domingo, 20 de dezembro de 2015

A arte natalícia como epifania do Mistério




A ARTE NATALÍCIA COMO EPIFANIA DO MISTÉRIO

 José Rodrigues Lima




Texto e Fotos

 

O Inverno é o período do ano em que as pessoas estão mais voltadas para o espírito.

A temperatura é mais fria e a luz solar mais reduzida, e por isso os grupos humanos passam mais tempo no espaço doméstico. O convívio familiar é mais extenso e vive-se com maior intimidade.

Existem diferenças no estilo de vida, dependendo do meio rural ou urbano.

Se na cidade se liga o aquecimento, na aldeia ele é produzido pela lareira loozalizada no centro ou no canto da cozinha, onde se queimam os bons cepos de raízes que ajudam a prolongar as horas nocturnas em conversas de família, reavivando memórias, fazendo comentários a acontecimentos da comunidade aldeã, ou projectando celebrações para alegria de todos aqueles que se sentem ligados pelo mesmo sangue, e no respeito pelo tronco patriarcal.

A quadra natalícia aproxima ainda mais a família. Os que durante o ano permanecem longe dos seus por diversos motivos procuram um retorno às origens para o encontro muitas vezes desejado.

 

 

DAR AS BOAS FESTAS

 

Se o Natal é o período dedicado à família, ele também é o tempo de ser bom… Como diz o poeta, “como é bom ser bom”!

Se na época natalícia há mobilidade social, também há ternura.

Há rituais que se cumprem com mais afecto, como oferecer e receber lembranças.

O uso de dar as boas festas é muito antigo. Nas “Fastos”, Ovídio pergunta a certa altura a Jano: “E donde vem que nas calendas tuas/ nos demos mutuamente as Boas-Festas?...”

Além das reuniões familiares estabeleceu-se no costume de se fazerem visitas aos amigos. Os servos iam apresentar cumprimentos festivos aos seus senhores, deles recebendo por vezes qualquer lembrança, derivando possivelmente o termo “dar ou receber as broas”.

Conta-se que a velha rainha Mary de Inglaterra tinha o dom especial de contemplar no Natal cada uma das numerosíssimas pessoas que a visitavam com uma lembrança adequada ao seu gosto.

Um dia, alguém perguntou com que antecedência ela começava a dedicar-se à tarefa de as escolher. Sorrindo, respondeu. – A partir de 26 de Dezembro de cada ano!

A rainha de Portugal, D. Maria Pia, logo “depois das Janeiras”, como dizia, convidava os íntimos para o almoço onde cada um descobria, sob o seu guardanapo, um bonito presente.

A troca de boas-festas por escrito só surgiu em tempo relativamente moderno.

Aceita-se que o costume se deve ao artista inglês W. T. Dobson. Em 1845, enviou a algum amigo uma cópia litografada de um cartão de sua autoria sobre o espírito do Natal. A originalidade da mensagem agradou e foi imitada.

Os primeiros cartões impressos na Inglaterra eram muito simples, uma acha de lenha, os sinos e os cumprimentos tradicionais.

O costume passa aos estados Unidos da América cerca de 1874. A partir daí os cartões de Boas Festas apresentam os mais diversos motivos, alguns muito longe de qualquer inspiração religiosa ou do espírito natalício.

 

O ESSENCIAL É INVISÍVEL PARA OS OLHOS

Sain-Exupéry, no famoso livro “O Pincipezinho”, escreve que “só se vê bem como coração, o essencial é invisível para os olhos”.

Captar o acontecimento histórico do Natal de Jesus Cristo que marcou o calendário, seja-se ou não crente, é reconhecer o projecto desenhado pelo profeta Isaías: “Ele espalhará a justiça entre as nações… Sendo manso não clamará, nem fará excepção de pessoas. Fará a justiça conforme a verdade…”

“A história é o sextante e a bússola dos estados, os quais, agitados pelos ventos e correntes, se perderiam na confusão senão pudessem verificar a sua posição”, escreveu Nevins. Por outro lado atribui-se a João XXIII: “A História da Igreja não é um museu de antiguidades cristã, mas sim como uma fonte que deita água viva que mata a sede de uma aldeia”.

A arte representou sempre a memória colectiva da humanidade.

Não foi o Ocidente a inventar o próprio conceito de arte, como também o de uma obra destinada a ser fruída, interpretada, e concebida como objecto de reflexão estética.

Em termos genéricos nos sistemas não europeus, o objecto artístico é um símbolo do absoluto, confundindo-se com o mistério e o sagrado, e integrando-se numa relação profunda entre o homem e os cosmos.

Conforme F. Gonçalves depois do século VI, as composições artísticas sobre o nascimento de Jesus tornaram-se frequentes no Oriente, sobretudo nos livros iluminados da Síria e da Palestina. É através das miniaturas dos códices siríacos que a cena da Natividade passa à Arte Bizantina e ao Ocidente bárbaro.

Aqui, desde a época carolíngia que o modelo levantino começa a ser imitado pelos iluminadores. Assim se difunde o tipo iconográfico da Natividade em que estão presentes os dois animais do estábulo, ladeando a figura do recém-nascido. O homem repete-se, no Oriente e no Ocidente, em frescos, mosaicos e miniaturas de marfim.

O presépio merece atenção de Fra Angélico, Ghirlandajo, Jerónimo Bosch, Van de Goes, Leonardo da Vinci, Durer e outros notáveis artistas.

Merecem referência, os famosos, presépios de Machado de Castro, Alexandre Guisti e António Ferreira, bem como todos os barristas, inclusive os de Barcelos, abundantemente coloridos, onde não faltam os carros de bois e pastores, dando lugar a um sentido imaginário dos artesãos.

Todas as aldeias do Alto-Minho armam o presépio na igreja paroquial, contribuindo para o encanto das crianças e dos adultos. O Menino Jesus a sair no andor, transportado pelas crianças aquando as procissões festivas, são uma constante em todas as paróquias.

Nas terras do Alto-Minho existem diversas manifestações artísticas referentes ao mistério do “Verbo Encarnado”.

Assim, são de referir o fresco representando os três Reis Magos (século XIII/XIV) na Igreja Paroquial de Chaviães, Melgaço, e a Sagrada Família de marfim na aldeia do Luzio, concelho de Monção.

No concelho de Viana do Castelo, os presépios de Machado de Castro em S. Lourenço da Montaria, a Senhora do Ó ou Senhora da Expectação no Mosteiro de Carvoeiro, a Senhora do Parto na freguesia de Nogueira, a Nossa Senhora do Leite, em Vila de Punhe, são outros testemunhos.

Na cidade podemos contemplar dois belíssimos nichos, mesmo na “Rua de Viana”.

É uma residência com portaria do século XVIII na qual se abriu, talvez no século XIX, um portal largo. A fachada incorpora dois nichos, esculpidos em alto relevo, que provem da casa dos fins do século XV. À nossa esquerda o Anjo Gabriel saúda a Virgem, e, como se lê na facha que tem na mão, dizendo AVÉ MARIA. No nicho, do lado direito, Nossa Senhora de pé, sob dossel, ladeado de talha florida, que simboliza a Fonte de Vida, recebe a mensagem.

Porém foi no antigo Convento de Santa Ana que encontramos a melhor representação relacionada com o Natal.

Aqui obtivemos a confirmação “a arte é a epifania do mistério”.

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