«Não
tenho tempo». Esta é a resposta mais vezes ouvida diante de uma proposta que é
suposto a Igreja fazer na sua acção pastoral. Diante da constatação mais vezes
repetida, a da dicotomia entre a fé e a vida, ou a fé sem as obras, ou a da
falta do testemunho cristão na vida quotidiana, ou do ir/não ir à missa ao
domingo... todos respondem: «não tenho tempo». E, de facto, não faltam sinais
de uma sociedade sôfrega e ávida de diversão, a quem escasseia o tempo para
que crianças, jovens e adultos possam saborear a contemplação da Beleza que
os rodeia. Não sabemos o que fazer nos tempos «livres», quando os há. Têm de
estar todos preenchidos. Vivemos correndo e como que fugindo de alguém
(Alguém?), que nos quer agarrar e de quem (Quem?) temos medo.
E
porquê?
Porque
temos medo de parar num tempo verdadeiramente livre com o objectivo único de me
encontrar, de sentir a própria vida, o pulsar do próprio coração?
A
sociedade de hoje está, de facto, doente: desvia-se do essencial, da profundidade
do ser e entra na via da fuga sem saber para onde se dirige. Impõe-se parar.
Parar para (se) contemplar. E o tempo de férias pode ser a oportunidade a não
perder. E sabemos como não faltam pessoas de vida excepcionalmente ocupada
durante todo o ano que anseia por uns dias de férias passadas no silêncio de
um mosteiro, à mesa frugal dos monges, longe da agitação para onde a evolução
tecnológica nos atitou.
Se
olharmos ao próprio texto bíblico vemos que, no ritmo da criação num espaço de
sete dias, Deus termina a sua obra com a contemplação: «E Deus viu que tudo
estava bem feito!».
Impõe-se
esta contemplação sob pena de nos desgraçarmos, de nos hipotecarmos a nós
mesmos, levando-nos a passar pela vida sem a vivermos.
O
evangelista Lucas conta-nos que, um dia, Jesus foi questionado por Marta,
queixosa de sua irmã, que não a ajudava nas lides domésticas, preferindo
«sentar-se a ouvir o Mestre». Na Marta atarefada estamos todos nós, com terríveis
dificuldades em parar, em escutar a harmonia da criação ou o silêncio do
coração. E na Maria, sua irmã, estamos nós quando, atentos à nossa própria
interioridade, desejamos uma palavra diferente, a de Deus.
A
prioridade da escuta da Palavra de Deus é uma opção inadiável na vida do crente
de hoje. Sob pena de perder as razões da sua esperança e passar a viver como os
que não têm fé. Sem o confronto permanente com a Palavra de Deus, o cristão
fica, em pouco tempo, anémico, vazio, seco espiritualmente. Quem não o sente?
Prioridade
das prioridades na Igreja de hoje é a escuta da palavra de Deus, ponto de
partida para qualquer acção eclesial. Logo, não pode haver acção sem
contemplação. O activismo na Igreja é pecado facilmente identificável... nos
outros, a quem julgamos. Mas de difícil reconhecimento em nós próprios.
A
hospitalidade, tantas vezes apregoada com a necessidade de um comportamento
acolhedor para com os outros, tem de o ser, antes de mais, do próprio Deus que,
à semelhança do que aconteceu com Abraão, tão bem retratado no ícone da
Trindade de Rublev, nos visita. Deus é o hóspede mais esquecido no nosso
tempo. Conceder-lhe hospitalidade é a maior necessidade. E se a Igreja não
ousa propor e mesmo ousar novas formas de propor Deus à sociedade, a cada um
dos homens e mulheres que nos rodeiam, corre o risco de falhar no essencial da
sua missão. E há hoje tantos cristãos tíbios e com medo de se assumirem
crentes, sem coragem para testemunharem a fé ou falarem se m medo da sua fé no
Senhor!
O Prior - P. Abílio Cardoso in boletim de Barcelos
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