MELHOR DO QUE ESPERAR É SER ESPERADO , por Frei Bento Domingues,
O. P.
MELHOR
DO QUE ESPERAR É SER ESPERADO
Frei Bento
Domingues, O. P.
Público
29.11.2014
1.
Hoje é o primeiro Domingo do Advento. Mudou o cenário exterior das celebrações
litúrgicas, quanto a paramentos, velas, textos e músicas. Estas modificações de
ornamento só merecem atenção se exprimirem a urgência de um novo impulso na
alma profunda da Igreja, isto é, dos cristãos, assim como nas reformas das
instituições mais resistentes à mudança.
Tornou-se
convencional dizer que o Advento convida à vigilância e à meditação, para
entrar no misterioso sentido do tempo. Não apenas o que é medido pelo relógio e
desfolhado nos calendários, no fluxo cósmico das estações, no ritmo biológico
que vai dizendo o nosso desgaste inexorável. No entanto, como diz S. Paulo, não
nos deixemos abater. Pelo contrário, embora o nosso aspecto exterior vá
caminhando para a sua ruína, a nossa vida interior renova-se dia a dia (…) pois
o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno (2 Co 4, 16-18).
A
pergunta mais importante desta quadra litúrgica não é sobre as nossas
experiências de outono da vida, mais chuvoso ou mais ameno. Poderia talvez ser
formulada assim: qual é a graça regeneradora, para não aceitarmos - usando as
palavras do Papa Francisco – que milhões de seres humanos, nossos irmãos,
vegetem e morram com o estatuto de sobrantes e descartáveis?
2. Para a inteligência bem informada de história e antropologia, de
profunda compreensão teológica e espiritual dos paradoxos da celebração do ano
litúrgico – com analogias noutras culturas e religiões, de quem vai recebendo e
rejeitando certas influências, - recomendo uma obra notável, de dimensões
razoáveis, bebida nas melhores fontes e inspirada nos mestres mais inovadores,
traduzida do espanhol e, inserida na colecção coimbrã “Para Viver”[1].
Este
livro, de José Manuel Bernal, não tem nada a ver com a abundante literatura de
lugares comuns do ritualismo e do espiritualismo moralista ou das folhinhas e
receitas do agrado da ignorância homilética. Pretende contribuir para que os
pastores consigam organizar celebrações de qualidade onde seja possível uma
profunda experiência do mistério transformante. Espero regressar a esta obra,
sobretudo ao capítulo fundamental sobre os rituais sagrados da “regeneração do
tempo”.
Falar
do Advento é pensar no Natal. A. Cunha de Oliveira[2],
sacerdote católico, dispensado do ministério, casado e notável exegeta da
Bíblia, publicou uma obra minuciosa, erudita, volumosa, fundamentada e extremamente
clara, cuja leitura é indispensável para quantos se interessam pela verdade,
pelas lendas e mitos em torno do Natal. Não conheço nada de comparável, em
português.
O
Natal significa que no cristianismo a salvação não se atinge pela fuga
ou desprezo do mundo, embora seja essa uma das tentações que, periodicamente, o
assaltam.
Foi
inscrito, pela pena de S. Lucas, no devir da história universal, colocando a
figura mítica de Adão como o primeiro antepassado de Jesus Cristo. No
impressionante hino cósmico da Carta aos Colossenses, surge como
princípio e sentido de todas as realidades, visíveis e invisíveis. No conhecido
poema que abre o Evangelho de S. João, o Verbo eterno fez-se carne,
fragilidade humana. Numa dramática poesia de S. Paulo (Fl 2, 6-11), Cristo é
reconhecido como divino na suprema humilhação da cruz.
Como
escreveu E. Schillebeeckx, O.P.[3], a
história dos seres humanos é a narrativa de Deus. Fora do mundo não há
salvação, neutralizando o nefasto e abusado aforismo: “fora da Igreja não há
salvação”.
Recordo-me,
como se fosse hoje, do espanto de muitos quando ele surgiu, no congresso
internacional de teólogos dominicanos, em Valência (1966), a defender a
obrigatória inclusão do mundo na lista dos clássicos “lugares teológicos”.
3. A
virtude do Advento é a esperança. Não pode ser a esperança de que haverá Natal,
mas que este produza o renascimento da Igreja e do Mundo. Precisamos de voltar
sempre às narrativas de S. Mateus e de S. Lucas chamadas, impropriamente,
Evangelhos da Infância. Para o seu estudo remeto para o citado livro de Cunha
de Oliveira. Se forem entendidas como lições de pura história ou de biologia,
como tantas vezes acontece, fazem-nos perder a esperança de acreditar na
verdade mais profunda do Novo Testamento: Jesus Cristo era em tudo igual a
nós, excepto no pecado.
Quem melhor
escreveu acerca desta virtude do Advento foi o poeta- teólogo, Charles Péguy[4]: O que
me espanta, diz Deus, é a esperança./ E disso não me canso./ Essa pequena
esperança que parece não ser nada./ (…) Que veio ao mundo no dia de Natal do
ano passado./ (…) Ama o que será./ No tempo e na eternidade.
A
esperança merece todos os elogios. Sem ela é impossível viver. Mas melhor do
que esperar é ter a certeza de que somos desejados e esperados. Afinal é este o
evangelho dentro do Evangelho, a célebre parábola do filho pródigo (Lc
15, 11-31). Deus tem eternas saudades de nós.
30.11.2014
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