terça-feira, 21 de julho de 2015

MELGAÇO *** DIA DO BRANDEIRO *** Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza


MELGAÇO

DIA DO BRANDEIRO

Rota Cisterciense do Alto Minho-Galiza

José Rodrigues Lima

 

                O Dia do Brandeiro faz parte do calendário festivo de Melgaço.

                Os homens do cajado firme e com “os olhos cheios de memória e pensamentos lavados pela aragem”, os brandeiros de longas caminhadas celebram as memórias seculares vividas na branda da Aveleira, a mil e duzentos metros de altitude.

                No dia 8 de Agosto o convívio animado e o eco das concertinas chegarão aos contrafortes da serra da Peneda.

                A comemoração de homenagem cumpre com o preconizado na “Declaração Patrimonial” torna pública no dia 7 de Setembro de 1996, inserida no Projeto Memória e Fronteira que concretizou a ação “Brandas do Alto Minho”.

                Os amigos das brandas comungarão um património vivo, verificando as denominadas cardenhas. Trata-se de pequenas construções de abrigo cobertas de líquenes, e são bem a imagem da aspereza primitiva da vida das gentes serranas, frugal e dura, revelando uma tendência ancestral inconscientes.

                Os protagonistas serão os brandeiros, estando previstas comunicações referentes à paisagem cultural realizada por estudiosos da branda, e o testemunho do brandeiro Manuel Carvalho, um octogenário com uma longa história de vida para contar.

                É de referir que também as mulheres subiam à branda.

               

ARTES DA SOLIDARIEDADE ATIVA

 

                A Branda da Aveleira, conjunto harmonioso da montanha, contem uma paisagem cultural com tons cinzentos e acastanhados e diferentes aromas, onde o ar é mais brando e as águas cristalinas e leves.

                Os brandeiros que comungaram estes pedaços de terra que estão densos de permanência e universalismo, foram protagonistas e construtores de uma trama espessa e indissolúvel, onde os fatores geológicos, geográficos, ecológicos e económicos operaram uma constante simbiose que contribuiu para a coesão social, em que o ideário celtista deixou marcas perduráveis.

                “As artes da sobrevivência conviveram com a arte de viver na solidariedade ativa”, de acordo com o sociólogo António Joaquim Esteves.

                Os homens do cajado firme, verdadeiros serranos, seguiram anos a fio a rota da transumância, partindo da parte baixa da freguesia da Gave para a Branda da Aveleira, acompanhados de emoções misturadas com a aventura e inseridos numa comunidade agro-pastoril. “Um lençol e duas mantas; alguns potes ou azados; duas broas e um presunto; dois cabaços descascados e a chicolateira velhinha eram os trastes usados” e constituíam o espólio que transportavam para permanecer de Maio a Setembro na branda, olhando pelo “bibo” ou pela “rês”.

                Homens possuidores de mundividências sábias.

                A quadra do saudoso brandeiro José Maria Rodrigues define o território: “Da Peneda até ao Mouro, / Tudo é teu oh minha terra; / Tens a frescura do rio / E o verde escuro da serra.”

 

CONVERSAS FORA DE TEMPO

 

Os apaixonados pelas terras altas e que apreciam descobrir a alma dos lugares poderão ouvir conversas surpreendentes, mesmo de espanto…

                Quem nasce no monete volta pró monte, como o melro puxa à silvareira. O monte é mais bonito porque fica mais perto do céu. Aqui há silêncio, ar puro, contacto com a natureza, não há poluição… Aqui deixa-se correr o tempo, olha-se o gado e as flores lindas. Bebe-se água fresca, dorme-se uma soneca e assobia-se um pouco. É bom!

                Pela canícula o gado descansa nos cortelhos; pela fresca o “bibo bai pró pasto”.

                No fim do dia arranja-se “o comer” e conversa-se com os outros brandeiro. E pronto, é “noute”, e temos de dormir, pois de manhã cedo é preciso abrir os cortelhos para “o bibo” sair outra vez, retouçando as ervas.

                Isto é um sossego…

                Aqui é a branda da Aveleira, concelho de Melgaço. Lá em baixo encontram-se os ribeiros da Aveleira, do Vidoeiro e do Calcado, juntando-se todos entre Antre-os-Portos, formando o rio Vez. É na junção das águas.

                Há muitas “estóritas” para contar por “bia” dos gados, dos pastos, da pesca nos ribeiros, do Poulo das Beiguinhas, do lobo, dos sustos que apanhamos… Bô! Bô!

                Agora tenho mas é que ir buscar as “bacas” e as cabras.

                Não quero outra “bida” de Maio aos fins de Outubro. Os brandeiros quando lhes apetece, e há forças, fazem alguns labores com logões, arranja-se a couçoeira, conserta-se o tarambelho ou arruma-se a bezerreira”

                É por aqui. Cumprimos a tradição.

 

SANTUÁRIO NATURAL

 

                A branda da Aveleira é considerada um santuário natural, atendendo à riqueza botânica com espécies de valor cientifico considerável, das quais destacamos a abrótea, o vidoeiro, a orquídea, o azevinho, o salgueiro branco, o piorno, a urze, o freixo, o castanheiro, a calta, a angélica e outras.

                Quanto a plantas como vestígio da antiga florestação destacamos o cedro do Oregon e o pinheiro silvestre, para além daquelas que oferecem possibilidades para a medicina alternativa. São de referir ainda a variedade de gramíneas e rupícolas.

                Num ambiente ecológico de rara beleza e com olhares para lugares diferentes, acompanhados por estórias variadas, somos levados a um verdadeiro retorno às origens.

                Aqui verifica-se a trilogia monte, água e gado.

 

TURISMO DE ALDEIA

 

                Com intuito de preservar a diversidade cultural existente na branda vários proprietários candidataram-se ao programa LEADER II, recuperando doze cardenhas, adaptando-as a fim de serem utilizadas pelos turistas que apreciam o silencio da montanha, os valores significativos do património natural e cultural, dando assim descanso ao corpo e paz ao espirito, possuindo condições para usufruição turística, a branda responde a grupos sociais que privilegiam o contacto com a flora e avifauna ao mesmo tempo que descobrem com surpresa caminhos íntimos da cultura.

                Os brandeiros podem ser considerados artistas que moldaram os pedaços de terra das altitudes, conseguindo meios para a sua economia.

Podemos dizer com António Aleixo: “ A arte é força imanente, / Não se ensina, não se aprende, / Não se compra, não se vende, /  Nasce e morre com agente.”

Para além da cultura da batata, do centeio e do feno, muitos brandeiros dedicam-se à apicultura, sendo de referir que um possui 85 colmeias das quais extrai mel de qualidade.

No dizer do grande geógrafo Orlando Ribeiro, “Aqui se encontram também os últimos restos de deambulações de gado grosso, outrora transumante, reduzidas às oscilações periódicas dos cimos para os vales; e, as brandas e inverneiras da serra da Peneda, um caso de povoamento desdobrado, pelas necessidades de pastagem e da cultura, entre os campos e os lameiros de verão e o abrigo das terras baixas exíguas durante o inverno – dupla migração anual que afeta a população de algumas aldeias.”

 

MONGES NA SERRA

 

O historiador M. A. Bernardo Pintor sustenta que os mosteiros cistercienses do Ermelo e Fiães possuíam terra na zona da Aveleira.

Assim, regista: “Ermelo possuía terra no Cando e na Pomba. Fiães igualmente em Fervença, na Bouça dos Homens, assim como Ciche, em Campelo na Aveleira.”

A opinião do citado historiador e de outros contributos levou a que o projeto “Rota Cisterciense do Alto-Minho e Galiza” atravessasse o território da Branda da Aveleira.

O itinerário cultural tem inicio no Mosteiro do Ermelo, passando pelo de Fiães, para na Galiza sinalizar o Mosteiro de S. Clodio de Leiro, alcançando o grande conjunto monacal de Santa Maria de Osseira.

O lema Ora et Labora (Reza e Trabalha) é referência mística dos monges brancos através da história e bem evidenciada no noroeste peninsular.

Nas pegadas dos monges os brandeiros decalcaram os caminhos da montanha.

A Rota Cisterciense para além de outros objetivos preconiza dar visibilidade ao tecido histórico-cultural das comunidades que possuem marcas civilizacionais da ação dos conjuntos monacais.

Assim, pretende-se ligar o Vale do Lima ao Vale do Minho pela montanha, contribuindo para o seu desenvolvimento e constatar a existência de laços antigos entre os cistercienses do Alto Minho e Galiza, bem como fomentar as relações transfronteiriças e desenvolver o turismo cultural e religioso.

 

DA CARTA DA TERRA À ENCÍCLICA “LAUDATO SI”

 

                O corpo doutrinal da recente encíclica “Laudato Si” (Louvado seja) do Papa Francisco, por certo será referenciada, bem como a Carta da Terra (Carta dos Povos – 2000).

                “É fundamental buscar soluções integrais que considerem as interações dos sistemas naturais entre si e com os sistemas sociais. Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental.”

                “A Carta da Terra convidava-nos a todos, a começar de novo, deixando para trás uma etapa de autodestruição, mas ainda não desenvolvemos uma consciência universal que o torne possível. Por isso, atrevo-me a propor de novo aquele considerável desafio: como nunca antes na história o destino comum obriga-nos a procurar um novo início (…). Que o nosso seja um tempo que se recorde pelo despertar de uma nova reverencia face à vida, pela firme resolução de alcançar a sustentabilidade, pela intensificação da luta em prol da justiça e da paz e pela jubilosa celebração da vida”. Encíclica “Laudato Si”.

 

A TERRA ESTÁ ENRIQUECIDA COM A VIDA DOS NOSSOS SEMELHANTES

 

                Célebre no âmbito ecológico ficou a carta do Chefe Seattle, escrita em 1854, endereçada ao então Presidente Americano Franklin Pierce, como resposta ao projeto  de compra de uma grande extensão de terra índia, feita pelo grande chefe branco de Washington.

                Destacamos do documento:

                “Por fim, talvez sejamos irmãos…

                Cada parcela desta terra é sagrada para o meu povo…

                Somos parte da terra e do mesmo modo ela é parte de nós próprios. As flores perfumadas são nossas irmãs, o veado, o cavalo, a grande águia são nossos irmãos, as rochas escarpadas, os húmidos prados, o calor do corpo do cavalo e do homem, todos pertencemos à mesma família.

                A água cristalina que corre nos nossos rios e ribeiros não é somente água; representa também o sangue dos nossos antepassados…

                Que seria dos homens sem os animais? Se todos fossem exterminados, o homem também morreria de uma grande solidão espiritual, porque o que suceder aos animais também sucederá ao homem. Tudo está ligado!

Devem ensinar aos vossos filhos que o solo que pisam são as cinzas dos nossos avós. Ensinem aos vossos filhos que a terra está enriquecida com a vida dos nossos semelhantes para que saibam respeitá-la. Ensinem aos vossos filhos aquilo que temos ensinado aos nossos que A TERRA É NOSSA MÃE.

Tudo o que acontecer à terra acontecerá aos filhos da terra”

 

Os brandeiros são homens de carácter firme, personalidades simbólicas, poéticas, de sabedoria, possuidores de segredos que sabem cuidar da biodiversidade e escutam sempre “o grito da terra”.

São merecedores da nossa homenagem pois apontam caminhos patrimoniais não rompidos.

 

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