segunda-feira, 7 de abril de 2014

Sofrimento útil


Sofrimento útil



Pe. José Rebelo
Missionário comboniano

 

O sul-africano Cyril Axelrod é o único padre completamente surdo e cego no mundo. Filho de pais judeus, quis ser rabi. Mas o rabinato não é para pessoas com deficiência. Começa então a estudar Contabilidade, mas Deus tinha outros planos para ele. A semente da vocação sacerdotal plantada durante os seus anos numa escola católica para surdos cresce e aos 23 anos pede ao bispo de Port Elizabeth para o admitir ao baptismo e ao sacerdócio na Igreja Católica. Estuda Filosofia nos Estados Unidos e Teologia no seminário nacional em Pretória. É ordenado padre em 1975. A mãe assiste comovida à cerimónia.

Cyril nasceu com a síndrome de Usher, o que significa que a sua surdez inata era acompanhada de retinite pigmentosa (visão em túnel), que o tornaria progressivamente cego. Quando o diagnóstico lhe foi confirmado em 1981, numa clínica norte-americana em Washington, o seu superior estava com ele e testemunha: «Depois do choque inicial, Cyril sorriu e com uma paz interior profunda comentou: “Deus tem usado a minha surdez para o seu trabalho. Talvez, ele queira usar também a minha cegueira.”» Fica completamente cego em 1990 e passa a andar com uma bengala.

O ministério sacerdotal do Cyril em favor dos surdos, que já abrangia todo o país, assume pro-porções internacionais. Depois de se tornar redentorista começa a ser requisitado para pregar em missões e retiros para os surdos na Itália, Irlanda, Reino Unido, Holanda, EUA, França, Singapura e Austrália. Em Singapura apercebe-se da grande falta de cuidado pastoral de que são alvo os surdos no Extremo Oriente. Parecia que Deus o estava a chamar para campos de missão ainda mais vastos. De regresso à África do Sul, começou a estudar o cantonês. Depois de dois anos sente que está pronto para aceitar a oferta de um ministério para surdos em Hong Kong e Macau, para onde se mudou em 1988. Uma vez na China, começa a estabelecer serviços sociais para os surdos e cegos.

Aos 72 anos, Cyril vive em Londres, o ponto mais central para o seu apostolado internacional que o leva à China duas vezes por ano e regularmente a Malta, Eslováquia, Coreia, Singapura, Japão, Austrália, Canadá e África do Sul. Fluente em braille e em várias línguas como o inglês, africâner e cantonês, Cyril recebeu vários prémios internacionais e um doutoramento honoris causa. Em Novembro de 2013, recebeu a Ordem do Império Britânico (OBE) em Windsor das mãos da rainha Isabel II de Inglaterra. O caso de Cyril, em que a deficiência se torna uma oportunidade de missão, não é único. O padre comboniano Fabio Gilli é também paradigmático. Em vez de o incapacitar, a cegueira levou-o a exercer um magnífico ministério de compaixão em favor dos invisuais do Togo, que até aí eram completamente esquecidos. Quando o entrevistei, disse-me com uma serenidade invejável: «A minha vida é toda ela luz.» Certamente a vontade normal de Deus é de que gozemos de boa saúde. Mas o sofrimento que nos «assalta» contra a nossa vontade não tem de ser uma maldição; pode transformar-se numa oportunidade de crescimento e ajuda. Um caso recente ilustra-o bem: um ano depois do suicídio do seu filho, o popular evangelista e autor norte-americano Rick Warren, em parceria com a diocese católica de Orange, está a começar um ministério na área da saúde mental inspirado pela sua tragédia pessoal.

Matthew Warren, de 27 anos, cometeu suicídio em Abril do ano passado depois de ter lutado durante anos contra uma depressão grave que o levava a ter pensamentos suicidas. A decisão do pai é inspiradora: «Não vou certamente desbaratar esta dor. Uma das coisas em que eu acredito é que Deus nunca desperdiça uma dor e que muitas vezes o nosso maior ministério resulta do nosso sofrimento mais profundo.» E concluía: «No jardim da graça de Deus até as árvores quebradas dão frutos.»

Sem comentários:

Enviar um comentário