sexta-feira, 11 de outubro de 2013

“Não sou uma máquina registadora de pecados”



Por: P.e João Seabra

“O segrede profissional dos padres ultrapassa o da confissão. As leis em vigor dizem que os sacerdotes não podem ser interrogados pelas autoridades acerca de factos que conheceram no exercido do seu mundus. As pessoas vêm falar connosco sobre a sua vida, pedir ajuda... Recebo 7, 8 pessoas por dia na minha paróquia, e a maioria não vem para ser ouvida em confissão. As pessoas contam-me coisas porque partem do princípio que vou guardar reserva sobre elas.

A lista dos valores pelos quais parece que vale a pena sacrificar o segredo de confissão é muito longa. Mas a igreja tem como valor maior que todo o pecador pode dirigir-se ao seu pároco e contar-lhe os seus pecados - e que isso está abrangido por um sigilo inviolável. Isto é um serviço à paz das consciências, à união das famílias. A inviolabilidade deste segredo é tão forte que a pena de violação do sigilo é a exco­munhão reservada ao Santo Padre. Na igreja Católica o segredo da confissão não cede perante nenhum outro valor. E não está prevista nenhuma exceção.

Nunca conheci um padre que tivesse violado o segredo da confissão. Perante casos mais graves, se alguém me confessasse, por hipótese, intenção de matar a mulher, o que faria seria não lhe dar e absolvição, ameaçá-lo com as penas do inferno - e calar-me muito bem calado. Graças a Deus nunca me aconteceu. Penso que se me acontecesse fi­caria muito perturbado com Isso e rezaria a Nosso Senhor para que re­solvesse a questão. Mas sei que há uma coisa que não poderia fazer: telefonar á mulher a dizer que o marido a ia tentar matar. O código diz claramente que não posso revelar o pecado. Em 32 anos de trabalho, nunca tive a tentação de violar o segredo da confissão.

Estou acautelado pela lei civil a não ter de prestar declarações, em tribunais ou inquéritos públicos. Dou-lhe um exemplo: na véspera da famosa fuga de Peniche, em 1960, em que fugiram dez reclusos pre­sos por oposição à ditadura, todos eles, à exceção de Álvaro Cunhai, pediram para falar com o capelão da cadeia, o padre monsenhor Bas­tos. Após a fuga, a monsenhor Bastos nunca ninguém perguntou rada. Mem os agentes investigadores, nem o diretor da PI DE, nem o ministro da Justiça, nem o dr. Salazar - ninguém.

Não sei como fazem os outros padres com os segredos que lhes confiam, mas eu esqueço-me. O que chega a ser até um pouco em­baraçoso. Não faço por esquecer, mas a verdade é que me esqueço da maioria. Por vezes, há coisas graves, terríveis, que não consigo esquecer facilmente. Nessas ocasiões, rezo, rezo, rezo. Peço a Deus que me faça humilde e não me permita arvorar-me em juiz dos meus irmãos, que não sou. Já houve confissões que me deixaram profunda­mente perturbado e aflito, consciente dos limites da humanidade, oran- te e ajoelhado diante de Deus. Não sou uma máquina registadora de pecados.

A confissão não faz de nós terapeutas da alma. É um momento sagra­do de encontro entre o pecador e Deus que perdoa, em que o sacerdo­te é instrumento da misericórdia de Deus. Não nos cria nenhum direito sobre a alma do penitente. A contrição verdadeira (arrependimento pe­los pecados) passa-se num santuário do coração onde eu não tenho direito de entrar. Só Deus consegue entrar aí. Não me permito recusar a absolvição a uma pessoa por não me parecer verdadeiramente ar­rependida. A definição de santo é essa mesma, a de um pecador que não desiste de se arrepender. Ser um repositório de segredos é difícil. Mas é mais belo que difícil. Porque a luz de alívio no rosto do pecador absolvido é mais bela do que tudo o mais”.

 

Sem comentários:

Enviar um comentário