terça-feira, 10 de novembro de 2015

Jubileu Extraordinário da Misericórdia - “As Parábolas da Misericórdia”


Paróquia de Nª Senhora de Fátima

Jubileu Extraordinário da Misericórdia

 

Tema: “As Parábolas da Misericórdia”

Local: Igreja Sagrada Família - 7 de Novembro 2015 às 15H

 

1-      Objectivos:

 

1.1 Conhecer as Parábolas da Misericórdia narradas na Sagrada Escritura;

1.2 Sentir a Misericórdia de Deus na Vida;

1.3 O olhar para o próximo, sem julgar nem condenar

1.4 Construir “Metáforas” de bem fazer no quotidiano

1.5 Respeitar a consciência daqueles que são diferentes

1.6 Ser tolerante e manso

 


2-       As parábolas de Jesus

As Parábolas de Jesus são narrativas breves, dotadas de um conteúdo alegórico, utilizadas nas pregações e sermões de Jesus com a finalidade de transmitirem ensinamento.

Quanto à sua definição exata, a parábola pode ser uma narração alegórica na qual o conjunto de elementos evoca outra realidade de ordem superior[1] ou uma espécie de alegoria apresentada sob forma de uma narração, relatando fatos naturais ou acontecimentos possíveis, sempre com o objetivo de declarar ou ilustrar uma ou várias verdades.[2] .

2.1 Na Bíblia

As parábolas são apresentadas no Antigo Testamento da Bíblia II Samuel 12: e Isaías 5:1-7 , nas literaturas rabínicas e no Novo Testamento.[3] [4]

Nos Evangelhos sinópticos, as parábolas e ditos parabólicos proferidos por Jesus somam em torno de 60, ou seja, representam a terça parte de todas as palavras dele que foram registradas nas quatro biografias, de acordo com alguns estudiosos, tornando as parábolas uma importante característica do discurso de Jesus.

Jesus utiliza-se das parábolas para transmitir ensinamentos profundos. A despeito disso, a maioria delas sempre é marcada pela simplicidade e brevidade. Poucas delas são longas, como acontece com a Parábola dos Talentos (Mateus 25:14-30) ou a Parábola do Filho Pródigo (Lucas 11:32).

Embora, em alguns casos, Jesus inclua exageros — a Parábola dos dez mil talentos, uma soma astronômica de dinheiro — ou implicações alegóricas – maus vinicultores, que necessita de interpretação — ou ainda símiles e metáforas. As parábolas de Jesus são sempre tiradas da realidade do mundo cultural e social em que ele vivia, contadas com o propósito de transmitir verdades espirituais. É importante observar que as parábolas de Jesus são compreendidas a partir do momento que existe disposição interior para compreender o próprio Mestre.[5]

Jesus ministrava sua mensagens com facilidade em todos os níveis sociais. Ele tinha conhecimento das mais diversas áreas da sociedade e sabia quais eram as suas necessidades. Conhecia os fariseus e os peritos na lei. Por meio de suas parábolas Jesus levou aos seus ouvintes a mensagem de salvação, conclamava a se arrependerem e a crerem. Aos crentes, desafiava-os a porem a  em prática, exortando seus seguidores à vigilância. Quando seus discípulos tinham dificuldade para entender as parábolas, Jesus interpretava.[6]

2.2 Temas e classificação

 

·         Parábolas verídicas – a ilustração é tirada da vida diária, portanto seu ensino pode ser reconhecido de forma universal. Ex.: os meninos que brincam na praça (Mateus 11:16-19;Lucas 7:31-32); a ovelha separada do rebanho (Parábola da Ovelha Perdida)); uma moeda perdida numa casa (Parábola da Dracma Perdida).

·         Parábolas em forma de histórias – refere-se a acontecimentos passados que são centralizados diretamente em uma pessoa. Ex.: o mordomo sagaz que endireitou a sua situação depois de ter esbanjado o patrimônio do seu senhor (Parábola do Mordomo Infiel); o juiz que acabou finalmente administrando justiça como respostas às repetidas súplicas de uma viúva (Parábola do Juiz Iníquo).

·         Ilustrações – são histórias que focalizam exemplos a serem imitados. Ex.: a Parábola do Bom Samaritano.

O Reino de Deus é um tema recorrente nas parábolas de Jesus. Ele estava implantando um novo Reino espiritual e todo seu enfoque estava na manifestação desse Reino, por isso muitos não o compreendiam (Mateus 13:13) por estarem com seus corações endurecidos, cheios de incredulidade.

Jesus proferiu várias parábolas referindo-se diretamente ao Reino de Deus e que, frequentemente, revelam uma perspectiva escatológica: as sete parábolas do "Discurso das Parábolas" em Mateus 13, a Parábola do Banquete de Casamento, a Parábola das Dez Virgens e a Parábola dos Talentos.

2.3 Ditos parabólicos

Há também vários ditos parabólicos breves e sábios que pode ter sido circulado como provérbios nos dias de Jesus: "Médico, cura-te a ti mesmo" (Lucas 4:23); "Pode porventura um cego guiar a outro cego? Não cairão ambos no barranco?" (Lucas 6:39).

2.4 Discurso das Parábolas

As parábolas a seguir são conhecidas como Discurso das Parábolas:


·         A Razão do falar em parábolas (Mateus 13:10-17; Marcos 4:10; Lucas 8:9-10; João 9:39)

·         Quem tem ouvidos para ouvir, ouça (Mateus 11:15; Marcos 4:8-23; Lucas 8:8)

·         A semente (Marcos 4:26-29)

·         O Trigo e o joio (Mateus 13:24-30)



·         Por que Jesus falou por parábolas (Mateus 13:34; Marcos 4:33-34)

·         Parábola da Pérola (Mateus 13:45-46)

·         O tesouro Escondido (Mateus 13:44)

·         A Parábola da Rede (Mateus 13:47-50)


Parábolas de Jesus

No Caminho de Jerusalém


·         O Bom Samaritano (Lucas 10:29-37)

·         Amigo Importuno (Lucas 11:5-8)

·         A Luz (Lucas 11:33; Mateus 5:15; Marcos 4:21)

·         O Olho bom (Lucas 11:34; Mateus 6:22-23)

·         Do Rico Insensato (Lucas 12:13-21)


·         Contando o Custo (Lucas 14:28-33)


·         O Credor Incompassivo (Mateus 18:23-35)

·         A Dracma perdida (Lucas 15:8)

·         O Filho Pródigo (Lucas 15:11-32)

·         O Mordomo Infiel (Lucas 16:1-13)


·         Servo Inútil (Lucas 17:7-10)

·         O Juiz iníquo (Lucas 18:1-8)

·         O Fariseu e o publicano (Lucas 18:9-14)

3-     Papa Francisco

 

Nas parábolas dedicadas à misericórdia, Jesus revela a natureza de Deus como a dum Pai que nunca se dá por vencido enquanto não tiver dissolvido o pecado e superada a recusa com a compaixão e a misericórdia. Conhecemos estas parábolas, três em especial: as da ovelha extraviada e da moeda perdida, e a do pai com os seus dois filhos (cf. Lc 15, 1-32). Nestas parábolas, Deus é apresentado sempre cheio de alegria, sobretudo quando perdoa. Nelas, encontramos o núcleo do Evangelho e da nossa fé, porque a misericórdia é apresentada como a força que tudo vence, enche o coração de amor e consola com o perdão.

Temos depois outra parábola da qual tiramos uma lição para o nosso estilo de vida cristã. Interpelado pela pergunta de Pedro sobre quantas vezes fosse necessário perdoar, Jesus respondeu: «Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete» (Mt 18,22)

 

4-    Quatro Parábolas – Evangelista S. Lucas

 15Parábola sobre a misericórdia - 1Aproximavam-se dele todos os cobradores de impostos e pecadores para o ouvirem. Mas os fariseus e os doutores da lei murmuravam entre si, dizendo: «Este acolhe os pecadores e come com eles." Jesus propôs-lhes, então, esta parábola: [...]

A ovelha perdida (Mt 18,10-14) - 4*«Qual é o homem dentre vós que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as noventa e nove no deserto e vai à procura da que se tinha perdido, até a encontrar? 5Ao encontrá-la, põe-na alegremente aos ombros 6*e, ao chegar a casa, convoca os amigos e vizinhos e diz-lhes: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a minha ovelha perdida.' 
7*Digo-vos Eu: Haverá mais alegria no Céu por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não necessitam de conversão.»

A dracma perdida - 8*«Ou qual é a mulher que, tendo dez dracmas, se perde uma, não acende a candeia, não varre a casa e não procura cuidadosamente até a encontrar? 9E, ao encontrá-la, convoca as amigas e vizinhas e diz: 'Alegrai-vos comigo, porque encontrei a dracma perdida.' 


10Digo-vos: Assim há alegria entre os anjos de Deus por um só pecador que se converte.»

Os dois filhos - 11*Disse ainda: «Um homem tinha dois filhos. 12O mais novo disse ao pai: 'Pai, dá-me a parte dos bens que me corresponde.' E o pai repartiu os bens entre os dois. 13*Poucos dias depois, o filho mais novo, juntando tudo, partiu para uma terra longínqua e por lá esbanjou tudo quanto possuía, numa vida desregrada. 14Depois de gastar tudo, houve grande fome nesse país e ele começou a passar privações. 
15
*Então, foi colocar-se ao serviço de um dos habitantes daquela terra, o qual o mandou para os seus campos guardar porcos. 16Bem desejava ele encher o estômago com as alfarrobas que os porcos comiam, mas ninguém lhas dava
17
*E, caindo em si, disse: 'Quantos jornaleiros de meu pai têm pão em abundância, e eu aqui a morrer de fome! 18Levantar-me-ei, irei ter com meu pai e vou dizer-lhe: Pai, pequei contra o Céu e contra ti; 19já não sou digno de ser chamado teu filho; trata-me como um dos teus jornaleiros.' 20*E, levantando-se, foi ter com o pai.
Quando ainda estava longe, o pai viu-o e, enchendo-se de compaixão, correu a lançar-se-lhe ao pescoço e cobriu-o de beijos. 21O filho disse-lhe: 'Pai, pequei contra o Céu e contra ti; já não mereço ser chamado teu filho.' 
22Mas o pai disse aos seus servos: 'Trazei depressa a melhor túnica e vesti-lha; dai-lhe um anel para o dedo e sandálias para os pés. 23Trazei o vitelo gordo e matai-o; vamos fazer um banquete e alegrar-nos, 24
*porque este meu filho estava morto e reviveu, estava perdido e foi encontrado.' E a festa principiou. 
25
*Ora, o filho mais velho estava no campo. Quando regressou, ao aproximar-se de casa ouviu a música e as danças. 26Chamou um dos servos e perguntou-lhe o que era aquilo. 27Disse-lhe ele: 'O teu irmão voltou e o teu pai matou o vitelo gordo, porque chegou são e salvo.'
28Encolerizado, não queria entrar; mas o seu pai, saindo, suplicava-lhe que entrasse. 29Respondendo ao pai, disse-lhe: 'Há já tantos anos que te sirvo sem nunca transgredir uma ordem tua, e nunca me deste um cabrito para fazer uma festa com os meus amigos; 30e agora, ao chegar esse teu filho, que gastou os teus bens com meretrizes, mataste-lhe o vitelo gordo.' 31O pai respondeu-lhe: 'Filho, tu estás sempre comigo, e tudo o que é meu é teu. 32
*Mas tínhamos de fazer uma festa e alegrar-nos, porque este teu irmão estava morto e reviveu; estava perdido e foi encontrado.'»

16 Parábola do administrador sagaz - Naquele tempo, disse Jesus aos seus discípulos: «Havia um homem rico, que tinha um administrador; e este foi acusado perante ele de lhe dissipar os bens. 2Mandou-o chamar e disse-lhe: ‘Que é isto que ouço a teu respeito? Presta contas da tua administração, porque já não podes continuar a administrar.’ 3O administrador disse, então, para consigo: ‘Que farei, pois o meu senhor vai tirar-me a administração? Cavar não posso; de mendigar tenho vergonha. 4Já sei o que hei-de fazer, para que haja quem me receba em sua casa, quando for despedido da minha administração.’ 5E, chamando cada um dos devedores do seu senhor, perguntou ao primeiro: ‘Quanto deves ao meu senhor?’ Ele respondeu: 6‘Cem talhas de azeite.’ Retorquiu-lhe: ‘Toma o teu recibo, senta-te depressa e escreve cinquenta.’ 7Perguntou, depois, ao outro: ‘E tu quanto deves?’ Este respondeu: ‘Cem medidas de trigo.’ Retorquiu-lhe também: ‘Toma o teu recibo e escreve oitenta.’ 8O senhor elogiou o administrador desonesto, por ter procedido com esperteza. É que os filhos deste mundo são mais sagazes que os filhos da luz, no trato com os seus semelhantes.»

5-Sugestões

“Precisamos sempre de contemplar o mistério da Misericórdia”

“Eterna é a Sua Misericórdia” (Salmo-136)

“Vai e faz o mesmo” (Lc 10, 37)

 

5-1

5.1.1 Conhece-te a ti mesmo

5.1.2 O olhar os outros

5.1.3 Escutar

5.1.4 Tocar/Ajudar

5.15 Falar

5.1.6 Agradecer

 

6 - Reflexão Pessoal

 

6.1 Qual a parábola de Jesus que mais ecoa no meu coração?

 

7 Oração:

Meu Deus! Eu te agradeço a Misericórdia para comigo, sempre sem limites;

Obrigada meu Deus pelo que tens feito por mim;

Meu Deus! Rogo-te para ser forte no perdão das ofensas.

Meu Deus! Que a minha consciência

Esteja de bem com todos

Meu Deus! que a tua Misericórdia alegre meu coração.

 

Relator: José Rodrigues Lima

 

 

 

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

A pessoa: ser em tensão


A pessoa: ser em tensão

Anselmo Borges

DN 07NOV2015

 

Já não é sustentável uma concepção dualista do ser humano, à maneira de Platão ou Descartes: composto de alma e corpo, matéria e espírito. O homem é uma realidade unitária, para lá do dualismo e do materialismo. O jesuíta J. Mahoney, que já foi membro da Comissão Teológica Internacional, escreveu de modo feliz: "Não se deve considerar a alma humana, constitutiva da pessoa, como se fosse um espírito puro infundido a partir de fora num receptáculo biológico no instante da concepção, mas referir-se a ela mais apropriadamente entendendo-a como um brotar ou emergir a partir do interior do próprio material biológico dado pelos progenitores, genuínos originantes pela sua parte, sem necessidade de ter de recorrer a uma intervenção divina quase milagrosa, para a produção de uma nova realidade. Portanto, a afinidade que existe entre matéria e espírito permite-nos, e inclusivamente exige-nos, considerar o emergir da nova pessoa humana como um processo que leva tempo e requer um certo período de existência pré-pessoal como o umbral através do qual se dá a passagem a uma existência animada no sentido pleno da palavra."

A própria Bíblia tem uma concepção unitária da pessoa. Por isso, não se crê na imortalidade da alma, mas na ressurreição dos mortos, não no sentido da reanimação do cadáver, mas da plenitude da existência da pessoa toda em Deus.

Mas, se a constituição do homem é a de um ser unitário, também é fundamental entender que é um ser em tensão. Habituados a pensá-lo como "animal racional", rapidamente esquecemos a animalidade, para ficarmos apenas com a razão abstracta. Escreveu Hegel: "O que é racional é real e o que é real é racional." Mas vários filósofos, como Nietzsche, Freud, Ernst Bloch, chamaram a atenção para o facto de a razão, o logos puro, não explicar o processo do mundo: na raiz do mundo está um intensivo da ordem do querer. Quem mais sublinhou isso foi Schopenhauer: há uma força que tem o predomínio sobre os planos e juízos da razão: o impulso, a "vontade". Portanto, no ser humano, há o impulso e a razão, a pulsão e o lógico, o afecto e o pensamento, a emoção e o cálculo. O próprio cérebro, que forma um todo holístico, tem três níveis; Paul D. Mac Lean fala dos três cérebros integrados num, mas também em conflito: o paleocéfalo, o cérebro arcaico, reptiliano, o mesocéfalo, o cérebro da afectividade, e o córtex com o neocórtex, em conexão com as capacidades lógicas.

A luz racional é afinal apenas uma ponta num imenso oceano inconsciente e também tenebroso. Por isso, nem sempre conseguimos viver em harmonia e é preciso estar de sobreaviso para não se cair em catástrofes mortais, também porque as respostas emocionais podem escapar ao controlo racional, por causa do chamado "atalho neuronal" e do "sequestro emocional": as informações são lidas pelo cérebro emocional e só depois pelo racional. Quem nunca fez a experiência de deitar as mãos à cabeça: "Como foi possível eu ter feito isso!.. Aí, não era eu." Sem emoção, o que seria a vida, na relação com os outros, na própria ética, no que à música se refere? Mas não se pode esquecer a razão. O ser humano é rácio-emocional.

Para lá desta, há muitas outras tensões. Vimos da natureza, somos natureza, mas contrapomo-nos à natureza, é em nós que a evolução toma consciência de si: somos da natureza e na natureza e nem sempre a pessoa consegue integrar a natureza. Vivemos no presente, sempre no presente, mas vimos do passado, voltados para o futuro; se perdêssemos a memória, não perderíamos apenas o passado, mas a identidade, já não saberíamos quem somos; e estamos sempre voltados para o futuro, é ele que nos alenta pela esperança. Já somos, mas ainda não somos o que havemos de ser. Somos finitos, mas estamos constitutivamente abertos ao Infinito e perguntamos ao Infinito pelo Infinito, isto é, por Deus. Sabemos que sabemos e sobretudo sabemos que não sabemos e, por isso, perguntamos ilimitadamente; daí, vivermos no desassossego, inquietos. Somos limitados, mas a condição de possibilidade de darmos conta do limite é o ilimitado, de tal modo que, indo ao fora de nós, ao que há e ao que não há, ao real e ao possível e ao impossível, ao ser, vimos a nós numa intimidade única. Estamos em nós e no outro de nós: dentro e fora de nós. E desdobramo-nos, reflectindo, de tal modo que, vendo-nos como sujeito que se objectiva, tomamos consciência da nossa identidade. Ah, e o outro! Vamos ao encontro do outro, mas do outro que é outro como eu, mas sobretudo um eu que não sou eu: um outro eu e um eu outro. E lá está o encontro, feito de alegria, de fascínio, mas também o desencontro da ameaça e do possível conflito.

Saber e sabedoria têm o mesmo étimo: sapere, relacionado com sabor. Para viver, não basta o saber, que é sobretudo teórico, racional. A sabedoria de viver implica a consciência das tensões e conviver sabiamente com elas.

 

http://www.dn.pt/opiniao/opiniao-dn/anselmo-borges/interior/a-pessoa-ser-em-tensao-4873797.html

800 ANOS É MUITO TEMPO!


800 ANOS É MUITO TEMPO!

Frei Bento Domingues, O.P.

Público 08NOV2015

 

1. Continuam a perguntar-me o que significa o acrescento, O.P., à minha assinatura, nomeadamente nestas crónicas.

 Explico. Em 1953, no Convento de Nossa Senhora do Rosário, em Fátima, abrindo o tempo de Noviciado, o Prior conventual, numa celebração comovente, perguntou-me: que pedis? A misericórdia de Deus e a vossa, respondi.

Disse-me que esperava que já tivesse recebido a misericórdia de Deus, mas a da Ordem dos Pregadores (O.P), não era incondicional. Depois de um tempo de experiência, haveria uma avaliação recíproca e nela se veria se queríamos continuar juntos ou não. Entretanto, Frei Bento passava a sobrepor-se ao nome que usara até esse dia.

Não estranhei muito, pois o padroeiro da minha aldeia é S. Bento e muito perto havia a romaria de S. Bento da Porta Aberta, a mais importante do norte de Portugal. Por outro lado, o meu irmão chamava-se Domingos e ao entrar na Ordem fundada por S. Domingos, passou a chamar-se Frei Bernardo!

 2. Dou agora esta explicação, porque ontem, em Fátima, no Convento que há 62 anos me acolheu, participei na abertura do Jubileu do VIII Centenário desta Ordem a que pertenço. O Papa Honório III reconheceu-a, mediante algumas Bulas de recomendação (1216 e 1217), como a Ordem dos Pregadores (O.P.).

Vale a pena atender a esta designação cuja história sempre me fascinou. Fala-se, com frequência, da Ordem de S. Domingos, da Ordem Dominicana e, para abranger todos os seus ramos, da Família Dominicana. É verdade que o seu fundador foi São Domingos de Gusmão (1170-1221). Era castelhano, viveu em França e morreu em Itália. Em muito poucos anos, rodeado de alguns companheiros, decidiu responder a uma lacuna grave na Igreja do seu tempo: a pregação do Evangelho ao povo que reclamava a reforma de uma Igreja feudal.

Existiam, é certo, várias tentativas para enfrentar a situação minada pela heresia cátara, maniqueia. As tentativas existentes não seguiam nem o caminho nem o estilo de Jesus Cristo e dos Apóstolos. Ao propor o Evangelho, atraiçoavam-no. O grande poeta, Francisco de Assis, encontrou um caminho: seguir nu o Cristo nu. Domingos de Gusmão era um teólogo e viveu os primeiros anos de pregação missionária no Sul da França com um bispo espanhol extraordinário, Diego de Acebes. Quando este regressou a Espanha, Domingos ficou sozinho até decidir fundar a Ordem dos Pregadores.

Esta designação não encontrou bom acolhimento em Roma. Por uma razão simples: a Ordem dos pregadores era a ordem episcopal. Que surgissem fundações dedicadas à pregação, era desejável. Domingos, no entanto, não aceitou uma bula papal que recomendava a sua fundação, como de irmãos que pregam (praedicantes). Ele queria uma fundação de irmãos cuja vocação e ofício era a pregação e não a de meros pregadores eventuais. Por isso, conseguiu que a bula fosse raspada e por cima de praedicantes, o Papa tenha mandado escrever Praedicatores.  

Isto pode parecer um pormenor, mas não é. Estava em jogo a própria essência desta nova e insólita ordem religiosa.

3. S. Domingos não queria palradores. Desejava pregadores, pessoas que no silêncio, na oração, no estudo se deixassem transformar pela graça da Palavra feita carne, para a salvação do mundo. Ficou cunhada para sempre a expressão sintética deste carisma: contemplar e anunciar a Realidade contemplada.

Para transformar os sonhos em realidade, o santo castelhano decidiu, com os seus companheiros, que a Ordem dos Pregadores seria uma instituição democrática. As suas Constituições e Ordenações poderiam ser sempre revistas, mas segundo regras estabelecidas para e pelos Capítulos Gerais. Para unir as leis humanas e a fidelidade à graça do Evangelho, os Capítulos reuniam-se no Pentecostes.

A democracia dominicana permite o melhor, mas cede ao pior quando atraiçoa o seu carisma e se abandona à vontade de dominar. Todas as vezes que, ao longo dos séculos, soube ver e escutar a novidade dos sinais dos tempos; sempre que a fidelidade às suas origens foi vivida nas novas fronteiras do presente, a Ordem dos Pregadores foi espantosamente criativa. Quando, pelo contrário, confundiu fidelidade com repetição e se deixou manipular pelos poderes da igreja ou da sociedade, ofendeu o seu carisma.

Para encurtar razões e exemplos, recorro a S. Tomás de Aquino, de quem Umberto Eco dizia: transformaram um incendiário num bombeiro.

 «Frei Tomás (…) nas suas aulas levantava problemas novos, descobria novos métodos, empregava novas redes de provas e, ao ouvi-lo ensinar uma nova doutrina, com argumentos novos, não se podia duvidar, pela irradiação dessa nova luz e pela novidade desta inspiração, que era Deus quem lhe concedeu ensinar, desde o princípio, com plena consciência, por palavras e por escrito, novas opiniões[1]».

Cada sociedade tem a sua história e reescreve-a à medida que ela mesma muda. O passado só está definitivamente fixo quando deixa de ter futuro, dizia R. Aron. Desde a sua origem que a Ordem faz a sua história reescrevendo-a para hoje. Não reproduzimos o passado. Inovamos[2].

 

08.11.2015

 





[1] Cf. Guilherme de Tocco, discípulo e biógrafo de S. Tomás

[2] Cf. Fr. José Augusto Mourão. O.P., A Palavra e o Espelho, Paulinas, 2000, pp 179-186

quarta-feira, 4 de novembro de 2015

Dar Alma à Vida LXXVI


Dar Alma à Vida LXXVI

 Dar Alma à Vida é perceber como os quatro homens que conduziram o paralítico a Jesus (Mc. 2, 1- 12) descobriu o modo de lá Lhe chegar, uma vez que estava dentro de uma casa envolvida por uma grande multidão. Jesus interpretou este esforço dos homens e do paralítico como uma expressão da fé que sentiu como homem, e, como Deus, curou-o integralmente, através da misericórdia divina dizendo-lhe: “filho, os teus pecados são perdoados”
 




Dar Alma à Vida é compreender em Jesus a natureza humana e divina. Para os que não acreditaram, Jesus ainda acrescentou: “Eu te ordeno, levanta-te e vai para casa”.

Dar Alma à Vida é compreender que mais importante que a cura física é a cura espiritual.

Dar Alma à Vida é viver uma intimidade tão grande com o divino e sentir que mais importante que ter saúde do corpo ao serviço do pecado, é ter saúde do corpo para estar ao serviço do absoluto.

Dar Alma à Vida é ler o evangelho de João 5, 14 e 9, 1-14 para saber acolher os sacramentos da penitência e da unção dos enfermos, que nos libertam dos males do corpo e da alma.

Dar Alma à Vida é reconhecer que os “sacramentos de cura”, partiram da iniciativa de Jesus, humano e divino porque bem sabia das nossas dificuldades e necessidades.
 

 

Tenho tido experiências de que através da reconciliação se afugentam males da mente, da alma e do corpo. Acrescentaria que eu próprio, até ao momento, sinto, do mais profundo de mim mesmo, a misericórdia do Pai, da sua bondade para que viva uma vida com Alma, apesar das limitações a que estou sujeito. Sinto-me, apesar de tudo, tão longe do que precisava e, indigno, entre os que sofrem mais que eu.
 

 
Dar Alma à Vida é ler na nossa própria história pessoal e colectiva a presença de um Pai que nos traz ao colo quando nos aparecem as vicissitudes ou as adversidades da vida.

                                                                          Cf. “Sede Misericordiosos” de D. Anecleto.
                                                                                                                                                                                                         A.C.