segunda-feira, 29 de junho de 2015

O primeiro filho


O primeiro filho
Sidónio Ferreira Crespo

 A parturiente, que fora internada no hospital da cidade onde vivia, acabou de deixar a sala de partos, após o nascimento de uma criança robusta e perfeita, que passou a alegrar todo aquele ambiente maternal. Mas a jovem mãe não conseguiu recompôr-se, naquele momento, o mais sublime de toda a sua vida, o de ver nascer o filho amado, desejado e esperado. Como reforço de apoio foi acompanhada pelo homem mais especial do mundo, que naquela altura era o seu entendimento, e que tinha escolhido para dividir tudo, inclusive, ou principalmente, aquela ocasião enorme, gigantesca, incontida, no palpitar de todas estas emoções.

Meio perdida, aliás, neste instante completamente, regressa ao quarto da maternidade, deixando o seu que há pouco tempo era parte do seu corpo, agora, aos cuidados médicos e de enfermagem, para o obrigar a respirar e a experimentar os seus primeiros momentos secos. A anestesia injectada através da milagrosa agulha, vai deixando a epidural de fazer efeito e a lucidez absoluta começa, então, a aparecer, a pouco e pouco.

Eis que chega, depois, a criança recém nascida. Rostinho redondo, toda flácida, rosada, num sossego que quase sufoca das ondas do amor que levanta dentro da gente. A chata da enfermeira pergunta se urinou e, quando finalmente, ouve a resposta afirmativa, acrescenta — e defecou? —. Bolas! Não são horas de falar nessas coisas, mas nos cuidados, futuros, do bebé.

É hora, também, de regularizar outras situações relacionadas com a higiene da mulher e daquele que há pouco era nascituro. — Venha tomar um banho. — Convida a danada da enfermeira.

A pessoa, enquanto tenta calcular todas as possibilidades de fuga viáveis, responde, automaticamente, após o parto, as sensações vividas são as mais estranhas. Parece que tudo está solto por dentro do corpo, sem caber, sem poder segurar-se. Pensar que, no primeiro passo a dar se iria tropeçar, de certeza, através da mente, no útero ou na bexiga, tudo vencido pela gravidade, toma-se um prodígio. O pensamento gravita no espaço físico que nos envolve, dando a impressão que não deve ser muito diferente do que andar no planeta lua.

O que não se poderia imaginar revelou-se, então, quando a enfermeira pediu para ser tirada a bata do hospital. Nos momentos seguintes, as cenas vividas deveriam estar censuradas para menores e, principalmente, para puérperas. A barriga, a barriguinha, da qual tanto se cuida virou uma... uma coisa completamente diferente do que era antes. Lamenta-se! Mas num jeito bastante ameno aceita-se, face ao prazer de ser mãe.

A enfermeira aconselha a usar cinta, a fim de dar início ao esforço, para arrumação interna, do organismo da pessoa. Nada está perdido. Tudo se conjuga. Vem a caminho a troca de fralda, o bálsamo, as gotas para as dores intestinais, a compensação do momento, a certeza de que tudo está no lugar adequado, na hora exacta, na conjugação com a mãe, o pai, restante família e aquela bênçãozinha toda acautelada. Meu Deus! Tudo gira em volta daquela criança e nem se dá conta de que tudo isso é o primeiro dia, ou na verdade, as primeiras horas, orientado pela enfermeira que dá, sempre, uma mãozinha.

Há mulheres e mulheres! Aquelas que não querem ter filhos por opção própria. Aquelas que queriam ter filhos, mas a medicina ainda não debelara as causas impeditivas. Aquelas que gostavam, porventura, de ter filhos, mas por variadas razões, tanto próprias, como conjunturais, ladeiam o problema do parto. E há as que a ocasião materna é tudo para elas. Criar um ser, dentro delas, preso por um cordão umbilical, durante cerca de nove meses e sentir, com o tempo, essa nova pessoa a criar forma e a dar sinais de vivacidade, torna-se fenomenal, além de se transformar num dos maiores dons da natureza. 0 Projecto procriar, à primeira vista, é muito assustador. Surge a responsabilidade, na vida, de ter que administrar, pela primeira vez, algo que não pode, jamais, dar errado. Não se pode acabar, cancelar, adiar, deixar para o outro dia, protelar, prorrogar, delegar, fugir, a correr, para o meio da rua... É necessário encarar!

O primeiro dia em casa, após a maternidade, torna-se uma loucura. Falta a prática, sobra a manga da camisa para uns bracinhos tão miudinhos, sem falar nos intermináveis choros e nos "cocós” em jacto. E o banho? Loucura colocar na banheira uma coisinha de tão pequena dimensão e friorenta. Muitas fraldas. As cólicas prosseguem. Depois, tudo se acalma. A rotina torna-se agradável...

Uma vez em casa, por norma, tudo fica a cargo da mãe, que atende o bebé, além do não menos trabalhoso puerpério. Nesse período, segundo dizem os peritos do foro da obstetrícia, tecnicamente compreendido entre os doze meses que separam o parto da vida normal, as primeiras semanas são maçadoras. O peito incha, dói, seca, dói de novo, depois racha, a cinta aperta, a barriga cai toda a vez que se vai tomar banho, mas o marido e os pais, dos dois lados, agora avós, tentam controlar todas estas crises que afectam o normal funcionamento familiar. Se os réditos, porventura, não escasseiam, pensa-se consultar o cirurgião plástico, a fim de reparar todas aquelas sequelas, através do silencioso bisturi, sem tão-pouco esquecer as estrias corporais, que só com cremes e massagens ficam apenas disfarçadas. E ninguém dorme dentro de casa... porque o redentor pequerrucho acorda, a cada instante, na sequência dos eventuais ataques de choro.

O tempo passa... As feridas cicatrizam, a barriga volta ao normal, pelo menos ao que se pode considerar normal, dali para a frente, e os hormónios estabilizam. Nota-se o desdobrar das unhinhas das crianças, as fraldas vão sujando menos, o umbigo cai, os sonos equilibram-se e tudo, então, se vai ajustando. Chegará o dia em que a mãe e o pai conseguem acertar, novamente, a metarmofose do viver.

É uma delícia presenciar o rebento a crescer... Observar os primeiros sorrisos, a ida às vacinas, as iniciais tentativas de segurar as coisas, o jeito que vai tomando, que cada dia se torna mais apaixonante. Mas, quando se está no auge do idílio, acaba-se a licença de maternidade. Que aborrecimento! Um novo cordão de vida se parte. Uma ruptura mais doída, é verdade, mas tudo terá de ser adaptado, atenta a lei natural que rege as coisas.

É nos doze primeiros meses de vida que a criança alcança a sua maior taxa de crescimento. O normal é dobrar de tamanho e de peso. Sem falar, tão-pouco, no que tem de aprender a sentar-se, a andar, a expressar as vontades, a comer, a brincar, a rir e a falar. Vieram os primeiros passos, as primeiras quedas e, logo em seguida, um tombo enorme, que se espera ser o único, mas que nunca bate certo. Para maior complicação surge, ainda, a esquisita comichão numa boca tão pequenina, devido ao nascimento dos primeiros dentes.

Engraçado! Como o bebé se desenvolve rápido. Aliás, de repente. Não é que se pariu hoje e nem se sente o tempo passar, até se perceber que virou a um sujeitinho voluntarioso e falante. Tudo acontece aos saltos! Num dia mal se sustentam sentados e passado pouco tempo estão engatinhando. Os primeiros anos de vida são um mundo cheio de descobertas, para o bebé, e surpresas, para os pais.

A gente fica parva cada vez que uma nova habilidade é adquirida, por mais que se tenha vivido tudo, ali, sempre de perto. Aparece o abraço mais apertado e querido do mundo, quando ele, ou ela, numa alegria cintilante, mostrando uma carinha cheia de felicidade, afirma, de forma peremptória, sem reservas íntimas, mais ainda com a voz oscilante, que ama os pais.

Nota: Este conto, por vontade do autor, não segue as normas do novo acordo ortográfico.

A aurora do Lima – 18 de Junho de 2015

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