A Semana Maior
O dia 13 de abril de 2014 marca o
início da Semana Santa, Semana da Paixão ou Semana Maior, culminando com a solenidade do próximo dia 20, o dia
de Páscoa.
Foi o primeiro Concílio de Niceia,
reunido em 325 (d C) pelo Imperador Constantino (que na aula conciliar se
considerava bispo de fora ou presidente de honra, para promover a
dirimição de eventuais conflitos) e presidido, em nome do Papa Silvestre I, por
seus dois delegados Vito e Vicente, que decidiu que o mistério pascal (da Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor) se
comemoraria anualmente durante uma semana, com o retorno do primeiro dia (o
oitavo feio primeiro). Este concílio, que estabeleceu e consolidou o primeiro
corpo coerente da doutrina da Igreja Católica (veja-se o Credo de Niceia), a escolha dos livros sagrados e as principais
datas religiosas, estabeleceu que a Páscoa dos cristãos, em contraposição à dos
judeus, seria sempre celebrada no
domingo seguinte ao plenilúnio após
o equinócio da primavera.
Cronologicamente entendida, a semana
do mistério pascal será o lapso de tempo que vai desde o Domingo de Ramos (a entrada triunfal de Jesus, montado em um jumentinho,
filho de uma jumenta, como profetizado em Zacarias 9,9) até ao Domingo de
Páscoa (domingo da Ressurreição), que passou a ser celebrada anualmente, como
foi referido já, no âmbito do chamado ciclo
temporal do Ano Litúrgico. Esta
semana é registada, ao pormenor, no Evangelho de Mateus nos capítulos 21 a 28;
no de Marcos, nos capítulos 11 a 16; no de Lucas, nos capítulos 19 a 24; e no
de João, nos capítulos 12 a 20.
É denominada de Semana Santa por causa da paixão ou
sofrimento com que Jesus, o Santo de Deus, voluntariamente foi à cruz para
pagar pelos pecados de Seu povo, merecendo a glorificação por parte de Deus seu
e nosso pai. Por ela, faz de nós, pecadores, os santos da nova era. Este
desígnio faz desta semana uma semana especial, diferente de todas as outras,
tão especial e tão santa que a autoridade da Igreja não teve necessidade de
impor como dia de guarda qualquer dos seus dias, a não ser o domingo.
Denomina-se de Semana da Paixão por a paixão de Cristo,
com tudo o que ela implica, ser o seu facto central, mas prenhe de eventos
memoráveis. Durante ela, Jesus purificou o Templo pela segunda vez e discutiu
com os fariseus o tema da sua autoridade (cf Mt 21,12-27; Mc 11,15-33; Lc
19,45-48; Jo 2,14-22). Depois disso, fez o sermão
das oliveiras sobre o fim dos tempos e ensinou muitas coisas, incluindo os
sinais de sua segunda vinda. Tomou a
Ceia Pascal (também designada por Sêder de Pessach) com os discípulos
no Cenáculo (cf Mt 26,17-46; Mc 14,12-42; Lc 22,7-38; Jo 13,1-17; 18,1-11), após
o que se dirigiu ao jardim de Getsémani para orar enquanto
esperava que a sua hora chegasse. Foi aqui que Jesus, depois de ter sido
entregue por Judas Iscariotes a troco de trinta moedas de prata, foi preso e
levado para julgamento diante do Sumo Sacerdote (Anás, que o remeteu a Caifás),
Pôncio Pilatos (que o remeteu a Herodes) e Herodes, que o devolveu a Pilatos
(cf Lc 22,54 – 23,25).
Depois de Pilatos
ter decidido entregar Jesus, escarnecido e açoitado pelas mãos de soldados
romanos, nas mãos dos judeus sob tutela dos agentes de Roma, o Rei dos Judeus
foi forçado a carregar o seu próprio instrumento de execução (a cruz) pelas
ruas de Jerusalém, ao longo do que é conhecido como a Via Sacra (porque de redenção por Deus) ou Via Dolorosa (por ser caminho de sofrimento), percurso em que foi
ajudado por Simão de Cirene. Chegado ao cabeço do Gólgota (calvário ou lugar do
crânio) Jesus foi crucificado entre dois salteadores assassinos na véspera do Sábado
(e aquele era um grande dia!), na presença da mãe, do discípulo amado e das
santas mulheres. Após a morte de cruz, que impressionou o centurião, foi descido
da cruz e sepultado num túmulo novo cedido por um amigo, onde permaneceu, sob
custódia militar, até ao primeiro dia da nova semana, na madrugada do qual ressuscitou
gloriosamente, sem que os guardas adormecidos dessem por isso. Em virtude do
facto da ressurreição do Senhor, esse passou a ser, na linguagem e prática dos
cristãos, o “domingo” (dies dominicus,
dia do Senhor), na sucessão do “sábado” judaico”.
Esse tempo também
foi conhecido na liturgia como Semana
Maior (designação recuperada pelo nosso Bispo do Porto em sua homilia do
Domingo de Ramos /2014) pela sua importância fundadora do cristianismo. Nos
primeiros tempos, os seguidores de Cristo, reuniam-se para ouvir a Palavra
consignada no Antigo Testamento, rezar os salmos, escutar a narrativa da
Paixão, Morte e Ressurreição do Senhor, atender ao ensino dos apóstolos e
proceder à fração do pão, após o que testemunhavam com a palavra e com vida o
Cristo Ressuscitado. Só mais tarde, é que foram descobrindo e aprofundando o
sentido dos outros eventos relativos à vida e ensinamento de Cristo, ao culto à
Virgem Maria e aos mártires e outros confessores da fé.
Sendo assim, a Semana Santa é o grande retiro espiritual das comunidades eclesiais, em
que se convidam os homens e mulheres de boa vontade a escutar a Palavra de
Deus, a libertarem-se das amarras que os prendem obcecadamente aos bens
temporais, a deixarem-se orientar pela luz da fé, a renovarem a sua
personalidade na consciência dos valores axiológicos do Evangelho, a
decidirem-se pelos caminhos de encontro com Deus e de solidariedade permanente
com o próximo e a manifestarem publicamente as bases da fé e as razões da
esperança, com vista à prática da justiça iluminada pelo dinamismo da
“caridade” (não caridadezinha a substituir as obrigações da justiça).
A liturgia apresenta o
seguinte itinerário, por vezes mesclado com manifestações de piedade popular
quer tradicional quer hodierna:
DOMINGO DE RAMOS – A celebração evoca a
entrada triunfal de Jesus em Jerusalém, montado num jumento (animal de trabalho
e de paz, em contraste como cavalo, animal dominador de competição e de
guerra), aclamado pelas multidões, aonde vai para completar sua missão, que
culminará com a morte e morte na cruz. Os evangelhos referem que as pessoas homenagearam
a Jesus, estendendo mantos pelo chão e aclamando-o com hossanas e ramos de árvores. Por isso, de forma similar, hoje os
fiéis carregam ramos, recordando o acontecimento, para exprimirem a convicção
certa e firme de que Jesus é o seu único Senhor.
De segunda-feira a quarta-feira – a Liturgia apresenta, na missa e no
ofício, textos bíblicos que enfocam a missão redentora de Cristo. Nesses dias
não há nenhuma celebração litúrgica especial, mas, nas comunidades paroquiais,
é costume realizarem-se procissões, vias-sacras, celebrações penitenciais e
outras, procurando realçar o sentido da Semana Santa, atos que se intrometem
pelos outros dias em conformidade com os usos e costumes de algumas regiões,
como a procissão das endoenças em
quinta-feira e a do enterro na
sexta-feira. O próprio Vaticano promove na noite de Sexta-feira Santa a Via Sacra no coliseu sob presidência
papal.
Alguma piedade tradicional atribui a
cada um destes dias referências específicas, que não as litúrgicas. Assim, a
segunda-feira evoca o dia em que Maria ungiu Cristo (outros recordam a prisão
de Jesus); a terça-feira recorda o dia em que a figueira foi amaldiçoada
(outros meditam as sete dores de Nossa Senhora ou a memória do encontro de Jesus e a Mãe no caminho do
Calvário); e a
quarta-feira é conhecida como o dia das trevas (nalguns lugares, fazem neste
dia a procissão dos Passos e das Dores).
Tríduo Pascal (tríduo sacro) – É o ponto alto da Semana
Santa, que se inicia com a missa
vespertina da Quinta-feira Santa e se conclui com a Vigília Pascal, no Sábado
Santo (tradicionalmente conhecido por Sábado
de Aleluia). Os três dias formam uma só unidade celebrativa, que resume
todo o mistério pascal. Por isso, nas celebrações da quinta-feira à noite e da
sexta-feira não se dá ritualmente a bênção final; ela só será dada,
solenemente, no final da Vigília Pascal. Aliás,
a Páscoa é a passagem libertadora constituída por vários momentos sequenciados
em que um não faz sentido sem os outros. Morrer de morte natural não revelava a
oposição ao Messias, o escândalo da dialética Bem / Mal; não se tornaria
epifania eloquente da maldade do homem e da bondade de Deus. Ser morto ou
morrer, sem fim à vista, seria fracasso do projeto salvífico. Ressuscitar sem o
sacrifício anterior não era possível. Por isso, a Páscoa é a síntese de todo o
percurso final de Jesus Redentor.
Em Quinta-feira Santa,
celebra-se, à tarde, a instituição da Eucaristia (o sacramento do Corpo e Sangue de Cristo, que se oferece como alimento)
e do Mandamento Novo do Amor (de serviço
humilde a todos, simbolizado na cerimónia do lava-pés, como Cristo fez), em
função do que Jesus instituiu o Sacerdócio Ministerial (os sacerdotes – bispos e presbíteros – que presidem ao serviço da Palavra,
da Eucaristia e demais sacramentos e da Ação sociocaritativa).
Nas cidades episcopais,
celebra-se pela manhã a Missa Crismal, presidida pelo Bispo, em que diáconos e
presbíteros renovam as promessas da ordenação, se benzem os óleos dos
catecúmenos (aplica-se na celebração
solene do Batismo) e dos enfermos (aplica-se
na ministração do Sacramento da Santa Unção) e se consagra o óleo do crisma
(aplica-se na ministração solene do
Batismo das crianças, na ministração do Sacramento da Confirmação e na
Ordenação Presbiteral e Episcopal).
Na Sexta-feira Santa,
celebra-se, à tarde, a Comemoração Solene da Paixão e Morte de Jesus, com a
proclamação da Palavra (de Isaías sobre o
Servo Sofredor, figura de Cristo, da Carta aos Hebreus sobre a fidelidade de
Jesus ao projeto do Pai e a Paixão segundo João), a oração universal (compreendendo diversas preces pela Igreja e
pela humanidade), a adoração da cruz (que
de patíbulo de infâmia se transformou em sinal de liberdade vitoriosa) e a
distribuição da Sagrada Comunhão (Cristo
– o pão repartido pela vida do mundo). Não havendo lugar à típica celebração
eucarística, a Igreja contempla o mistério do grande amor de Deus pelos homens,
recolhendo-se no silêncio, na oração e na escuta da palavra divina, procurando
entender o significado profundo da morte de Seu Senhor.
Em Sábado Santo e Vigília Pascal – O sábado é o dia de “luto”
(os templos ficam sem qualquer adorno),
de silêncio e de oração, em que a Igreja permanece junto ao sepulcro, meditando
no mistério da morte do Senhor e na expectativa da ressurreição, não devendo
haver, durante o dia, missa, batizado, casamento ou qualquer outra celebração
litúrgica, a não ser em caso de urgente necessidade (acidente ou doença
letais).
Mas, à noite, a Igreja celebra a solene Vigília
Pascal, a “mãe de todas as vigílias”, revivendo a ressurreição de
Cristo, a vitória sobre o pecado e a morte. A cerimónia, iniciada com a bênção
do lume novo, bênção e apresentação do círio pascal e canto do precónio, é
carregada de ricos simbolismos que nos lembram a ação divina ao longo da
História da Salvação, a luz e a vida nova que brotam da ressurreição de Cristo,
pondo em relevo toda a economia da ação – criadora, redentora e santificadora –
de Deus. É momento oportuno para a celebração solene do Batismo, sobretudo de
adultos, e da renovação das promessas do Batismo, com a bênção da água lustral
e sua aspersão sobre o povo, terminando com a primeira celebração eucarística
da Ressurreição, onde se repõem os adornos do altar, o canto do glória e do aleluia, impraticáveis desde o início da quaresma (a não ser o
gloria na missa de Quinta-feira Santa) e os toques de sinos e de campainhas,
que cessaram com o glória da missa da
Ceia do Senhor.
Finalmente, o Domingo de Páscoa - É o dia mais importante para a
fé cristã, pois Jesus vence a morte para mostrar o valor da vida, da vida em
abundância – a vida divina e a vida humana. É marcado pela solene celebração
eucarística, em muitos lugares precedida de procissão eucarística como
testemunho público da Ressurreição e seu anúncio por todos os recantos do
território comunitário. Também em muitos lugares se procede ao anúncio
domiciliário da Páscoa através do chamado compasso ou visita pascal, através do
qual, em nome do pároco se faz a saudação e a oração familiar, complementada
pela partilha de bens (folar paroquial).
O dia de
Páscoa, repetido em cada domingo, é prolongado de forma especial por sete domingos
(cinquenta dias, celebrando-se no
quadragésimo a Ascensão de Cristo) até se chegar ao Domingo de Pentecostes,
a Páscoa do Espírito, em que o Espírito santo, tendo descido sobre os apóstolos
e Maria Santíssima, sob o signo das línguas, solta a língua dos apóstolos e os
faz sair em pregação do evangelho pelos diversos rincões do mundo conhecido.
E assim, com
a informação, doutrina e espiritualidade destes dias grandes do ano, não temos
razão para nos dispensarmos da meditação sobre a grandeza do homem que o irmão
mais velho mereceu para todos.
2014.04.13.
Louro de Carvalho
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