QUANTOS CRISTOS RESSUSCITARAM? (1)
Frei Bento Domingues, o.p.
1. Nas crónicas de Natal, durante
vários anos, preocupei-me, com questões de ordem histórica e teológica,
levantadas pelo género literário dos chamados “Evangelhos da Infância”. Esses
belos tecidos simbólicos, anunciando o reinado do Espirito de Cristo – recusa
do mundo de senhores e escravos – são mal servidos por uma leitura estéril de
biologia milagrosa.
Este
ano, opto pela peregrinação ecuménica do Papa Francisco à Turquia, fundamental
para o renascimento das Igrejas. Selecciono, apenas, duas respostas
descontraídas a perguntas dos jornalistas, no voo de regresso[1].
Voltarei, em breve, a outros aspectos.
O
Papa Bergoglio tinha afirmado que, para chegar à suspirada plenitude da
unidade, “a Igreja católica não tem intenção de impor qualquer exigência”. Daí
a questão: “estaria a referir-se ao Primado (do Bispo de Roma)?
Resposta:
A questão do Primado não é uma exigência; é um acordo porque também os
ortodoxos o desejam. É um acordo para encontrar uma modalidade que seja mais
conforme com a dos primeiros séculos. Li, uma vez, algo que me fez pensar – um
parêntesis - aquilo que sinto de mais profundo acerca deste caminho da unidade
está na homilia que fiz, ontem, sobre o Espírito Santo. Li, com efeito, que só
o caminho do Espírito Santo é caminho certo, porque Ele é surpresa. Ele
mostrar-nos-á onde está o ponto decisivo. Ele é criativo…
Talvez
isto seja uma autocrítica, mas corresponde, mais ou menos, ao que eu disse nas
congregações gerais, antes do Conclave, o problema está no seguinte: a Igreja
tem o defeito, o hábito pecador, de olhar demasiado para si mesma, como se
imaginasse que possui luz própria. Mas, como sabem, a Igreja não tem luz
própria. Deve voltar-se para Jesus Cristo!
À
Igreja, os primeiros Padres chamavam-lhe mysterium lunae, o mistério da
lua, porquê? Porque dá luz, mas não tem luz própria; é a que lhe vem do sol. E,
quando a Igreja olha demasiado para si mesma, aparecem as divisões. Foi o que
sucedeu depois do primeiro milénio. Hoje, à mesa, falávamos do momento, de uma
terra – não me lembro qual – em que um cardeal foi comunicar a excomunhão do
Papa ao Patriarca (ortodoxo). Naquele momento, a Igreja olhou para si mesma;
não estava voltada para Cristo. Creio que todos estes problemas que surgem
entre nós, entre os cristãos – falo pelo menos da nossa Igreja católica –
surgem quando ela olha para si mesma: torna-se auto-referencial.
Hoje,
Bartolomeu usou uma palavra, não foi «auto-referencial», mas era muito
semelhante, uma palavra muito bela… Agora não me recordo, mas era muito bela,
muito bela [o termo na versão italiana é introversão].
Eles
aceitam o Primado [do Bispo de Roma]. Hoje, na Ladainha, rezaram pelo «Pastor e
Primaz». Como diziam? «Aquele que preside…». Reconhecem-no; disseram-no, hoje,
na minha frente. Mas, quanto à forma do Primado temos de ir um pouco ao
primeiro milénio para nos inspirarmos. Eu não digo que a Igreja errou, não.
Percorreu a sua estrada histórica. Mas, agora, a estrada histórica da Igreja é
aquela que pediu João Paulo II: «Ajudai-me a encontrar um ponto de acordo à luz
do primeiro milénio».
Este
é o ponto-chave. Quando se fixa em si mesma, a Igreja renuncia a ser Igreja
para ser uma ONG teológica.
2.
Uma jornalista interpelou-o “acerca da histórica inclinação” que ontem o Papa
Francisco tinha feito diante do Patriarca de Constantinopla: como pensa agora
enfrentar a crítica de quem talvez não entenda estes gestos
de abertura?
Resposta:
Atrevo-me a dizer que não se trata de um problema só nosso; é também um
problema dos ortodoxos. Eles têm o problema de alguns monges, de alguns mosteiros
que estão nessa estrada. Por exemplo, há um problema que se discute desde os
tempos de Paulo VI: é a data da Páscoa. E não nos pomos de acordo! Mas porquê?
Porque, se a fizéssemos na data da primeira lua depois do 14 de Nisan, com o
avanço dos anos, correríamos o risco – os nossos bisnetos – de ter de a
celebrar em Agosto. E devemos procurar… Paulo VI propôs uma data fixa
concordada, um domingo de Abril.
3. Bartolomeu
foi corajoso, sublinhou o Papa. Por exemplo, em dois casos, recordo um, mas há
outro. Na Finlândia, ele disse à pequena comunidade ortodoxa: festejai a Páscoa
com os luteranos, na data dos luteranos, para que num país de minoria cristã
não haja duas Páscoas. E o mesmo problema vivem os orientais católicos. Ouvi
esta, uma vez, à mesa na Via della Scrofa: preparava-se a Páscoa na Igreja
católica e estava presente um oriental católico que dizia: «Ah, não! O nosso
Cristo ressuscita um mês mais tarde! O teu Cristo ressuscita hoje?» O outro
observou: O teu Cristo é o meu Cristo.
A
data da Páscoa é importante. Há resistência a isto por parte deles e nossa.
Quanto a estes grupos conservadores, devemos ser respeitosos, sem nos cansarmos
de explicar, catequizar, dialogar, sem insultar, sem os denegrir nem criticar
porque tu não podes arrumar uma pessoa dizendo: «este é um conservador». Não.
Este é tão filho de Deus como eu. Mas convidemo-lo: vem cá, falemos! Se não
quer falar é um problema dele, mas eu respeito-o. Paciência, mansidão e
diálogo.
Boas festas
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