quarta-feira, 9 de abril de 2014

“Esta economia mata”





 

Continuando o artigo in­titulado “Evangelii Gau- dium" (DM, 12/03/2014, p. 17), onde assinalámos algumas das novidades do ano do pontificado do Papa Francisco, vejamos agora a relevância dada a alguns protagonistas - en­tre os quais o pobre e o emigrante - e a um tema

-      o sistema capitalista que os exclui. Sem dúvi­da, que o título da Exor­tação é também lídima ex­pressão do seu contagian- te pontificado.

1.        O imperativo subja­cente ao texto pode as­sim enunciar-se: A pró­pria beleza do Evangelho nem sempre a consegui­mos manifestar adequada­mente, mas há um sinal que nunca deve faltar a òpção pelos últimos, por aqueles que a sociedade descar­ta e lança fora” (n° 195). Por isso, o Papa assevera que “o dever dos ricos, em nome de Cristo, é ajudar os pobres, respeitá-los e promovê-los" (58).

Os líderes das principais potências mundiais são ins­tados a lutar contra a pobre­za e as desigualdades pro­vocadas pelo capitalismo financeiro, que ele chama de “nova tirania invisível”, condenando “a nova idola­tria do dinheiro” e este sis­tema econômico que causa “exclusão". E o axioma de partida postula o seguinte: “Assim como o mandamen­to “não matar” põe um li­mite claro para assegurar o valor da vida humana, as­sim também hoje devemos dizer “não a uma economia da exclusão e da desigual­dade social”. Esta econo­mia mata” (53).

Os efeitos de alienação desta “economia que mata" são tais, que é estranho que ocorram factos como este: “não é possível que a mor­te por enregelamento dum idoso sem abrigo não seja notícia, enquanto o é a des­cida de dois pontos na Bol­sa Isto é exclusão. Não se pode tolerar mais o facto de se lançar comida no lixo, quando há pessoas que pas­sam fome. Isto é desigualda­de social” (n° 53). Por isso, ganham aindamaisforçaas duras palavras de Francis­co contra o atual sistema: é não somente “injusto na sua raiz” (59), como gera uma “economia da exclu­são e da desigualdade so­cial que “mata”” (53), origi­nando uma “cultura do des­cartável" que não só explo­ra e oprime mas exclui: e esiiis não são só “explora­dos ’, mas tomam-se “resí­duos, “sobras”” (53).

2.        Juntamente com os “sem-abrigo, os toxico- dependentes, os refugia­dos, os povos indígenas, os idosos cada vez mais sós e abandonados”, os migrantes “representam um desafio especial para mim - afirma Francisco por ser Pastor de uma Igreja sem fronteiras que se sente mãe de todos” (210). No “Dia Mundial do Migrante e do Refugiado” apelou, na oração domini­cal do Angelus, para o fim dos “mercadores de came humana” que escravizam imigrantes e refugiados. Convida também as co­munidades a uma “aber­tura generosa”, sem'medo que as suas identidades lo­cais se estiolem, convidan- do-as a serem agentes de criação de “novas sínte­ses culturais”. É superan­do a “desconfiança doen­tia” que a integração dos que são diferentes pode tomar-se “um novo fator de progresso” (210).

Referem-se ainda outras vítimas da opressão: “Sem­pre me angustiou a situa­ção das pessoas que são objeto das diferentes for­mas de tráfico. Quem dera que se ouvisse o grito de Deus, perguntando a todos nós: “Onde está o teu ir­mão?” (Gênesis: 4,9). Onde está o teu irmão escravo? Onde está o irmão que es­tás a matar cada dia na pe­quena fábrica clandestina, na rede da prostituição, nas crianças usadas para a mendicidade, naquele que tem de trabalhar às escon­didas porque não foi regu­larizado?” (211)

3.        Para o atual sistema econômico, a pessoa hu­mana não conta, pois tem- se por “um bem de consu­mo que se pode usar e de­pois jogar fora” (53). Aliás,

“a crise financeira que atravessamos faz-nos esquecer que, na sua origem, há uma crise antropológica profun­da: a negação da primazia do ser humano. Criámos novos ídolos. A adoração do antigo bezerro de ouro (cf. Êxodo: 32,1-35) encon­trou uma nova e cruel ver­são no fetichismo do di­nheiro e na ditadura de uma economia sem rosto e sem um objetivo verda­deiramente humano” (55). Aludindo aos países em cri­se, adverte que “a dívida e os respetivos juros afastam os países das possibilidades viáveis da sua economia e os cidadãos do seu real po­der de compra. A tudo isto vem juntar-se uma corrup­ção ramificada e uma eva­são fiscal egoísta, que as­sumiram dimensões mun­diais. A ambição do poder e do tef não conhece limi­tes” (56).

Neste enquadramento, Francisco não esquece que “entre os seres frá­geis, que a Igreja quer cui­dar com predileção, estão também os nascituros, os mais inermes e inocentes de todos, a quem hoje se quer negar a dignidade hu­mana para poder fazer de­les o que apetece, tirando- -lhes a vida e promoven­do legislações para que ninguém o possa impedir" (213); agindo assim, “não restam fundamentos sóli­dos e permanentes para a defesa dos direitos huma­nos, que ficariam sempre sujeitos às conveniências contingentes dos podero­sos de tumo" (213). Por to­das estas razões, “Evange­lii Gaudium” já foi denomi­nada como a “Magna Car­ta para a Igreja de hoje”, escrita em estilo coloquial e numa prosa caracteriza­da por uma “nova lingua­gem parabólica” - como salientámos já no artigo anterior.

Aclio Estanqueiro Rocha

2 comentários:

  1. Olá Coutinho, chamo-me Roberto Zamith, sou do Brasil e moro na cidade de Manaus. Li seu artigo sobre "Os Zamiths" publicado no antigo blog e gostaria de saber mais sobre a origem do sobrenome Zamith para ajudar-me a realizar um artigo acadêmico. Obrigado, na espera.

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    1. Boa tarde,
      Gostei do seu reparo e numa primeira abordagem, constava em Viana que esta família que aqui se radicou teria vindo de Alemanha ou de Inglaterra. No entanto, eu não lhe posso confirmar hoje esta informação que adianto mas, vou procurar um familiar para ver se me adianta alguma coisa.
      Cumprimentos do amigo Pe Artur Coutinho
      PS: Se souber aí de Coutinho ou Reis de apelidos, gostaria que me informasse pois houve antepassados nessas zonas.

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