terça-feira, 2 de dezembro de 2014

BÊNÇÃO ECUMÉNICA E ASSINATURA DA DECLARAÇÃO CONJUNTA DE PAPA FRANCISCO E PATRIARCA ECUMÉNICO BARTOLOMEU I



(28-30 DE NOVEMBRO DE 2014)

BÊNÇÃO ECUMÉNICA E ASSINATURA DA DECLARAÇÃO CONJUNTA DE PAPA FRANCISCO E PATRIARCA ECUMÉNICO BARTOLOMEU I

Istambul, Domingo, 30 de Novembro de 2014

 

Nós, Papa Francisco e Patriarca Ecuménico Bartolomeu I, expressamos a nossa profunda gratidão a Deus pelo dom deste novo encontro, que nos permite celebrar juntos a Festa de São André, o primeiro-chamado e irmão do apóstolo Pedro, na presença dos membros do Santo Sínodo, do clero e dos fiéis do Patriarcado Ecuménico. A nossa recordação dos Apóstolos, que proclamaram ao mundo a feliz notícia do Evangelho através da sua pregação e do testemunho do martírio, revigora em nós o desejo de continuar a caminhar juntos a fim de superarmos, com amor e confiança, os obstáculos que nos dividem.

Por ocasião do encontro de Maio passado em Jerusalém, no qual recordámos o abraço histórico entre os nossos venerados predecessores Paulo VI e Patriarca Ecuménico Atenágoras, assinámos uma declaração conjunta. Hoje, na feliz ocasião dum novo encontro fraterno, queremos reafirmar, juntos, as nossas intenções e preocupações comuns.

Expressamos a nossa intenção sincera e firme de, em obediência à vontade de nosso Senhor Jesus Cristo, intensificar os nossos esforços pela promoção da unidade plena entre todos os cristãos, e sobretudo entre católicos e ortodoxos. Além disso, queremos apoiar o diálogo teológico promovido pela Comissão Mista Internacional – instituída, exactamente há trinta e cinco anos, pelo Patriarca Ecuménico Dimitrios e o Papa João Paulo II aqui, no Fanar –, a qual se encontra actualmente a tratar das questões mais difíceis que marcaram a história da nossa divisão e que requerem um estudo cuidadoso e profundo. Por esta finalidade, asseguramos a nossa oração fervorosa como Pastores da Igreja, pedindo aos fiéis que se unam a nós na imploração comum por que «todos sejam um só (...) para que o mundo creia» (Jo 17, 21).

Expressamos a nossa preocupação comum pela situação no Iraque, na Síria e em todo o Médio Oriente. Estamos unidos no desejo de paz e estabilidade e na vontade de promover a resolução dos conflitos através do diálogo e da reconciliação. Ao mesmo tempo que reconhecemos os esforços que já estão a ser feitos para dar assistência à região, apelamos a quantos têm a responsabilidade dos destinos dos povos que intensifiquem o seu empenho a favor das comunidades que sofrem, consentindo a todas, incluindo as cristãs, de permanecerem na sua terra natal. Não podemos resignar-nos com um Médio Oriente sem os cristãos, que ali professaram o nome de Jesus durante dois mil anos. Muitos dos nossos irmãos e irmãs são perseguidos e, com a violência, foram forçados a deixar as suas casas. Até parece que se perdeu o valor da vida humana e que a pessoa humana já não tem importância alguma, podendo ser sacrificada a outros interesses. E, tragicamente, tudo isto se passa perante a indiferença de muitos. Ora, como nos lembra São Paulo, «se um membro sofre, com ele sofrem todos os membros; se um membro é honrado, todos os membros participam da sua alegria» (1 Cor 12, 26). Esta é a lei da vida cristã e, neste sentido, podemos dizer que há também um ecumenismo do sofrimento. Tal como o sangue dos mártires foi semente de fortaleza e fecundidade para a Igreja, assim também a partilha dos sofrimentos diários pode ser um instrumento eficaz de unidade. A dramática situação dos cristãos e de todos aqueles que sofrem no Médio Oriente exige não só uma oração constante, mas também uma resposta apropriada por parte da comunidade internacional.

Os grandes desafios, que o mundo enfrenta na situação actual, exigem a solidariedade de todas as pessoas de boa vontade. Por isso, reconhecemos a importância também da promoção dum diálogo construtivo com o Islã, assente no respeito mútuo e na amizade. Inspirados por valores comuns e animados por um genuíno sentimento fraterno, muçulmanos e cristãos são chamados a trabalhar, juntos, por amor da justiça, da paz e do respeito pela dignidade e os direitos de cada pessoa, especialmente nas regiões onde durante séculos viveram em coexistência pacífica e agora, tragicamente, sofrem juntos os horrores da guerra. Além disso, como líderes cristãos, exortamos todos os líderes religiosos a continuarem com maior intensidade o diálogo inter-religioso e fazerem todo o esforço possível para se construir uma cultura de paz e solidariedade entre as pessoas e entre os povos.

Recordamos também todos os povos que sofrem por causa da guerra. Em particular, rezamos pela paz na Ucrânia, país com uma antiga tradição cristã, e apelamos às partes envolvidas no conflito para que procurem o caminho do diálogo e do respeito pelo direito internacional para pôr fim ao conflito e permitir que todos os ucranianos vivam em harmonia.

Os nossos pensamentos voltam-se para todos os fiéis das nossas Igrejas no mundo, que saudamos, confiando-os a Cristo, nosso Salvador, para que possam ser incansáveis testemunhas do amor de Deus. Erguemos a nossa fervorosa oração a Deus, pedindo-Lhe que conceda o dom da paz, no amor e na unidade, a toda a família humana.

«O Senhor da paz, Ele próprio, vos dê a paz, sempre e em todos os lugares. O Senhor esteja com todos vós» (2 Ts 3,16).

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(28-30 DE NOVEMBRO DE 2014)

DIVINA LITURGIA

PALAVRAS DO SANTO PADRE

Igreja Patriarcal de São Jorge, Istambul

Domingo, 30 de Novembro de 2014

 

Santidade, caríssimo irmão Bartolomeu!

Muitas vezes, como arcebispo de Buenos Aires, participei na Divina Liturgia das comunidades ortodoxas presentes naquela cidade, mas poder encontrar-me hoje nesta Igreja Patriarcal de São Jorge para a celebração do Santo Apóstolo André, o primeiro chamado e irmão de São Pedro, patrono do Patriarcado Ecuménico, é verdadeiramente uma graça singular que o Senhor me dá.

Encontrar-nos, olhar o rosto um do outro, trocar o abraço de paz, rezar um pelo outro são dimensões essenciais do caminho para o restabelecimento da plena comunhão para a qual tendemos. Tudo isto precede e acompanha constantemente a outra dimensão essencial do referido caminho que é o diálogo teológico. Um autêntico diálogo é sempre um encontro entre pessoas com um nome, um rosto, uma história, e não apenas um confronto de ideias.

Isto vale sobretudo para nós, cristãos, porque, para nós, a verdade é a pessoa de Jesus Cristo. O exemplo de Santo André – que, juntamente com outro discípulo, acolheu o convite do Divino Mestre: «Vinde e vereis» e «ficaram com Ele nesse dia» (Jo 1, 39) – mostra-nos claramente que a vida cristã é uma experiência pessoal, um encontro transformador com Aquele que nos ama e nos quer salvar. Também o anúncio cristão se difunde graças a pessoas que, apaixonadas por Cristo, não podem deixar de transmitir a alegria de serem amadas e salvas. Aqui, mais uma vez, é esclarecedor o exemplo do Apóstolo André. Depois de ter seguido Jesus até onde habitava e ter-se demorado com Ele, «encontrou primeiro o seu irmão Simão e disse-lhe: “Encontrámos o Messias!” – que quer dizer Cristo. E levou-o até Jesus» (Jo 1, 40-42). Fica, assim, claro que nem sequer o diálogo entre cristãos pode subtrair-se a esta lógica do encontro pessoal.

Por isso, não foi por acaso que o caminho de reconciliação e de paz entre católicos e ortodoxos tenha sido, de alguma forma, inaugurado por um encontro, por um abraço entre os nossos venerados Predecessores, o Patriarca Ecuménico Atenágoras e o Papa Paulo VI, há cinquenta anos, em Jerusalém, um acontecimento que Vossa Santidade e eu quisemos recentemente comemorar encontrando-nos de novo na cidade onde o Senhor Jesus Cristo morreu e ressuscitou.

Por feliz coincidência, esta minha visita acontece poucos dias depois da celebração dos cinquenta anos da promulgação do Decreto do Concílio Vaticano II  sobre a busca da unidade de todos os cristãos, Unitatis redintegratio. Trata-se de um documento fundamental com que foi aberta uma nova estrada para o encontro entre os católicos e os irmãos de outras Igrejas e Comunidades eclesiais.

Em particular, com tal Decreto, a Igreja católica reconhece que as Igrejas ortodoxas «têm verdadeiros sacramentos e principalmente, em virtude da sucessão apostólica, o sacerdócio e a Eucaristia, por meio dos quais permanecem ainda unidas connosco por vínculos muito íntimos» (n. 15). Consequentemente, afirma-se que, para guardar fielmente a plenitude da tradição cristã e levar a termo a reconciliação dos cristãos do Oriente e do Ocidente, é de extrema importância conservar e sustentar o riquíssimo património das Igrejas do Oriente, não só no que diz respeito às tradições litúrgicas e espirituais, mas também as disciplinas canónicas, sancionadas pelos santos padres e pelos concílios, que regulam a vida dessas Igrejas (cf. nn. 15-16).

Considero importante reiterar o respeito deste princípio como condição essencial e recíproca para o restabelecimento da plena comunhão, que não significa submissão de um ao outro nem absorção, mas sim acolhimento de todos os dons que Deus deu a cada um para manifestar ao mundo inteiro o grande mistério da salvação realizado por Cristo Senhor por meio do Espírito Santo. Quero assegurar a cada um de vós que, para se chegar à suspirada meta da plena unidade, a Igreja católica não tem intenção de impor qualquer exigência, excepto a da profissão da fé comum, e que estamos prontos a buscar juntos, à luz do ensinamento da Escritura e da experiência do primeiro milénio, as modalidades pelas quais garantir a necessária unidade da Igreja nas circunstâncias actuais: a única coisa que a Igreja católica deseja e que eu procuro como Bispo de Roma, «a Igreja que preside na caridade», é a comunhão com as Igrejas ortodoxas. Esta comunhão será sempre fruto do amor «que foi derramado nos nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado» (Rm 5, 5), amor fraterno que dá expressão ao vínculo espiritual e transcendente que nos une como discípulos do Senhor.

No mundo actual, erguem-se com intensidade vozes que não podemos deixar de ouvir, pedindo às nossas Igrejas que vivam plenamente como discípulos do Senhor Jesus Cristo.

A primeira destas vozes é a dos pobres. No mundo, há demasiadas mulheres e demasiados homens que sofrem por desnutrição grave, pelo desemprego crescente, pela alta percentagem de jovens sem trabalho e pelo aumento da exclusão social, que pode induzir a actividades criminosas e até mesmo ao recrutamento de terroristas. Não podemos ficar indiferentes perante as vozes destes irmãos e irmãs. Estão-nos pedindo não só que lhes demos uma ajuda material, necessária em muitas circunstâncias, mas sobretudo que os ajudemos a defender a sua dignidade de pessoas humanas, de modo que possam reencontrar as energias espirituais para levantarem e voltarem a ser protagonistas das suas histórias. Além disso pedem-nos para lutar, à luz do Evangelho, contra as causas estruturais da pobreza, a desigualdade, a falta de um trabalho digno, da terra e da casa, a negação dos direitos sociais e laborais. Como cristãos, somos chamados a vencer, juntos, a globalização da indiferença – que, hoje, parece deter a supremacia – e a construir uma nova civilização do amor e da solidariedade.

Uma segunda voz que brada forte é a das vítimas dos conflitos em muitas partes do mundo. Esta voz, ouvimo-la ressoar muito bem a partir daqui, porque algumas nações vizinhas estão marcadas por uma guerra atroz e desumana. Penso com profunda amargura nas muitas vítimas do desumano e insensato atentado que nestes dias atingiu os fiéis muçulmanos que rezavam na mesquita de kano, na Nigéria. Turvar a paz de um povo, cometer ou consentir qualquer género de violência, especialmente contra pessoas frágeis e indefesas, é um pecado gravíssimo contra Deus, porque significa não respeitar a imagem de Deus que está no homem. A voz das vítimas dos conflitos impele-nos a avançar apressadamente no caminho de reconciliação e comunhão entre católicos e ortodoxos. Aliás, como podemos anunciar com credibilidade o Evangelho de paz que vem de Cristo, se entre nós continuam a existir rivalidades e contendas? (cf. Paulo VI, Exort. ap. Evangelium nuntiandi, 77).

Uma terceira voz que nos interpela é a dos jovens. Hoje, infelizmente, há tantos jovens que vivem sem esperança, dominados pelo desânimo e a resignação. Além disso, influenciados pela cultura dominante, muitos jovens buscam a alegria apenas na posse de bens materiais e na satisfação das emoções do momento. As novas gerações não poderão jamais adquirir a verdadeira sabedoria e manter viva a esperança, se nós não formos capazes de valorizar e transmitir o autêntico humanismo, que brota do Evangelho e da experiência milenar da Igreja. São precisamente os jovens – penso, por exemplo, nas multidões de jovens ortodoxos, católicos e protestantes que se reúnem nos encontros internacionais organizados pela comunidade de Taizé – são eles que hoje nos pedem para avançar rumo à plena comunhão. E isto, não porque eles ignorem o significado das diferenças que ainda nos separam, mas porque sabem ver mais além, são capazes de captar o essencial que já nos une.

Amado irmão, caríssimo irmão, estamos já a caminho, a caminho para a plena comunhão e já podemos viver sinais eloquentes de uma unidade real, embora ainda parcial. Isso nos conforta e sustenta na prossecução deste caminho. Temos a certeza de que, ao longo desta estrada, somos apoiados pela intercessão do Apóstolo André e do seu irmão Pedro, considerados pela tradição os fundadores das Igrejas de Constantinopla e de Roma. Imploramos de Deus o grande dom da unidade plena e a capacidade de o acolher nas nossas vidas. E não nos esqueçamos jamais de rezar uns pelos outros.

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