segunda-feira, 24 de novembro de 2014

Rota Cisterciense


CAMINHOS MONACAIS

 

ROTA CISTERCIENSE CONGREGA PADRES DA SERRA

                                               José Rodrigues Lima

 

O projecto da Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza em construção teve novo impulso com adesão dos padres que exercem o ministério nas localidades do itinerário cultural e místico.

Manifestaram expressiva parceria Belmiro Amorim, pároco do Ermelo; Custódio Branco, pároco do Soajo; César Maciel, pároco da Gavieira; Raul Fernandes, pároco de Parada do Monte e Manuel Domingues, pároco de Fiães.

Na branda de Santo António do Vale de Poldros concretizou-se uma sessão para estudar como levar avante a Rota Cisterciense que liga o Mosteiro de Santa Maria do Ermelo (Arcos de Valdevez), ao Mosteiro de Santa Maria de Fiães (Melgaço). Projectou-se, ainda, a Via Cisterciense com carácter transfronteiriço, rumando em terras da Galiza pelo antigo Mosteiro de Santa Maria da Franqueira (Caniça), Mosteiro de Santa Maria de São Clódio (Leiro), atingindo a grande abadia de Santa Maria de Osseira, na província de Orense, onde se sente o acolhimento.

“No acolhimento dos pobres e peregrinos ponham-se especial cuidado e solicitude” (…) (Regra de São Bento – cap III).

É de sublinhar que todos os mosteiros referenciados têm fundação no século XII.

Para além de outros objectivos, como sejam a revitalização do património material e imaterial tendo também um olhar humanista e místico, pretendeu-se assinalar os cinquenta anos da proclamação de São Bento Padroeiro da Europa, concretizada pelo Papa Paulo VI em 24 de Outubro de 1964.

“É com toda a razão que São Bento é louvado como missionário da Paz, formador da unidade, mestre da cultura e, principalmente grande promotor da vida cristã e organizador da vida monástica ocidental.

Com a cruz, as letras e o arado por si mesmo e pela acção dos seus filhos atraiu à civilização cristã muitos povos. (…)”

São Bernardo de Claraval, carismático monge, alma da Europa cristã do século XII, conselheiro de papas, reis e senhores, foi um dos impulsionadores da devoção mariana.

A influência da Abadia de São Bernardo de Claraval é fulcral na expansão de nova ordem cisterciense.

 

VISITA DO ABASE DE CLARAVAL

O Mosteiro de Santa Maria de Fiães e o de Santa Maria do Ermelo receberam as visitas canónicas de D. Edme de Saulieu, abade de Claraval, que se fazia acompanhar pelo secretário Fr. Claude de Bronzeval, acontecimentos que ocorreram entre 20 e 27 de Janeiro de 1533.

“Devido a ser inverno e a temer falta de segurança no percurso directo de Ermelo a Fiães a comitiva que tinha vindo de Ponte da Barca a Ermelo voltou pelo Vale e Arcos de Valdevez, seguindo por Choças, Extremo, Barbeita, Melgaço e Fiães.

A ligação directa entre ambos os mosteiros menos temerosa para quem estava habituado aos caminhos da serra, era de Ermelo por Soajo a Adrão e Miradouro e dali em alternativa pela Peneda ou pelo Cando, Branda da Aveleira a Lamas de Mouro” (Bernardo Pintor, 1981).

Prosseguindo por Alcobaça e Adadela para encontrar o mosteiro de Fiães.

O relato da visita do Abade de Claraval foi redigido em latim e D. Maur Cocheril traduziu-o para francês na obra bilingue “Peregrinatio hispanica” (1970).

Aliás, é de referir a grande obra de M. Cocheril referente aos cistercienses em território português, sendo de destacar a edição “Routier des Abbadyes Cisterciennes du Portugal” (Paris, 1978).

Os monges cistercienses cingiam-se a uma rígida clausura, pelo que o mosteiro tinha de ser auto-suficiente.

“Assim, a escolha do local era fundamental. O modelo de implantação do cenóbio exigia um lençol de água próximo e consequentemente um solo circundante fértil.”

Um dístico anónimo regista que “São Bernardo amava os vales, São Bento os montes, São Francisco as aldeias e Santo Inácio as grandes cidades. Assim se traduz de forma paradigmática a preferência dada pelos cistercienses às zonas baixas dos vales irrigados.” (Teixeira, 1999)

Através da história surgem excepções por razões de vária ordem.

As marcas dos cistercienses estão bem vincadas no Noroeste Peninsular e são merecedoras de um olhar patrimonial consistente, pois “o desenvolvimento deve ter em conta a continuidade da vida cultural dos povos”, como se preconiza em textos da UNESCO.



 

MEMÓRIAS COM LUZES

Ao percorrer os antigos caminhos, veredas e atalhos, seguimos as pegadas dos homens “de lugares do infinito”, que sendo habitantes da terra continuamente falavam com os habitantes do céu, num tempo sem tempo.

Os mosteiros com o rico e diversificado património histórico, antropológico, artístico, agrícola e inclusivé tecnologia hidráulica, e a irradiação cultural e espiritual conduzem-nos por memórias com luzes que apontam condutas éticas, estéticas e transcendentais.

O ambiente que se respira na área de um conjunto monacal e os sons dos sinos das torres, bem como os timbres das sinetas das portarias ou dos claustros, levam-nos a sentir emoções e a olhar para mais além, para o alto, ultrapassando os camones do tempo e do espaço.

Os apelos feitos através dos sentidos, do tacto, do paladar, do olfacto, da visão e da audição transportam-nos para o sentido místico, refrescando a alma como se víssemos o invisível. O canto das aves no claustro ou nas granjas une-se ao canto gregoriano das horas litúrgicas.

“Cada época deve reinventar para si um projecto de espiritualidade.”

A regra de São Bento (Regula Sancta) e a “Carta de Caridade” são obras que apaixonaram através dos séculos multidões incontáveis de monges e onde a “lectio divina” os levava a uma contemplação muda e silenciosa.

“Quando os monges, durante séculos e séculos,

impressionaram com a sua marca uma terra,

ainda que não ficasse da moradia dos monges

senão uma pedra que se desagrega,

senão um grão de areia que se esboroa,

a pedra, a areia falam dos monges.

Mesmo que a pedra e o grão de areia por seu turno desaparecessem,

a terra, a velha e nobre terra,

a terra sobre a qual os monges se debruçavam,

o vale em que rezavam,

as árvores que plantaram

continuariam a falar deles.

Porque, durante séculos e séculos os monges impressionaram com a sua marca uma terra”

(Dom Maur Cocheril)

 

“A arte é nostalgia de Deus” escreve Mira Schendel.

“Não precisa pintar aquilo que se vê, nem aquilo que se sente, mas aquilo que vive em nós.”

“O invisível atravessa profundamente a humanidade, e os processos lentos, vertiginosos imperceptíveis ou nomeáveis.” (T. Mendonça)

A arte é sem dúvida epifania do mistério. Os mosteiros são “mistério”.

A arte românica, a gótica e outras manifestações artísticas são testemunhas seculares do “Ora et Labora” (Reza e Trabalha) com tons cativantes e sons de paz e universalidade.

A Rota Cisterciense do Alto-Minho-Galiza tem como grande objectivo dar visibilidade ao rico património antropológico, histórico, artístico e místico, bem assinalado nas povoações com conjuntos monacais.

Os peregrinos desejosos de “caminhos íntimos da beleza, da verdade e da bondade”, reconhecerão a acção civilizadora, cultural e espiritual dos monges brancos através dos séculos, bem patente no Alto-Minho e Galiza.

José Rodrigues Lima


93 85 83 275

 
 
 

 
 
 
 
 


Agradecemos ao Prof. Doutor José Marques a gentileza do mapa inserido no texto.

BIBLIOGRAFIA

- Marques, José, “O Mosteiro de Fiães”, Braga, 1990.

- Ossvald, Walter, “Mosteiros Cistercienses em Portugal, Porto, Edições Afrontamento, 2012.

- Nascimento, Aires A., “Cister – Documento primitivos”, Lisboa, Edições Colibri, 1999.

- Bravo, Hipólito de Sá, “Monasterios de Galicia”, Leon, Editorial Evereste, 1992.

- Regra de São Bento, Mosteiro de Singerverga, Edições Ora et Labora, 1992.

- Bronseval, Frére Claude de, “Peregrinatio hispanica”, Paris, P.U.F., 1970.

- Braz, António Manuel da Silva, “O mosteiro e a igreja de Ermelo – Património cisterciense esquecido no tempo”, Braga, Faculdade de Teologia, 2009.

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