domingo, 7 de julho de 2013

Tempo de uma verdade ausente


Tempo de uma verdade ausente

Por vezes tenho a impressão de que perdemos o controlo do tempo e que é ele a ser dono das nossas vidas. Este é o tempo em que ninguém tem tempo.

O que ontem se dava como certo apagou-se dias depois sem deixar rasto. Porquê?

As profecias agradáveis ou tétricas multiplicam-se em todos os campos, servidas por uma televisão e por uma imprensa em crise e que apenas querem vender e deslumbrar em troca de mais audiências.

Aliás, os vendedores de ilusões, mentiras e meias verdades, aumentam como cogumelos, nem sempre isentos de veneno que mata. O tempo actual é propício para a charlatanice e para o vazio. A verdade incomoda, faz pensar, não fascina, nem vende. É melhor o circo com palhaços e artistas, sempre com imaginação.

Dá para entretenimento de todos, das crianças aos velhos. A promover o divertimento fácil não falta gente que ganha nome pela sua capacidade histriónica e ilusionista. Vive-se aos empurrões. Empurra-se na política partidária e no futebol, campos por onde vagueia a maioria dos portugueses.

Os motivos de discussão são, normalmente, a crise do país, vítima das nossas crises, e os árbitros pelos penáltis marcados ou não marcados. É cada vez mais difícil, fora dos círculos de gente ainda acordada, falar de algo que valha a pena.

Pensar cansa e rende pouco. Não se pode perder tempo com o que não rende. São poucos os que têm tempo que digam seu. Os presos ao passado ou alienados pelo sonho ilusório de um futuro sem horizonte não valorizam o presente.

Para os cristãos esclarecidos o tempo não é dinheiro, é dom que comporta oportunidades irrepetíveis. O tempo viu acrescen­tado o seu valor quando Deus se tornou visível em Jesus Cristo.

O tempo foi então reportado para uma história, que se diz de salvação. Nela não há momentos vazios, nem inúteis. Tudo é rentável. Não há gente válida, nem gente inválida.

Todos têm o seu valor próprio, que não se pode menosprezar, nem esquecer. E nunca se saberá quem foi mais determinante, porque as contas não são feitas nem as pessoas apreciadas segundo os critérios humanos.

O que contraria a desvalorização das pessoas e do tempo é a educação que se prolonga ao longo da vida. Educação que comporta uma contínua aprendizagem.

Cada dia, inesperadamente, se nos revelam capacidades que julgávamos desaparecidas ou inexistentes, por nunca terem sido conhecidas ou experimentadas.

É então que o tempo nos revela os tesouros que guarda, só perceptíveis por quem se mantém vivo e continua a procurar razões para viver e para agir.

Reside aqui a mensagem de dar valor ao tempo para que nele a verdade se torne presença assumida e agradecida. A verdade liberta sempre. Nunca aliena, nem é contra ninguém.

D. António Marcelino, Bispo emérito de Aveiro, In Notícias de Beja, 16.05.2013

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