“Porque
continua bem viva a consciência de que todos os cristãos são missionários”
II - Todos Somos Missionários
Obedecendo ao mandato de Cristo, “ide por todo o
mundo”, os primeiros não se ficaram pela evangeliza- ção doméstica de que
falei no artigo anterior. Mas partiram em diversas direções e para as
diferentes regiões do mundo então conhecido. Desde a sua gênese que o cristianismo
se apresentou como uma religião essencialmente missionária. Os termos
“apóstolo”, “enviado” ou “apostolado” estão na base da sua identidade e
realidade históricas. Diz-se que, no dia do Pentecos- tes, os Apóstolos
“anunciavam as obras de Deus” em diversas línguas, para se fazerem entender por
todos os povos (cf. At 2,5-11). É um pre- núncio do que irá suceder ao longo da
história, em que o cristianismo adotou as mais diversas línguas e meios de
comunicação para che- história da evangelização está, por isso, muito ligada à
geografia física e humana. Na verdade, os missionários dirigiam-se de
preferência às cidades ou centros de maiores aglomerados, percorrendo as
estradas do Império.
De facto, a missão desenvolveu- -se, nos
primeiros tempos, de três modos diferentes mas complemen- tares: pelo
testemunho de vida (cf. lPd 2,12); pelos contactos e conversas pessoais (cf. At
28,30-41), e pela pregação (cf. At 17, 1-2). Por isso, muitas vezes, os
contactos comerciais, as viagens, os encontros de amigos eram a primeira
ocasião paira o anúncio de Cristo. Neste contexto, desde muito cedo surgiram,
no seio das comunidades, pessoas com o carisma da missão. Eram cristãos
itinerantes, sem pátria nem família e sem propriedade, que levavam à letra o
Evangelho da missão: Não leveis nada para o
caminho... (Lc 9,3). Estes missionários de que muito falam as fontes
mais antigas, percorriam, como Paulo, as vias romanas, passando pelos principais
centros populacionais, onde se dirigiam tanto aos judeus como aos pagãos que
lhe pareciam mais simpatizantes. Justino (séc. II), um dos primeiros a usar o
ensino e a escrita como forma de missão acL
gentes, confirma essa preocupação missionária que todo o cristão deve
assumir: «Nós cristãos procuramos persuadir aqueles que injustamente nos
odeiam, para que, vivendo segundo os bons ensinamentos de Cristo, connosco os
mesmos bens da parte do Senhor de todos».
Não existe nestes primeiros tempos uma propaganda fidei ou uma ação preparada e
organizada. Os pagãos acusam mesmo os cristãos de se “esconderem” e não se
organizarem e manifestarem publicamente. Isto porque, como já vimos, se dava
prioridade aos contactos domésticos, o que levava os pagãos a olhar para o
novo movimento como mais uma associação religiosa de culto privado. Sabemos
quantas suspeitas e boatos nasceram desta forma personalizada e “doméstica” de
os cristãos viverem e comunicarem a sua fé. Segundo Orígenes, muitos pagãos
«mostram repugnância em se aproximarem dos cristãos, mesmo para uma simples
conversa». Mas nem sempre a reação era esta. Muitos acolhiam o anúncio com
simpatia e assim nasciam novas comunidades. A extensa e dispersa rede de sinagogas
da diáspora judaica facilitou, pelo menos numa primeira fase, o trabalho destes
missionários. Segundo Orígenes, os cristãos do seu tempo (séc. III) «não
deixam, sempre que é possível, de difundir a sua doutrina por toda a parte, neste
mundo. Alguns assumiram mesmo o dever de partir em missão pelas cidades,
aldeias e casais, com o intuito de tomar fiéis a Deus outros homens. E ninguém
poderá dizer que o fazem para enriquecer, já que por vezes nem o sustento
aceitam, e se se vêm em necessidade, contentam-se com o indispensável, ainda partilhar com eles os seus bens». Uma vez
consolidada, cada comunidade local tomava-se ela própria centro de irradiação
da fé cristã. O desenvolvimento destas comunidades vai, de algum modo, diminuir
progressivamente o papel dos missionários a tempo inteiro. Isto sobretudo
porque continua bem viva a consciência de que todos os cristãos são
missionários.
Num mundo em que a cristianofobia parece
renascer e onde as más notícias persistem em silenciar os sinais de Deus,
fazem falta missionários e cristãos que não tenham medo de se assumir como
discípulos de Cristo e portadores da sua Boa Notícia.
Texto escrito ao abrigo do A.O.L.P.
de 1990, in Missões Franciscanas de Junho
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