O
diabo não existe ?
Desde os 14 anos que não acredito na
existência do diabo. Com essa idade, li uma biografia de Santo Agostinho.
Aquele que viria a ser um grande santo, na sua juventude percorreu as mais
diversas estradas. Muitas delas “pouco católicas”. Todavia, nunca desistiu de
procurar o sentido último das coisas, a verdade sobre Deus e a existência
humana. Quando se debatia com o problema da existência do mal, segundo essa
biografia, ter-se-á encontrado com Santo Ambrósio. Este ter-lhe-á dito:
- Dá-me a tua mão. O que sentes?
Agostinho respondeu:
- Sinto a sua mão.
Então, o bispo de Milão retirou a mão
e perguntou ao jovem:
- E agora o que sentes?
- Sinto a falta da sua mão.
Desde o dia em que li este diálogo
também eu entendi que o Mal é a ausência do Bem, como a doença é a falta da
saúde e a escuridão é a ausência de Luz. Compreendi, então, que o diabo não é
uma existência, mas uma ausência de Deus.
Com o aprofundamento dos estudos
teológicos, percebi o que aconteceu naquele diálogo. Agostinho, na falta de uma
explicação melhor, inclinava-se para aceitar a existência dos dois princípios
absolutos e eternos propostos pelo maniqueísmo: Deus e o Diabo. Depois do
encontro com Santo Ambrósio, abandonou essa crença, que passou a combater, e
aderiu à fé num único princípio absoluto: Deus, princípio e fim último de
todas as coisas.
Como Agostinho, acredito em Deus e
tenho dificuldade em aceitar a existência do diabo, porque o Mal carece de
consistência ontológica. Contudo, admito que a ausência de Deus possa ser de
tal forma intensa que adquira uma consistência, mesmo física. São os casos das
possessões demoníacas. Mas essas ocorrências são raríssimas. Não se verificam
com a frequência que os média noticiaram nos últimos dias. A esmagadora maioria
dos casos são perturbações psíquicas, erroneamente atribuídas ao Maligno.
No Catecismo da Igreja Católica, recomenda-se
que, “antes de proceder ao exorcismo, é importante ter a certeza de que se
trata duma presença diabólica e não de um caso clínico” (n.º 1673). Por isso,
mesmo antes da confirmação da Santa Sé, não me pareceu crível que o Papa, sem
qualquer verificação, de passagem, tivesse exorcizado o doente que lhe
apresentaram.
Fernando Calado
Rodrigues, Padre,
In Correio da Manha, 24.05.2013
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