A problemática da família no Sínodo
dos Bispos
Novidade: a presença de 14 casais
com o estatuto de auditores!
O Papa Francisco
convocou uma assembleia extraordinária do Sínodo dos Bispos (é a 3.ª), a
realizar entre 5 e 19 de outubro, o que já não acontecia há quase trinta anos. Até
hoje realizaram-se duas assembleias gerais extraordinárias deste órgão, que,
muito embora tenha uma feição de consulta do Sumo Pontífice, exprime o valor da
colegialidade, recuperado pela doutrina e disciplina conciliares, e assume a tarefa de ajudar o Papa no
governo da Igreja. A primeira dessas assembleias extraordinárias realizou-se em
outubro de 1969, para debater a cooperação entre a Santa Sé e as Conferências
Episcopais; e a segunda, em 1985, pelo 20.º aniversário do encerramento do
Concílio Vaticano II.
O tema desta
assembleia de 2014 é “Os desafios
pastorais sobre a família no contexto da evangelização” e vem na sequência
do tema da 13.ª assembleia geral ordinária do Sínodo (convocada e acompanhada
por Bento XVI), “A nova evangelização
para a transmissão da fé” e a que se seguiu, já com o atual Papa, a
elaboração e publicação da exortação apostólica (por razões óbvias, mais do que
exortação pós-sinodal) Evangelii Gaudium,
bem como a encíclica anteriormente publicada Lumen Fidei, que chegou a ser apelidada de encíclica escrita a quatro
mãos, por ser uma retoma com inovações do documento preparado pelo predecessor.
Já os lineamenta da 13.ª assembleia ordinária apontava
o subtema da ecologia da educação da fé e os desafios que se colocam atualmente
à transmissão e educação da fé. Neste sentido, é de encarecer a atenção dada à
problemática da família pelo facto de, a par das igrejas locais, constituir uma
peça fundamental daquela ecologia da fé – como atesta a experiência que o Papa
Francisco conferiu in loco quando
esteve na Coreia do Sul e na Albânia, quando os regimes eram hostis, ou a que
referiu a propósito do Japão, onde a transmissão da fé, na ausência
plurissecular de sacerdotes, se operou e perdurou no seio das famílias. Por
outro lado, há que reconhecer que os desafios que se colocam à fé hoje
coincidem em grande parte com muitos dos que se colocam à família, como alguns
resultam das caraterísticas que emolduram muitas das famílias hodiernas, com
base em problemas, uns comuns a outras épocas e outros resultantes de novos
conceitos e composição da família.
Resta esperar e
rezar pelos resultados dessa grande assembleia dos padres sinodais, não vá
acontecer que se venha a apresentar como a primeira desilusão do pontificado de
Francisco, dadas as altas expectativas que se criaram em torno da sua
capacidade de resolução das questões atinentes à problemática da família. A
temática é muito complexa: envolve componentes doutrinais, contributos da
tradição, peso da burocracia, mentalidade facilitista e hedonista, graves
situações sociais e económicas e desígnios político-ideológicos. Não vale,
depois, a pena passar a anatematizar o Pontífice ou aqueles que têm a obrigação
de o seguir e ajudar e/ou de com ele cooperar ativamente na formulação da
doutrina, na determinação e flexibilização da disciplina e na ação pastoral.
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Assim, os especialistas na matéria asseguram que a 3.ª assembleia
extraordinária do Sínodo tem de contemplar, durante as duas semanas em que
decorrem os trabalhos, a significativa distância que vai entre as
propostas católicas e as práticas sociais. Ou seja, o estudo da situação das famílias exige acurada atenção à crise
“cultural, social e espiritual” que as atinge.
Os mais de 250 participantes, incluindo do
lado português o presidente da Conferência Episcopal, que vão reunir-se nesta magna
assembleia consultiva, dispõem de um texto de partida – um documento de
trabalho (instrumentum laboris) em
que se realça o “crescente contraste” entre os valores propostos pela Igreja
sobre o matrimónio e família e a “situação social e cultural” que perpassa todo
o orbe.
O documento destaca problemas encadeados
como os seguintes: a relativização do conceito de ‘natureza’, que se reflete no
“conceito de duração estável” em relação à união matrimonial, levando à
“prática maciça do divórcio” e a dissolução do “vínculo entre amor, sexualidade
e fertilidade”. Porém, o instrumentum
laboris rejeita uma “mentalidade reivindicativa” em relação aos
sacramentos, apelando à compreensão da “relação intrínseca entre Matrimónio,
Eucaristia e Penitência”. Tal mentalidade aparece amplamente espelhada nas
respostas ao questionário, no âmbito do inquérito global cujo lançamento ao
mundo inteiro corporizou a primeira etapa do debate lançado em finais de 2013 –
debate que se centrou em vários meios eclesiais e sociais no ‘divórcio
católico’ e na possibilidade de os divorciados recasados acederem à Comunhão.
Não obstante, o documento-base da
discussão sinodal declara que “parece cada vez mais necessária uma pastoral
sensível, norteada pelo respeito destas situações irregulares, capaz de
oferecer uma ajuda concreta para a educação dos filhos”. Embora as respostas
que chegaram ao Vaticano aduzam a prática de determinadas Igrejas ortodoxas que
“abre o caminho para um segundo ou terceiro matrimónio, com caráter
penitencial”, o documento insiste mais na importância de verificar a “eventual
nulidade matrimonial” de modo simplificado e agilizado.
***
Mas os problemas não se ficam por aqui:
Se muitos apresentam apenas pedidos
relativos à simplificação dos processos canónicos, a generalidade dos bispos
assume os desafios que decorrem não só das práticas da “contraceção” e da falta
de “abertura à vida” em várias famílias, com destaque para as “objeções radicais”
ao ensinamento da Igreja, mas do facto de tais práticas se estribarem numa
“mentalidade contracetiva”, amplamente disseminada e interiorizada, secundada pela
“presença maciça da ideologia do género” e do esquecimento da responsabilidade
civil dos cristãos na defesa da “vida nascente”. Por outro lado, são frequentes
as uniões de facto entre pessoas do mesmo sexo, bem como o casamento civil
entre elas, permitido nalguns países – com o que daí advém de “reações
extremas”, tanto de condescendência como de intransigência, as quais “não facilitaram
o desenvolvimento de uma pastoral eficaz”.
E, sobretudo nos últimos tempos, têm
aflorado com extrema gravidade situações não raras de violência doméstica
(muitas vezes, mortal), em famílias que pareciam normais, em famílias
desestruturadas, em pares que se supunham vir a constituir família e em
famílias que se decompuseram. Tais situações parecem decorrer de fenómenos de
crise de orientação, de míngua de recursos, de precariedade no trabalho e
desemprego, além do impacto dos meios de comunicação social sobre a família.
Estes fenómenos tanto podem ser causa da violência doméstica como a podem
provocar e/ou acompanhar.
Como é fácil de ver, os problemas que a
assembleia sinodal tem pela frente são muitos, ingentes e complexos.
Configuram, como já se indicou, uma “distância preocupante” entre a família nas
formas em que hoje é conhecida e o ensinamento da Igreja a este respeito. É
óbvio que, para os prevenir e minorar, é de reforçar a importância da
preparação para o matrimónio e a promoção de uma renovada espiritualidade
familiar. A isso virá a 14.ª assembleia geral ordinária do Sínodo convocada
para o lapso de tempo que decorrerá de 4 a 25 de outubro de 2015, cujo tema é “Jesus Cristo revela o mistério e a vocação
da família”.
Em relação à assembleia sinodal do
corrente mês, o
Vaticano vai promover, no próximo dia 3, uma conferência de imprensa
premonitória, que vai contar com a presença do cardeal Lorenzo
Baldisseri, secretário-geral do Sínodo.
Recorde-se que este caminho
sinodal se iniciou com a seleção do tema e da data do encontro, por parte do
Papa Francisco, seguindo-se a publicação de documento preparatório (lineamenta), acompanhado por um
questionário enviado pela Secretaria Geral do Sínodo dos Bispos a cada
Conferência Episcopal, que o distribuiu às dioceses. Este documento preparatório
foi então debatido por organismos episcopais e diversas instituições eclesiais,
que enviaram as suas propostas à Secretaria do Sínodo. Depois, foi redigido um
instrumento de trabalho (instrumentum
laboris) para a assembleia sinodal propriamente dita, com a síntese das
respostas aos ‘lineamenta’, vindas dos vários episcopados, da Cúria Romana e da
União dos Superiores Gerais dos institutos de religiosos e religiosas. Mais
proximamente, antes dos trabalhos da assembleia, que dura duas semanas (de 5 a
19 de outubro), em vez das habituais três, vai ser apresentado um relatório
prévio (relatio ante disceptationem).
Entre os participantes estarão os
presidentes das Conferências Episcopais e dos dicastérios da Cúria Romana, bem
como cardeais, bispos e padres designados pelo Papa, que aprovou ainda a
escolha de peritos (adiutores secretarii
speciales) e ouvintes (auditores),
entre eles, 14 casais de vários países.
Entrementes, o Papa Francisco,
no final da audiência pública semanal que decorreu na Praça de São Pedro, convidou
hoje, dia 3, os católicos a rezar o rosário pelo próximo Sínodo dos Bispos,
dedicado à família, que tem início marcado para o próximo dia 5:
“No início deste mês, dedicado à meditação da vida de Maria e do seu Filho
nos mistérios do Rosário, convido todos a rezar segundo as intenções da Igreja,
sobretudo pelo Sínodo dos Bispos dedicado à família. Rezai também por mim”.
Como os
crentes sabem, o êxito dos grandes empreendimentos apostólicos depende da ajuda
de Deus, que se roga pela oração intensa, pessoal e pública; pelo estudo
explícito da problemática e atitude evangélica perante a mesma, com vista à
solução paciente e persistente, o que postula empenho e sentido de missão; e
testemunho de vida pessoal, familiar, profissional (empresarial e/ou laboral),
social e política, em consonância com a fé que se professa, a oração que se faz
vida e os valores por que se pauta a vida.
Por isso,
não vêm a despropósito as palavras que Francisco dirigiu aos membros da Associação Cristã de Empresários e Gestores,
de Portugal, também presentes com os outros peregrinos na Praça de São Pedro:
“Agradeço a vossa presença e convido-vos a continuar a dar o vosso fiel
testemunho cristão na sociedade. Deixai-vos guiar pelo Espírito Santo, para
entenderdes o verdadeiro sentido da história. De bom grado abençoo a vós e aos
vossos entes queridos, encorajando-vos na reza do terço ao anoitecer de cada
dia”.
E assim
terá de ser. O Sínodo precisa de correr bem e de dar frutos, porque a família
merece. Por isso, aos padres sinodais se exige clarividência no estudo, audácia
de propostas e firmeza de compromisso, na certeza de que há muito caminho por
andar.
2014.10. 01
Louro de Carvalho
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