UM FILHO É UM FILHO
E NÃO UMA COISA...
Os pais querem o melhor para os filhos, esquecendo-se que
eles são seres com discernimento, que, desde que começam a assimilar a
linguagem e a socializar-se, apoderando-se do mundo, são capazes de emitir
juízos de valor próprios, de poder escolher caminhos, caminhos de vida e de
liberdade.
É na adolescência que a liberdade assume a forma de
pássaro que voa alto e longe. Mas, por vezes, esse voo livre e leve faz-se com
“bebedeiras de azul”.
Os pais vivem o medo do excesso, do tentar contra as
barreiras do possível, do querer dominar a vida e a morte e desenvolvem assim
espírito protector. No entanto, nada fazem para preparar as suas crias para o
mundo extra-muros da casa, extra-braços paternos. Desde pequenos que os pais
estão (aqueles que podem) a seu lado, evitando todas as quedas possíveis.
Situações de risco considerável, mas não fatal, são tomadas como momentos
cruciais, para os pais mostrarem a si e aos que os observam o seu amor pelas
suas crias. O excesso de zelo faz com que só possibilitem aos seus filhos a
vivência de situações agradáveis e de felicidade, actuando como um escudo face
ao desconhecido, à dor, ao infortúnio.
Assim, os “meus filhos” passam a ser mais “meus” que
“filhos”, crescidos e criados numa redoma de vidro que, após ter sido quebrada
(sim, porque, mais tarde ou mais cedo, o será) os deixa à deriva, sem saber bem
nem como nem para onde se virarem.
O excesso de protecção já não é de hoje, é talvez desce
que nasceu o primeiro filho. No entanto, tornar essa protecção numa obsessão
sufocante é pouco bom, porque se criam dependências, não se desenvolvem defesas
pessoais (pois há quem nos defenda), não se aprende a viver, a escolher e
também a sofrer e porque não a gostar e a saber valorizar as pequenas coisas da
vida?
Esta necessidade de cuidar intensivamente daquilo de que
se gosta e quer possuir e dominar prende-se com o consumismo e com as práticas
do controlo da natalidade, isto é, há uma pulverização massificada dos filhos
únicos.
Tudo o que é “único” e em pouco número sofre uma grande
procura, neste caso, os filhos únicos sofrem uma grande pressão por parte dos
pais, porque os querem preservar para todo o sempre.
Os pais vêem no crescimento dos filhos uma ameaça, uma
séria ameaça ao seu poder de controlar e de comandar a vida daqueles a quem
deram vida.
A emoção ofusca a razão como o nevoeiro oculta a montanha
de Santa Luzia. Então, os pais acham que crescer e ter opiniões próprias é
ofensivo, é falta de educação, é rebeldia. Pode até ser, nalguns casos. Pode
ser mesmo uma questão de mostrar que já se tem domínio sobre a própria vida,
por isso, o filho opta por soluções radicais, muitas delas, bem conhecidas e
debatidas hodiernamente.
De facto, os pais têm outras funções. Os pais devem ser
tutores, instrutores, conselheiros, porque têm mais experiência da vida e
porque o amar não quer dizer prender.
Mas não nos esqueçamos que quem dá o pão, dá a educação.
E neste aspecto, é necessário muita coerência, para que se preparem indivíduos
saudáveis física e psicologicamente.
Pais, sejam o suporte emocional dos vossos filhos;
deixem-nos voar quando sentirem que eles estão preparados para isso e,
sobretudo, se eles quiserem (mas deixem-nos querer); ensinem-nos a escolher com
justiça, temperança, correcção, humildade; ralhem, repreendam quando o vosso
bom senso vos pedir para tal.
Vivam com eles e não por eles, caso contrário, ficarão
sequiosos de vida e poderão rebelar-se contra aqueles que lhes estão a barrar a
possibilidade de viver - errar e ser feliz.
O erro não pode ser encarado como uma fatalidade, quando
é reversível. Há uma altura na vida em que os filhos têm que traçar eles
próprios caminhos e se forem caminhos de vida onde eles queiram que os pais
lhes façam companhia, tanto melhor!
Um filho é um filho e não uma coisa, porque quem faz um
filho, fá-lo por gosto.
Sandra Silva
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