O
anúncio na periferia
P. Vitor
Gonçalves
"O
Anjo Gabriel foi enviado por Deus
a uma
cidade da Galileia chamada Nazaré…”
Lc 1, 26
Quando
pensamos em periferias referimo-nos àquilo que está afastado do centro,
distante do mais importante e decisivo, dos lugares de destaque e de poder. E,
normalmente, estamos aí nós, pois cada um tem também as suas periferias: os
lugares, pessoas, e realidades a que damos menos importância. Creio que em Deus
não há periferias pois onde está a vida e onde estão as pessoas, Ele está. E,
talvez por isso, tenha um particular gosto em surpreender-nos nas suas
escolhas: Abraão era tão periférico sem terra nem descendência, Moisés tão gago
e tão “queimado” entre os seus, David tão novo que quase é esquecido pelo pai,
e assim por diante, na lista de surpresas de Deus! Assim, para a vinda do
Messias, iria Deus subjugar-se ao poder religioso e político de Jerusalém,
assente numa religião “perfeita” e perita em excluir e desprezar as periferias
dos que não a conseguiam cumprir?
“De
Nazaré pode vir alguma coisa boa?” (Jo 1, 46) dirá Natanael a Filipe
fazendo eco da insignificância do lugar. Sim, não será em Jerusalém mas num humilde
lugar da Galileia (chamada “dos gentios”, acentuando a sua periferia), não no
Templo ou num palácio mas numa casa familiar, não a uma rainha mas a uma jovem
desposada com um carpinteiro, que Deus anuncia o nascimento de Jesus. Quem
poderia adivinhar que Deus entraria na história pela pequena porta da pobreza,
pelo sim de Maria (e de José, claro!)? Deus assume fazer-se pequeno e entrar no
nosso mundo pela fragilidade das nossas vidas e da nossa história. Deus, para
sempre, faz-se um de nós, é “Deus connosco”, plenamente e silenciosamente. Não
haverá salvas de morteiros, nem notícias de abertura em telejornais, e até os
anjos de Belém terão como “share” do anúncio celeste uns pobres pastores do
campo (mais uns periféricos da religião e do poder, transformados em arautos da
melhor notícia para o mundo)!
Maria,
também é “periferia” da descendência de David, que será dada a Jesus, por José!
Talvez representando tantas mulheres que, ao longo da história e dos tempos (e
hoje também) são das periferias mais próximas de todos. Tantas vezes sofrendo
desigualdades, exclusões, violência e morte: quarenta mulheres mortas em
Portugal por maridos e ex-maridos, e sabe Deus quem, ao longo de 2014?;
namoradas violentadas por namorados?; exclusão no trabalho quando engravidam?
Jesus virá olhar de modo diferente as mulheres, apresentando-as como modelo de
verdadeiros discípulos, valorizando a sua dignidade e dons próprios. E nós,
aqui e agora?
Quantas
periferias podemos encontrar à volta do nascimento de Jesus, onde Deus encarna,
e nos pede que façamos o mesmo? A periferia de espaços familiares (onde há fome
de diálogo e atenção mútua pois quanta distância, às vezes, existe numa mesma
casa!), a periferia entre donos e empregados (onde nenhum lucro, fruto da
exploração de outros, agrada a Deus!), as periferias de uma “comunidade” (onde
grupinhos e capelinhas rivalizam por poder!), a periferia dos mais velhos
(esquecidos, abandonados, “peso” nas nossas vidas egoístas e sedentas de prazer
e distrações!), a periferia de mim mesmo (onde acumulo mágoas e ressentimentos,
decisões corajosas e gestos que fariam felizes outros!). Parece um olhar
desencantado mas não é! Eu acredito que Deus vem constantemente a essas
periferias, e recebe muitos “sim”! Que alegria se Ele escutasse o meu também!
Voz da
Verdade 2014.12.21
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