Sofrimento útil
Pe. José Rebelo
Missionário comboniano
O sul-africano Cyril Axelrod é o único padre completamente
surdo e cego no mundo. Filho de pais judeus, quis ser rabi. Mas o rabinato não
é para pessoas com deficiência. Começa então a estudar Contabilidade, mas Deus
tinha outros planos para ele. A semente da vocação sacerdotal plantada durante
os seus anos numa escola católica para surdos cresce e aos 23 anos pede ao
bispo de Port Elizabeth para o admitir ao baptismo e ao sacerdócio na Igreja
Católica. Estuda Filosofia nos Estados Unidos e Teologia no seminário nacional
em Pretória. É ordenado padre em 1975. A mãe assiste comovida à cerimónia.
Cyril nasceu com a síndrome de Usher, o que significa que a
sua surdez inata era acompanhada de retinite pigmentosa (visão em túnel), que o
tornaria progressivamente cego. Quando o diagnóstico lhe foi confirmado em
1981, numa clínica norte-americana em Washington, o seu superior estava com ele
e testemunha: «Depois do choque inicial, Cyril sorriu e com uma paz interior
profunda comentou: “Deus tem usado a minha surdez para o seu trabalho. Talvez,
ele queira usar também a minha cegueira.”» Fica completamente cego em 1990 e
passa a andar com uma bengala.
O ministério sacerdotal do Cyril em favor dos surdos, que já
abrangia todo o país, assume pro-porções internacionais. Depois de se tornar
redentorista começa a ser requisitado para pregar em missões e retiros para os
surdos na Itália, Irlanda, Reino Unido, Holanda, EUA, França, Singapura e
Austrália. Em Singapura apercebe-se da grande falta de cuidado pastoral de que
são alvo os surdos no Extremo Oriente. Parecia que Deus o estava a chamar para
campos de missão ainda mais vastos. De regresso à África do Sul, começou a
estudar o cantonês. Depois de dois anos sente que está pronto para aceitar a
oferta de um ministério para surdos em Hong Kong e Macau, para onde se mudou em
1988. Uma vez na China, começa a estabelecer serviços sociais para os surdos e
cegos.
Aos 72 anos, Cyril vive em Londres, o ponto mais central
para o seu apostolado internacional que o leva à China duas vezes por ano e
regularmente a Malta, Eslováquia, Coreia, Singapura, Japão, Austrália, Canadá e
África do Sul. Fluente em braille e em várias línguas como o inglês, africâner
e cantonês, Cyril recebeu vários prémios internacionais e um doutoramento
honoris causa. Em Novembro de 2013, recebeu a Ordem do Império Britânico (OBE)
em Windsor das mãos da rainha Isabel II de Inglaterra. O caso de Cyril, em que
a deficiência se torna uma oportunidade de missão, não é único. O padre
comboniano Fabio Gilli é também paradigmático. Em vez de o incapacitar, a
cegueira levou-o a exercer um magnífico ministério de compaixão em favor dos
invisuais do Togo, que até aí eram completamente esquecidos. Quando o
entrevistei, disse-me com uma serenidade invejável: «A minha vida é toda ela
luz.» Certamente a vontade normal de Deus é de que gozemos de boa saúde. Mas o
sofrimento que nos «assalta» contra a nossa vontade não tem de ser uma
maldição; pode transformar-se numa oportunidade de crescimento e ajuda. Um caso
recente ilustra-o bem: um ano depois do suicídio do seu filho, o popular
evangelista e autor norte-americano Rick Warren, em parceria com a diocese
católica de Orange, está a começar um ministério na área da saúde mental
inspirado pela sua tragédia pessoal.
Matthew Warren, de 27 anos, cometeu suicídio em Abril do ano
passado depois de ter lutado durante anos contra uma depressão grave que o
levava a ter pensamentos suicidas. A decisão do pai é inspiradora: «Não vou
certamente desbaratar esta dor. Uma das coisas em que eu acredito é que Deus
nunca desperdiça uma dor e que muitas vezes o nosso maior ministério resulta do
nosso sofrimento mais profundo.» E concluía: «No jardim da graça de Deus até as
árvores quebradas dão frutos.»
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