0 facto é que os missionários, para
poderem comunicar com 0 povo e evangelizar, têm de conhecer a sua língua e
também os usos e costumes desse povo; e geralmente são essas as orientações
que se recebem quando um é destinado a uma determinada zona lingüística e cultural.
Pessoalmente fui favorecido, porque me foi dado tempo suficiente para me
dedicar a esse estudo.
Ultimamente foi publicado pelos
Missionários Combonianos 0 livro Elementos da Língua Ndau, preparado
por mim durante a minha estada na diocese da Beira. É um estudo sobre uma
língua falada principalmente na parte sul desta diocese, e que faz parte da
família das línguas chonas falada no Zimbá- bue e em Moçambique. Esse trabalho
engloba: gramática, dicionário ndau-português e português-chona, e abundante
literatura oral tradicional como adivinhas, histórias, provérbios, etc. Algo de
parecido tinha sido feito em 1991 na língua de Tete com a publicação de Elementos da Língua
Nyungwe.
Já nessa altura alguém perguntava: «Como é
que se escreve um dicionário?»
Naturalmente que cada pessoa tem 0 próprio
método de trabalho, conforme 0 próprio estilo e as circunstâncias. Eu segui 0
método que achei melhor: 0 contacto directo com 0 povo, nas mais diversas circunstâncias
da sua vivência: de trabalho, de descanso, de oração, de cerimônias, de festa,
de sofrimento. Tarefa dura e que exige muita constância, assumida com a
atitude de uma criança, que nada sabé e que tudo tem de aprender: «O que é
isto? Como se chama esta coisa? Que estás a fazer?...» Tarefa que obriga a
entrar em sintonia com as pessoas, nas diversas circunstâncias e a tentar
perceber as razões da sua maneira de viver.
O instrumento principal eram papel e
lápis, sempre prontos a sair do bolso, para registar toda a palavra ou
expressão nova.
Esse registo tornava-se difícil; por vezes
não era nada fácil determinar com exactidão 0 som e a escrita correspondente
de uma determinada palavra, e igualmente 0 significado dessa palavra.
Geralmente as pessoas tinham muita paciência comigo, pelo que muito agradeço a
todas.
Outro instrumento usado era um pequeno gravador, muito
útil não só para a recolha de palavras, mas principalmente para gravações de
cânticos, histórias e adivinhas. Especialmente durante 0 recreio depois da
ceia, não era difícil ter a oportunidade de gravar esta literatura oral feita
em competição. E foi com gravações que mais facilmente percebia 0 nexo
gramatical entre as palavras; mais ainda, foi assim que descobri verdadeiros
artistas na linguagem tradicional, entre pessoas tímidas e acanhadas quando se
tratava de se exprimirem em português. Seguidamente à recolha de palavras e de
frases, fazia-se a ordenação em ficheiros manuais ou electrónicos (estes já na
era dos computadores). Para a solução das dúvidas, recorria a um grupo de
pessoas adultas de especial confiança. Nem sempre era tarefa fácil, a partir de
exemplos, gramatical.
Era também com essas pessoas que estudava as
tradições principais, que tinham implicação também na feitura de um dicionário
que se pretendia o mais completo possível, e que poderia vir a ser a base de
um futuro estudo mais aprofundado sobre usos e costumes.
Os provérbios são usados especialmente nas
assembleias familiares, para resolver problemas, ou simplesmente por ocasião
de uma festa. São sínteses de sabedoria dos antigos, patrimônio de todo o
povo, riqueza que não pode cair no esquecimento.
Tradição africana
Actualmente está em curso em algumas escolas
primárias de Moçambique a experiência do ensino bilingüe: nas duas primeiras
classes, usa-se e estuda-se a língua materna; na 3.-, 4.- e 5.5
classes, continua-se com a língua materna, e iniciam-se 0 uso e 0 estudo do
português. Dizem os entendidos que os resultados são positivos, na aquisição
progressiva dos conhecimentos, e na distinção entre as técnicas das duas
línguas. Na preparação para a Segunda Assembleia do Sínodo dos Bispos para a
África, insistiu-se muito na necessidade de aprofundar e generalizar 0 os
vários aspectos e a nível in- ter disciplinar. A coordenação da feitura de
dicionários, e a convivência quotidiana com 0 povo na acção pastoral, levou-me
à convicção da urgência de se desenvolverem esses estudos, para que a tradição
seja criticamente apreciada e possa ser a base de um desenvolvimento humano e
cristão harmonioso, e as pessoas sejam defendidas dos crimes de gente
interesseira.
Os Combonianos em Moçambique têm-se dedicado
ao estudo das línguas locais; têm-nas usado na catequese e na oração;
compuseram várias gramáticas e dicionários e colaboraram na tradução de
catecismos, missais e Bíblia.
Em 1973, saiu na língua nyungwe de Tete a
primeira edição (ciclostilada) do leccionário dominical, a que se têm seguido
outras edições melhoradas em policópia. A grande falta que se sente relativamente
a esta língua é que não existe ainda uma tradução da Bíblia, ao contrário do
que acontece na maioria das línguas moçambicanas. Com a graça de Deus e a
dedicação das pessoas, também este trabalho há-de ser realizado para bem de
muitos.
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