carro em forma de navio, “currus navalis”,
que ilustrava as procissões.
O
Carnaval como todas as festas profanas ou religiosas, sem dúvida de inspiração
muito antiga ou de impregnação cristã, apresenta numerosos espectáculos
públicos, reflexos espontâneos de uma civilização, referências preciosas para o
conhecimento de uma cultura
CATARSE COLETIVA
O Carnaval é uma festa de todos, dos simples e dos pobres.
Uma boa oportunidade para os sisudos se extroverterem e para
os grupos realizarem uma “catarse colectiva”, esquecendo o quotidiano que
esmaga para reinar a alegria, com “rituais cósmicos, de inversão, ostentação e
fertilidade”, reafirmando a identidade colectiva, conforme o antropólogo Joan
Prat.
O ENTRUDO DA MEMÓRIA
Na aldeia do Lindoso, Ponte da Barca, continua a celebrar-se
o Carnaval com o “Enterro do Pai Velho”.
Cumprem-se os rituais em que a escultura simbólica do Pai
velho trabalhada em madeira autóctone, funciona como aglutinadora da comunidade
invernal, congregando a todos, revelando uma forte consistência do património
assumido e testemunhando uma coesão social digna de registo.
O carro do Pai Velho terá o significado simbólico do Inverno que
vai a enterrar; o carro das ervas faz como que uma saudação á Primavera que
está a surgir.
O busto de madeira do Pai Velho funciona como um autêntico
“churinga” das tribos Arunta e outras da Austrália Central e será guardado
piedosamente em lugar de paz e fora dos olhares estranhos.
O clímax da festa carnavalesca acontece na terça-feira de
carnaval, pro volta da meia-noite, onde são queimados todos os enfeites e lido
o testamento do Pai Velho onde sempre se faz crítica social.
DANÇA DOS CARPINTEIROS
Na aldeia valenciana de Gandra, neste período de transição do
tempo invernal para o primaveril, realiza-se a dança dos carpinteiros.
Um grupo de homens, apresentando-se em mangas de camisa,
calça de linho, faixa vermelha à cintura e gorros de lã na cabeça, representa a
dança.
Cada um traz na mão a sua peça de ferramenta: um martelo, uma
serra, um compasso, uma enxó e outras.
Um deles empunha uma vara de lodo e da extremidade pendem
fitas de várias cores.
Para se exibirem os mestres seguram cada um a sua fita e
cantam, com música apropriada, andando em passo de dança á roda da vara, os
seguintes versos e outros de inspiração:
“Somos mestres carpinteiros / Aprendemos em Coimbra / Fazemos
obra barata / Obra bem-feita e linda. Somos mestres carpinteiros / Falo verdade
assim juro / Vimos hoje festejar / Aqui o santo entrudo.”
MECADAS EM VERDOEJO
As mecadas de Verdoejo sofreram influência das festividades
carnavalescas da Galiza.
Este ritual despertou a atenção do investigador Padre
Sarmiento, beneditino culto. Posteriormente foi estudado pelo Professor Xosé
Pensado.
A gente de fora da Galiza costumava perguntar aos galegos,
fazendo mofa: “Perdoáche-lo meco?”
A pergunta lembrava aos galegos a existência de uma ofensa
aos seus antepassados que não foi vingada, o que contradiz com o ato de
pendurar o Meco, como resultado da ira popular.
Há outras versões para explicar a origem das mecadas. Assim,
o escritor Manuel Murgia encarregou-se de nacionaliza o mito fazendo proceder
de uma “voz” que significa “quincalheiro”.
Se na freguesia de gandra os carpinteiros são protagonistas,
em Verdoejo as personagens são predominantemente pedreiros.
“Nós todos somos pedreiros / Vimos da beira mar / Vimos a
esta terra / Procurar que trabalhar. / Eu sou pedreiro novo / Ainda não ganho dinheiro
/ Chego barro meto achas / Levo os picos ao ferreiro.”
É oportuno referir que o Concílio de Benavente no século XI, fixou a Quarta-feira de Cinzas
como limite para as festas de Carnaval.
Assim, a palavra Carnaval da expressão latina “carnem levare”,
que significa retirar a carne, numa alusão ao caracter introdutório da quaresma
cristã que se avizinha.
Ainda nos tempos de hoje se ouve dizer: Parece um entrudo,
comentário quando uma pessoa é gorda; ou então parece uma quaresma, sublinhando
uma pessoa que é magra.
Um entrudo também o pode ser uma pessoa vestida com roupa
velha ou desajeitada.
José Rodrigues Lima
93 85 83 275
jrodlima@hotmail.com
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