sexta-feira, 10 de outubro de 2014

Divórcio, anulação do casamento e eucaristia geram debate entre cardeais

Divórcio, anulação do casamento e eucaristia geram debate entre cardeais

 O cardeal Burke considera que o cardeal Kasper propôs um caminho nunca antes tomado em toda a história da Igreja

 
Susan E. Wills
 
09.10.2014
Marcin Mazur/UK Catholic
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O cardeal Raymond Burke seria o primeiro a realçar que o Sínodo Extraordinário sobre a Família, iniciado no último domingo, tem que tratar de uma série de problemas decorrentes da ignorância quase universal e da grande confusão existente em torno do significado e do valor do casamento e da família.

Em declarações aos jornalistas em uma entrevista coletiva organizada pela Ignatius Press, editora do livro "Remaining in the Truth of Christ: Marriage and Communion in the Catholic Church" ["Permanecer na Verdade de Cristo: o casamento e a comunhão na Igreja Católica"], o cardeal explicou:

"Nós temos de admitir que, em uma sociedade totalmente secularizada, o nosso ensinamento tem sido radicalmente defeituoso nos últimos cinquenta anos. Temos que abordar estas duas coisas: a secularização radical da sociedade e as tristes lacunas da catequese". Ele, e, provavelmente, todos os especialistas e jornalistas que acompanham o tema, esperavam explorar os muitos outros tópicos e potenciais soluções levantados no “instrumentum laboris” do sínodo em andamento.

Entretanto, tem havido excessivo barulho em torno de um único ponto polêmico, fartamente explorado pela mídia: a proposta feita pelo cardeal Kasper, no consistório extraordinário de fevereiro, de desenvolver um processo que permitisse aos católicos divorciados e recasados o recebimento da Eucaristia.

Levando em conta que o silêncio não é uma opção quando se está diante de "coisas que não são verdadeiras", o cardeal Burke decidiu falar reiterada e vigorosamente em defesa da verdade. No início, ele deixou claro que a proposta de Kasper já tinha sido feita e respondida anteriormente pela Igreja:

“O pedido de Kasper já foi discutido há algumas décadas, quando foi escrita a exortação do papa João Paulo II sobre a família, a Familiaris Consortio. A questão foi amplamente discutida e a Igreja deu a sua resposta de acordo com a tradição”.

Instado a falar sobre os rumos que a conversa vem tomando, considerando-se a enorme atenção atraída pela proposta do cardeal Kasper, o cardeal Burke destacou o quanto acha extrema a posição de Kasper:

“Eu, certamente, tenho poréns muito sérios quanto ao que foi proposto pelo cardeal Kasper. Ao propor isso, ele estava pedindo um caminho que, em toda a história da Igreja, nunca foi tomado; um caminho que, de alguma forma, implica desobediência ou pelo menos não-adesão às palavras de Nosso Senhor. E ninguém questiona as palavras de Nosso Senhor no capítulo 19 do evangelho segundo Mateus. Kasper pediu um diálogo sobre a sua proposta e eu posso falar do livro ‘Remaining in the Truth of Christ’ [‘Permancer na Verdade de Cristo’]: somos nove autores que decidiram responder a vários aspectos do pedido dele no tocante ao casamento, como ele propôs na apresentação que fez durante o consistório extraordinário de 20 e 21 de fevereiro. Não quero fazer referência especificamente à minha contribuição, mas, devo dizer que, depois de ler todas as outras contribuições, elas são uma resposta eficaz que ilumina e preserva a beleza da doutrina da Igreja em relação ao casamento ao longo dos séculos e mostra que a fidelidade a esse ensinamento não foi fácil em todas as épocas. A firme convicção dos autores e, realmente, a firme convicção da Igreja é que somente ao se ater à verdade do casamento e à vivência e à prática dessa verdade é que a Igreja pode dar o contributo que ela é chamada a dar, para a felicidade, não só nesta vida, mas a felicidade eterna, dos membros individuais da sociedade e também da sociedade como um todo. Se a família não é estável e forte, a própria sociedade corre um grande perigo. Isso nós enxergamos pela nossa própria experiência”.
O cardeal Burke e os outros co-autores concluíram que "o caminho proposto pelo cardeal Kasper é fundamentalmente falho. Ele cometeu um erro e eu [cardeal Burke] acredito que o livro é uma contribuição muito positiva para retomarmos o diálogo adequadamente".

Quando perguntado sobre as elevadas expectativas decorrentes da proposta do cardeal Kasper a respeito do recebimento da Eucaristia por parte dos católicos divorciados e recasados e se vai ​​haver decepção dentro de alguns círculos por causa da “falta de mudança iminente”, o cardeal Burke explicou que o objetivo do sínodo extraordinário é desenvolver práticas pastorais que ajudem as pessoas a permanecerem na verdade de Cristo quanto ao casamento. E contou uma bela experiência da sua juventude, como coroinha numa pequena cidade do interior. Ele notou que um casal da paróquia ia à missa todos os domingos, mas nunca recebia a Sagrada Comunhão. O pequeno Kasper perguntou ao pai sobre aquilo. O pai do futuro cardeal explicou ao filho, de uma forma muito caridosa, que um dos cônjuges tinha se divorciado antes de se casar com o novo cônjuge. E como a Igreja não reconhecia o segundo casamento como válido e o casal respeitava os ensinamentos da Igreja sobre o digno recebimento da Eucaristia, eles se abstinham de comungar. Eles não abandonaram a fé; mas também não esperavam que a Igreja abrisse uma exceção para eles.

O cardeal Burke discordou da ideia de que o debate sobre a proposta de Kasper pudesse ser visto como prejudicial para a Igreja. Ele fez alusão aos muitos pontos fundamentais da doutrina que foram acaloradamente debatidos nos primeiros concílios. Mas ressaltou que "deve ser um debate honesto, baseado nos melhores estudos e no qual todos reconheçam o compromisso final de servir à verdade, porque, se não estivermos servindo à verdade, não estaremos servindo à Igreja. E quanto a todos ficarem simplesmente em silêncio ao verem que são ditas coisas que não são verdadeiras, como é que poderíamos ficar em silêncio? Como é que isso poderia ser interpretado como caridade ou como algo bom para a Igreja?".

Burke foi então convidado a abordar um argumento muitas vezes apresentado em defesa da proposta do cardeal Kasper. Tal argumento diria: "Não estamos questionando a indissolubilidade do matrimônio, mas simplesmente queremos mudar o processo para deixar mais fácil a nulidade matrimonial, de maneira que as pessoas possam receber a comunhão". O cardeal Burke dissipou sumariamente este erro: "Não pode haver uma disciplina canônica contrária à doutrina. Mexer na disciplina não é uma questão simples". E acrescentou: "As pessoas não são estúpidas". Elas vão notar facilmente a incoerência entre o ensinamento da Igreja e a sua prática, o que permitiria concluir, nesse caso, que a Igreja é "hipócrita".

Jogando um pouco mais de lenha na fogueira, um jornalista da Reuters se referiu aos comentários do cardeal Kasper sobre as pessoas que o estariam atacando [uma referência velada ao cardeal Burke e a outros colaboradores do livro "Permanecer na Verdade de Cristo"]. Segundo esses comentários, aquelas pessoas "o estavam atacando para atingir o papa". Qual seria o grau de dificuldade de se dialogar com alguém que o cardeal Burke julga que "errou"?

Fiel à sua reputação de falar com franqueza e sem papas na língua, o cardeal Burke admitiu que "se ele [Kasper] se baseia em uma interpretação errônea dos Padres da Igreja e das Igrejas Orientais, a discussão não será mesmo fácil e não foi melhorada por quem acusa o nosso livro de contradizer o papa. Esta não foi a nossa intenção".

Em seguida, Burke acrescentou: "Eu acho inacreditável que o cardeal afirme falar em nome do papa. O papa não tem laringite. Ele pode falar por si mesmo. Nós estamos comprometidos com a obediência à verdade. Não é porque eu disse ou porque o cardeal Kasper disse".

"Remaining in the Truth of Christ: Marriage and Communion in the Catholic Church" ["Permanecer na Verdade de Cristo: o casamento e a comunhão na Igreja Católica"] foi escrito por Robert Dorado, OSA, e inclui respostas de cinco cardeais (Walter Brandmülle, Raymond Leo Burke, Carlo Caffarra, Velasio De Paolis, CS, e Gerhard Ludwig Müller) e de quatro outros estudiosos (Dodaro, Paul Mankowski, SJ, John M. Rist e dom Cyril Vasil, SJ) à proposta do cardeal Kasper a respeito do recebimento da Eucaristia por parte dos católicos divorciados que assumiram um novo casamento civil. O livro, repleto de fontes bíblicas e patrísticas que mostram a beleza e a sabedoria do ensinamento da Igreja, está sendo lançado neste mês.

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