segunda-feira, 20 de maio de 2013

A vida são dois dias, o céu dura para sempre - Maria Clara do Menino Jesus - a irmã dos pobres e fundadora das Franciscanas Hospitaleiras da Imaculada Conceição

A vida são dois dias, o céu dura para
 sempre
A existência da Irmã Clara faz-me lembrar um escrito precioso de São Beda o Venerável: "Quando os primeiros missionários cristãos chegaram a terras inglesas, o rei convocou uma assembleia de sábios para decidir se havia de receber a nova doutrina. Um dos sábios falou assim: "Imagina, ó rei, que estás sentado à mesa na companhia dos teus vassalos. É inverno. A lareira bem acesa, a sala bem aquecida. Lá fora, a tempestade: a chuva e o ven­to fustigam a janela. Nisto, como por encanto, vês um passarinho a voar pelo salão. Entrou por um lado e, daí a pouco, desapareceu por outro. Nos breves instantes que vagueou por ali, sentiu-se abrigado do frio, mas logo se sumiu de novo no escuro. Assim acontece na vida humana.

 
 
 Não sabemos o que está antes dela nem o que virá depois. Se a nova doutrina nos trouxer alguma certeza a este respeito, vale a pena recebê-la".

0 pássaro que atravessa por instantes o salão e logo se perde no escuro é uma singela imagem da existência hu­mana. Esta passa breve como um voo de ave. A fé revela- -nos o que está antes e o que virá depois: procedemos de Deus e navegamos para o divino porto.

A Irmã Clara bebeu como leito materno esta fé na eterni­dade. Bem cedo a morte começou a rondar à sua volta. Aos dozeanosviu partiroseu irmão mais novo. Umano depois, ficou órfã de mãe; no ano seguinte, faleceu-lhe o pai.

”A vida são dois dias e o Céu é para toda a eternidade! - ponderava, mais tarde, com as suas Irmãs. Pedia-lhes também que mergulhassem no mar sem fundo de três realidades: "Deus, Alma, Eternidade!"

Esta fé em brasa permitia-lhe encarar com serena digni­dade os obstáculos que se lhe atravessavam no caminho: a infâmia, o agravo, o atropelo, a contínua turbulência: "Quan­do nos sentirmos abatidas ou desanimadas, lembremo-nos do Céu e só esta esperança nos alentará!" "Por um momento de combate, é-nos prometida uma eternidade de glória".

Não declarava São Paulo que os sofrimentos desta vida são uma gota de água ao pé daquele oceano onde nadaremos em glória eterna, e que uma leve tribulação dará lugar a um peso incalculável de felicidade?

Na vida trabalhosa da Irmã Clara abria-se, por vezes, uma frestazinha por onde vislumbrava uma nesga do paraíso.

As festas comunitárias, celebradas pouco antes de morrer, faziam-na sonhar: "A alma, inebriada de santos afectos, como que fugia deste mundo de misérias e se elevava até ao Céu!... Como não será o Céu?!" "A alegria vibrante no rosto da Mãe Clara e das Irmãs - atesta uma Hospitaleira - fazia-nos esquecer que ainda estamos na terra".

"Deus paga bem, mas não paga ao sábado" - reza o nos­so povo. Geralmente, só paga no sábado da vida eterna. Até lá, vai alargando a nossa capacidade, a nossa medida, para poder receber mais e um dia a recalcar e coagular até deitar por fora.

É certo que a Irmã Clara não trabalhava pela paga, mas "poramor ecom amor", sem troca portroca, sem factura, "não com a mira na recompensa, mas unicamente para testemunhar a Deus o nosso reconhecimento pelo muito que nos deu".

Um sinal revelador da santidade cristã consiste preci­samente nisto: mais do que as dádivas de Deus, preferir a intensidade da Sua presença, a beleza do Seu rosto. Sabem a mel as palavras do Pai misericordioso: 'Tu estás sempre comigo e tudo o que é meu é teu" (Lc 15, 31). Relação de gratuitidade e não um vaivém comercial e interesseiro, visto que o amor não é negociável.

Isto dito, podemos acrescentar a feliz observação de São João Crisóstomo: o nosso Deus tem o costume de pagar "salários máximos por trabalhos mínimos". Nem um copo ds-água ficará sem recompensa. A Irmã dos Pobres queria-nos "generosos para com Deus, que tão generoso tem sido para connosco".

Durante um Retiro que dirigi em Fátima, uma Irmã ve­lhinha saudava-me cada manhã, dizendo com um sorriso: "Já falta menos um dia para irmos ao encontro do Senhor". Ah, rica filha de Maria Clara!

Abílio Pina Ribeiro, cmf Colégio Univ. Pio XII, Lisboa, in boltem da irmã dos pobres de Abril-Junho de 2013

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