A
modernidade reclama e a imaginação desafia
Sou
dos que acreditam que a confiança é fundamental para o progresso e
desenvolvimento das nações e das instituições, desde logo porque corresponde a
um sentimento profundo de duplo sentido; quer dos que confiam, quer dos que são
objeto dessa confiança.
Vivemos
dias difíceis, em que os valores que dominaram e foram o motor do desenvolvimento
da Europa ao longo dos séculos estão postergados e submersos numa cascata confusa
de interesses e de poderes, que utilizam os recursos financeiros como arma e
alavanca. Não sei, não posso saber, durante quanto tempo e para onde nos
conduzirá este percurso; mas é inquestionável que Portugal, mais opção, menos
opção, será sempre um elemento frágil deste puzzle.
De
facto, não havendo recursos e proliferando as necessidades, teremos todos não
só que ser realistas, como também eficazes e imaginativos. Porque todos sabemos
já que se não existisse setor solidário em Portugal, o problema do Governo não
seria o de reduzir a despesa pública em 4,5 mil milhões de euros, mas sim
certamente em mais alguns milhares de milhões de euros.
É
evidente que a principal função do Estado Social, no futuro próximo, será o de
garantir um conjunto de respostas que a dignidade humana exige, a modernidade
reclama e a imaginação desafia, e que para nós, católicos, se pode designar de
uma forma soberba na expressão de João Paulo II: "A nova fantasia da
caridade!"
A
devolução dos hospitais às Misericórdias, as experiências-piloto na área do
Alzheimer ou do acolhimento de idosos, a rede de cantinas sociais, os cuidados
continuados para crianças, o esforço no sentido da abertura de todas as
unidades da Rede Nacional de Cuidados Continuados Integral em fase de conclusão
ou já prontas, a continuação da proteção à deficiência e às crianças em risco,
a integração das amas nas instituições, são algumas das manifestações dessa
imaginação, em que todos temos de dar as mãos, em nome dessa
"fantasia" e da nossa missão em cooperar com o Estado, em nome e por
causa das pessoas.
Chamo
a atenção para a circunstância de ter utilizado a palavra "garantir"
e não a palavra "prestar". O Estado Social do futuro próximo pode e
deve ser um Estado que garanta as respostas às necessidades dos cidadãos, como
regulador para todos, como pagador em nome da solidariedade e da coesão social
para os que precisem e só, residualmente, como prestador.
Parece-me
evidente que um novo olhar sobre o Estado Social implica um novo olhar sobre o
fenômeno social do envelhecimento. Basta olhar para a inquestionável verdade da
demografia, associando-lhe as doenças crônicas (70% do orçamento do Ministério
da Saúde), as demências (153 mil pessoas em 2010), a solidão, a contínua
desestruturação das famílias até, imagine-se, invocando a competitividade, o
aumento da incidência da pobreza sobre os mais velhos e dependentes (cerca de
65% dos nossos pobres são idosos), para percebermos que, mais dia, menos dia, o
problema vai assumir uma dimensão que pode ser incontrolável do ponto de vista
da dignidade humana.
Só
uma política humanista de verdadeiro cuidado com os nossos idosos (que podem
ser fator de despesa, mas são os nossos pais, os nossos avós, os nossos amigos
e um dia nós próprios) evitará que os hospitais públicos, os lares, as unidades
de cuidados continuados ou os centros de dia possam correr o risco de se
transformarem de lugares em "deslugares", para utilizar a pertinente
expressão do padre José Nuno Silva.
É
por isso que a reflexão sobre o Estado Social do futuro será pois, também, necessariamente
uma reflexão sobre a nossa sustentabilidade, a nossa missão e o próprio projeto
europeu.
É
evidente que não tenho ilusões que, pelas mais variadas razões, muitos vão tentar
tirar ou colocar este debate da ordem do dia, mas nós - Misericórdias e setor
solidário - é que não podemos ir ao sabor desses interesses e marés, porque o
que está verdadeiramente em causa é a nossa sustentabilidade e a nossa missão
de ajudar os que mais precisam!
Se
querem esse debate, se querem assumir a responsabilidade de reformar o Estado
(por mim acho muito bem!) então vamos lá, mas até ao fim, seriamente, para que
Portugal seja finalmente aquele País onde valha a pena viver e onde, como
disse, Sá Carneiro "os velhos tenham presente e os jovens futuro".
Manuel
de Lemos, Presidente da União das Misericórdias Portuguesas
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